Tu me sondas, Senhor, e me conheces.
Sabes quando me sento e me levanto,
de longe escrutas as menores intenções,
reconheces a minha marcha e vigias o meu sono.
Nada de mim te é estranho.
Adivinhas a palavra que se tece ainda em mim.
Estás em frente do meu rosto, estás atrás das minhas costas,
e pousaste a tua mão sobre a carne do meu ombro.
– Oh, tua ciência é a mais prodigiosa.
Como fugir à tua Face, como evitar teu Espírito?
Acho‑te nos campos celestes e nas funduras da treva.
Se voo nas asas da luz para o outro lado das águas,
agarra‑me a tua mão que jamais me deixará.
E se as trevas sem astros se derrubam sobre mim,
para teus olhos as noites nada mais são do que luz.
Foste tu, eu sei, quem ergueu a minha carne,
quem lentamente me urdiu no ventre de minha mãe.
Maravilho‑me ao pensar no enigma criado.
De há muito já decifravas labirintos da minha alma,
e vias erguer‑se a máquina dos meus ossos obscuros.
Minha vida estava inscrita no teu livro encoberto.
Ainda antes do tempo fixaras os meus dias.
Mas os teus, os teus enigmas, quem os pode decifrar?
Que se estendem pelo tempo como na terra as areias.
Odeio os teus inimigos com um ódio absoluto.
Tu me sondas, Senhor, e me conheces.
Adivinhas a palavra que se tece ainda em mim.
Tu que sabes do meu sono e da minha marcha incerta
dá‑me o caminho secreto para a tua eternidade.
mudado por Herberto Helder
In Poesia Toda. Lx: Assírio e Alvim, 1996, p. 169‑170
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