sábado, 31 de outubro de 2009

Brincar com palavras alheias

Definição quase perfeita para aquilo que sinto sempre que (re)leio a Poesia de Fernando Pessoa:

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e Pessoa[s] incomparáveis."

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

À imaginação, seja lá isso o que for...

Questionei hoje um dos meus alunos sobre a razão por que, no teste de avaliação, tinha optado por deixar a "expressão escrita" em branco. "Não tenho imaginação, professora!", foi a lacónica resposta.

Para o Luís, pelos vistos em adolescente crise de tudo, sobretudo dele próprio, aqui fica esta pequena pérola de "imaginação", seja lá isso o que for:

TLM

O telemóvel é, de certeza, a terceira maior invenção humana, depois do fogo e da roda. Creio até que a vida antes do dito cujo não devia existir, pois nunca um só objecto foi tão indispensável no quotidiano de tanta gente. Há já quem não consiga estar "desligado" e muito menos separar-se fisicamente do seu telemóvel, como se disso dependesse a sua própria sobrevivência.
Aliás, muitos adultos, e quase todos os jovens, não têm apenas um telemóvel, têm dois - pelo menos - e quanto mais avançados e vistosos melhor.
A utilidade prática dos telemóveis é, de facto, inquestionável. Porém, já é bem mais duvidoso que seja necessário atender chamadas durante uma reunião, uma aula ou uma conferência, por exemplo. Ou que seja necessário enviar e receber inúmeros sms durante um espectáculo. Ou que seja indispensável gastar bom dinheiro todas as semanas para usar os sucessos pop do momento ou os mais absurdos sons como toque, e bem alto para que todos ouçam e não tenham dúvidas! É mesmo o meu telemóvel!
Se o uso excessivo deste objecto representasse um avanço qualitativo em termos de comunicação entre as pessoas, então nada haveria a dizer. O problema é que nada disto está a acontecer, pois não consta que os casos de violência doméstica, solidão, infelicidade difusa e persistente, depressão e outros quejandos tenham diminuído desde a sua generalização.
A questão não está, portanto, no meio de comunicação em si, mas na pessoa dos seus utilizadores: embora estejamos mergulhados em tecnologia capaz de levar as nossas palavras e imagens ao outro lado do mundo em escassos segundos, temos cada vez mais dificuldade em comunicar verdadeiramente com os outros e estamos cada vez mais isolados e vulneráveis ao terrorismo da palavra vazia e sem sentido, ao falar para dizer coisa nenhuma ou, pior, para fingir que ainda não percebemos o silêncio ensurdecedor à nossa volta.
Depende só de nós mudar isto, ou será que não?

Tudo isto e muito, muito mais ainda, está nesta belíssima curta-metragem de Jason van Genderen feita, justamente, com um telemóvel:

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O desafio de escrever

Coloquei aos meus alunos de 8º ano o desafio de escreverem sobre as diferentes percepções do tempo, de acordo com os estados de espírito vivenciados. O ponto de partida foi esta reflexão de Jorge Amado em O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: "É sempre rápido o tempo da felicidade. O Tempo é um ser difícil. Quando queremos que ele se prolongue, seja demorado e lento, ele foge às pressas, nem se sente o correr das horas. Quando queremos que ele voe mais depressa que o pensamento, porque sofremos, porque vivemos um tempo mau, ele escoa moroso, longo é o desfilar das horas.".

Entre outras, obtive esta resposta:
"... Quando precissamos de tempo, ele passa a correr... Quando queremos que ele se acabe, ele perlonga...
Quando o tempo está mau, todos reclamam...
Quando esta bom, reclamam na mesma porque esta bom demais...
O tempo não se percebe, nunca está como nós cremos."

Passados os instantes iniciais de incredulidade e interrogação sobre o meu futuro como professora, e reflectindo um pouco no tema proposto, acabei por perceber que, de modo paradoxal, este texto, de tão errado, até consegue acertar. De facto, o Tempo deixa-nos às vezes assim: à toa, a entender tudo ao contrário...







Salvador Dali - the persistence of memory, 1931

Auto-qualquer coisa...

Os auto-qualquer coisa - ajuda, motivação, conhecimento, hipnose, ... - estão na moda. Parece-me até que o filão popularizado por Dale Carnegie se tornou inesgotável nesta nossa sociedade cada vez mais desumanizada e materialista.
A Google crava paulatinamente pequenos anúncios destes cursos em tudo quanto é página de pesquisa. No YouTube há exemplos de todos os tamanhos e feitios. Estive a ver alguns. São quase sempre formas mais ou menos sofisticadas, mais ou menos declaradas, de catequização. São sobretudo imagens e frases sabiamente exploradas por pastores, pregadores e gurus de duvidosa e misteriosa proveniência, travestidos de formadores e comunicadores (que o são, de facto, e muito bons!). Não duvido que sejam ainda melhores gestores das fortunas que vão amealhando à custa dos incautos que lhes tombam nos braços.
Nenhum deles, no entanto, me leva lá. Pelo menos por agora. Digo isto porque, se alguém tiver a ideia de promover um curso de auto-desliteralização, eu inscrevo-me logo. É que preciso aprender tudo, mas mesmo tudo, sobre como levar a vida, os factos, as pessoas e a mim mesma de forma menos literal. Talvez possa mesmo vir a ter Saramago como colega (presunção e água benta...), já que anda para aí tudo a acusá-lo de ter feito uma leitura literal da Bíblia. Enfim, como eu o compreendo...

O caminho da serpente - versão pessoa(l)

(Na imagem: a Serra d'Ossa)

"O segredo da Busca é que não se acha.
Eternos mundos infinitamente,
Uns dentro dos outros, sem cessar decorrem
Inúteis; Sóis, Deuses, Deus dos Deuses
Neles intercalados e perdidos
Nem a nós encontramos no infinito.
Tudo é sempre diverso, e sempre adiante
De [Deus] e Deuses: essa, a luz incerta
Da suprema verdade."

Fernando Pessoa, Poemas Dramáticos, Ed. Ática

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Reescrever José Gomes Ferreira

Eu queria abrir a "gaveta", deixar sair as "nuvens" e, depois, fechá-la devagarinho para guardar apenas os tons quentes deste entardecer que se avista pela janela. Queria guardá-los para usar mais tarde, quando sentir muito frio e estiver muito escuro cá dentro...

Em mim

Em mim, agora, há só a dor de todas as coisas que não puderam ser de outro modo...
Há só a imp(a/o)ssibilidade de tudo...
Há só a sulidão...

Todas as palavras de desamor são ridículas

"Variações sobre um Pivot"


Consciente de ser apenas máquina, comandada por motor eléctrico e pré-programado, Pivot só sabe que não sabe amar, pois nunca aprendeu como fazer.
Contudo ficou feliz por ter, por uns breves momentos, podido sentir o borrifo leve e fresco dessa simples ideia e o calor das tuas mãos.
E, mesmo ferido, continua a cumprir a sua função habitual: ser máquina de rega. É o que se espera de um Pivot e nem o seu velho motor eléctrico está programado para mais nada. É por isso que, da vida, o Pivot não sabe mais do que a rega quotidiana. E é com a frescura do verde gravada na memória que volta à sua condição natural de "estúpida, metálica, velha máquina de rega".

Plágio, cover, remake e tudo...

Dói - nas mãos, nos ombros, no corpo todo - descobrirmo-nos subitamente a mais no coração e na vida de alguém. Dói a sério perceber como nos transformámos para essa pessoa num ser (mal/de)formado, incómodo, supérfluo. Perceber-se apenas assim no reflexo dos olhos de quem fazia bater o nosso coração mais depressa, deixa feridas fundas na alma e amargo nos dedos...
Dás, Vida, frutos bem pequenos e colhê-los não nos dói menos!

(Aqui fica o "mote", com a devida homenagem ao poeta e as minhas desculpas pela utilização intencionalmente subversiva da força das suas palavras)

dás oliveira
frutos redondos
colhê-los dói
nas mãos, nos ombros

dás oliveira
frutos amargos
das feridas fundas
que vais fazendo
nos dedos magros

dás oliveira
frutos pequenos
sabê-los de outros
-a quem os colhe-
não lhes dói menos


António Saias

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Eu e a minha circunstância

  • 47 anos feitos discretamente há um mês
  • um pai com demência em estado avançado
  • uma mãe severamente deprimida
  • na lista de espera para uma histerectomia e para uma menopausa precoce
  • uma profissão que perde sentido todos os dias
  • alguns (cada vez menos) amigos ausentes e/ou distantes, atarefados com as suas próprias vidas
  • uma relação mal-acabada, minada desde o início por intransponíveis circunstâncias individuais, esvaziada pela ausência de cumplicidade (mea culpa, também)
  • uma rotina marcada por horários rígidos, malas, trajectos, permanências provisórias
  • eu própria desgastada, endurecida por tudo isto
  • a certeza de que era imperativo mudar quase tudo e a impotência para o fazer
  • o vazio até quase rebentar
  • a raiva por ter que ser assim
  • a angústia que aperta a garganta
  • um grande cansaço...

    Os versos de Florbela inscritos na paisagem e na alma:

    "Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
    - Também ando a gritar, morta de sede,
    Pedindo a Deus a minha gota de água!"