quarta-feira, 30 de maio de 2012

A Day in the Life

Desculpe, mas não percebi bem: disse "linchado"?

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JSC, tem a certeza disso? Não quereria antes dizer "inchado"? É que, olhando para o seu avantajado perfil... E sim, "inchado". "Inchado" de poder, de empáfia, de dinheiro, de ambição, de "a mim ninguém me toca"... Parece-me que, por tudo aquilo que tem sido divulgado nos últimos meses, "linchado", além de ser um manifesto exagero, é também uma das expressões mais desgastadas da língua portuguesa, pois sempre que um político - ou um todo-poderoso - é apanhado em esquemas de corrupção, favorecimentos, fraudes diversas e esquemas afins, logo se apressa a alegar que está a ser "linchado". Já começa até a tornar-se repetitivo...

Se fosse verdade, a este ritmo de "linchamentos" ainda corríamos o risco de vir a ser julgados no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos... Ora não me parece que seja caso para tanto. Até porque, como é usual neste tipo de situações, todo este barulho acabará em nada. Pode ficar tranquilo.

Já a acusação de "popular" me parece bem mais insólita: é que o povo - isto é, todos nós que, com os nossos impostos, enchemos os bolsos a figurões do seu género - é quem menos tem que ver com tudo isto. Terá, de certeza, é que pagar a fatura de todos estes desmandos. Apenas isso. Ou, para usar uma expressão que lhe é tão cara: no meio disto tudo, o povo é que está "linchado", e bem. Disso, não tenha dúvidas.

O seu problema, JSC, é bem diferente: está "inchado", isso sim. Talvez o melhor, seja fazer uma dieta. Pode começar por jantar menos vezes fora com essa malta do "arco do poder". Vai ver que perde logo uns quilos...

terça-feira, 29 de maio de 2012

Fabular

Este não é o relato efabulado do verdadeiro delírio de grandeza que atingiu os "países do sul da Europa" quando, em janeiro de 2002, entraram para o Clube do €uro como se lhes tivesse saído a sorte grande.

Mas podia muito bem ser.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Linha intermitente

alinhado sobre o dorso do monte
o verde é o visível caminho do vento
o audível presságio
a intermitência de tudo:
do verde do vento do caminho
até da verdade


N 372: 27/5/2012

O refrão de sempre

Ó Relvas, ó Relvas
sem demissão prevista
é páraquedista da impunidade
e já tem em vista calar a verdade...

Canta-se com a música de Paco Bandeira...

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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Que fazer quando já nada mais há a fazer?

Talvez dançar...


A febre do ouro

São nada menos que sete os anúncios de empresas de compra de ouro que enchem as páginas de um folheto de supermercado travestido de jornal (Dica da Semana) que todas as semanas é introduzido na minha caixa de correio. Também as páginas de anúncios dos jornais diários idem aspas e os próprios sítios de internet estão crivados deles. A pesquisa "empresas de compra e venda de ouro" no Google encontra mais de 350 mil resultados, só para Portugal. Não é de espantar já que, segundo o jornal "i", abrem diariamente duas novas empresas destas.

Onde antes havia comércio tradicional, entretanto forçado a encerrar portas por causa da crise, há agora lojas de compra e venda de ouro, algumas delas em regime de franchising. Mesmo no interior do país, é fácil encontrá-las. Certas empresas chegam a ter duas ou mais lojas em cada cidade. (ver vídeo aqui).

De repente, o desespero de muitos tornou-se o sucesso de umas quantas centenas de empresários que proliferam em todo o território nacional. Ao que parece, as margens de lucro estão bem acima dos 20%. Nada mau em tempos de crise! Sobretudo porque a fiscalização das autoridades relativamente à origem das peças transacionadas e às questões fiscais também não deve ser lá muito rigorosa.

Só há nisto tudo uma questão que me intriga: os que agora andam a tapar buracos financeiros vendendo os anéis, que farão quando eles se acabarem? É que estas "lojas" e respetivos donos depressa descobrirão outro filão qualquer. Mas para os que só já têm os dedos não será bem assim...

terça-feira, 22 de maio de 2012

Coisas que me irritam e muito

Decididamente, a falta de tacto de alguns utilizadores do Facebook não conhece limites.

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A justificação de que o recém-nascido iria morrer dali a algumas horas devido a graves malformações congénitas e que era preciso mostrá-lo (expô-lo) aos olhos de familiares, amigos e, já agora, também de milhares de utilizadores da rede  não me convence nem um pouco. Só revela, aliás, que o ténue limite entre público/privado, entre o bom senso e o mero exibicionismo bacoco está completamente estilhaçado nas redes sociais.

O FB começou por retirar as fotos, mas depois recuou perante os argumentos dos pais, alegando ter cometido um erro. Contudo, erro maior foi ter dado o passo atrás na decisão tomada. Abriu um precedente cujos efeitos podem ser assutadores.

É que, se a moda de mostrar imagens da agonia de alguém pega - sob o pretexto de que os familiares e amigos querem acompanhar essas horas finais de vida -, não faltará também a curiosidade mórbida dos que querem sempre espreitar por esta ou aquela razão, ou até sem qualquer razão. Apenas porque sim e porque lhes apetece e que depois partilharão essas imagens no seu mural, para fruição dos "amigos" virtuais. Qual respeito pelos outros e pela sua dignidade, qual carapuça.

domingo, 20 de maio de 2012

Mesmo sítio, mesma hora...

Mais oito dias passaram e o azul que cobria a colina até perder de vista já perdeu muito do seu fulgor, ou talvez reflicta apenas o cinzento do céu.

N 372, entre Vila Fernando e Santo Aleixo; 20/5/2012

Até a manada parece querer descansar de tanto azul. Ou talvez apenas aguarde, em silencioso recolhimento, a chegada do temporal...

N 372, entre Vila Fernando e Santo Aleixo; 20/5/2012
E os prenúncios de que ele não tardará a chegar são visíveis logo depois da colina seguinte. De repente, aí se acaba também o verde e e do azul nem vestígios.

N 372, entre Vila Fernando e Santo Aleixo; 20/5/2012

Dos políticos que temos

(porque os elegemos)

Sarkozy tinha um manifesto problema com a altura. Nunca o resolveu, nem poderia, claro. Limitou-se a tentar disfarçar caindo quase sempre no ridículo (sapatos de plataforma?! plataformas?!). Claramente, não esteve à altura.


Agora é a vez de Hollande. Tudo indica que o problema deste é com o tempo: cronológico e também meteorológico, como se viu na semana passada. Ainda assim, conseguir cumprir o compromisso de, em primeiro lugar, prestar vassalagem a Angela Merkel.

Por cá temos um primeiro-ministro convencido de que sabe cantar. Ainda o veremos um dia destes num daqueles programas tipo "ídolos", "vozes de portugal" e idiotices afins, versão "famosos". Até lá, vai-nos dando música é a nós. Todos os dias.

`

E depois há a matriarca da Europa, que manda em tudo e em todos, que todos veneram e a quem todos obedecem e que faz tudo isto apenas com a força da mente. Sim, porque as mãos, essas, claramente devem ter algum problema de motricidade fina. Por isso, ela manda e eles fazem o que ela manda e nada mais.

E depois ainda há quem se surpreenda com o estado a que a Europa chegou...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Complicação!? Qual complicação?

Ouve-se frequentemente dizer que as mulheres são "complicadas". Algo amplamente explicado pela psicologia e confirmado pelo sexo oposto. Pela parte que me toca, não só concordo, como até não me sinto nada mal por causa disso. Bem pelo contrário.

Só que, através de um mail recebido hoje, descobri de forma inesperada que esta coisa da "complicação", afinal, é unissexo. O que me deixou logo bem mais tranquila.

50! 50! Alguém dá mais?

Aqui há uns tempos atrás tinha na caixa de correio uns folhetos publicitários do Intermarché que prometiam carne de vaca ao preço da carne de porco, carne de porco ao preço da carne de frango, e por aí fora... Ah e tudo carne de primeira qualidade, claro está!

Mas o que é isso agora, quando comparado com a maré viva de promoções de 50% - umas com mais, outras com menos condições - que este fim de semana inundará os hipermercados de norte a sul do país. Assim por alto temos então:

 
Para lá da própria brutalidade deste tipo de campanhas - até porque as pessoas gastaram praticamente tudo o que tinham na carteira no passado dia 1 de maio e, com o mês ainda a meio, já estão de novo a ser pressionadas para irem gastar mais dinheiro -, há também uma outra questão: a qualidade da carne. Se, em condições normais de consumo, já passam despercebidas de vez em quando situações muito perigosas para a nossa saúde (nitrofuranos, toxinas várias, antibióticos e esteróides, doença das vacas loucas, etc) quem é que pode assegurar, com este tremendo afluxo de animais aos matadouros, que não há/haverá problemas?
 
E onde é que um país com tão poucos recursos e com a seca que estamos a passar, tem esta quantidade de animais prontos para abater e em número suficiente para satisfazer a procura de tantas promoções em simultâneo, sem recorrer à importação maciça de carne de origem e qualidade também elas discutíveis?
 
Mais, a continuarmos a este ritmo:
 
Primeiro - não sobrará desta triste história uma vaca, um porco ou uma galinha (e lá teremos o preço da carne e seus derivados a subir, claro está);
 
Segundo - o número de obesos deverá subir em flecha pois só assim é que se poderá dar conta de tanta comida antes que ela se estrague.
 
Enfim, não seria já tempo de todos nós, cidadãos e consumidores, começarmos a pensar um pouco pela nossa própria cabeça, em vez de irmos logo a correr ao primeiro toque da campaínha, como o cão de Pavlov?

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Um falcão no punho

Há algo de errado nesta história

Ler notícia completa aqui
Quando um governo toma uma catadupa de medidas severamente restritivas em termos de apoios sociais, subsídios e pensões, baseado na convicção de que há subsídiodependência no país e depois o ministro da tutela vem dizer (garantir, como diz o título da notícia é outra coisa bem distinta) que, no país do cada vez "menos Estado" será «sempre garantida uma protecção social» aos milhares de portugueses que todos os meses ficam desempregados;

Quando um governo anuncia com toda a solenidade que vai penalizar severamente todas as irregularidades, sobretudo a fraude e a evasão fiscais, bem como a chamada economia paralela, ou até mesmo a acumulação de subsídios e pensões com rendimentos profissionais, e um dos seus ministros vem agora revelar que está a ser preparada legislação que permitirá a acumulação de uma parte do subsídio de desemprego com rendimentos do trabalho;

Quando todas as medidas do governo são justificadas com um único e muito urgente objetivo, promover o crescimento económico e o emprego (face às estatísticas divulgadas, começa a ser difícil ao próprio governo arranjar argumentos que convençam alguém da sua bondade; acho até que já nem a própria troika acredita nisso, mas enfim) e depois um dos ministros vem dizer que, com o alto patrocínio do estado, se vai promover justamente o sub-emprego ou o des-emprego (nem quero imaginar por que valores irá ser pago esse mesmo trabalho, menos ainda consigo perceber como é que semelhante medida de total desrespeito pela dignidade das pessoas vai promover o emprego;

Então é porque há algo de errado nesta história. Mesmo muito.

Dias e dias


Gustav Klimt: Jardim com Girassóis, c.1912






















Há o "Dia da Espiga", que é hoje. E há dias... que espiga!

À procura da resposta

quarta-feira, 16 de maio de 2012

La mémoire et la mer

O poema

Quase nunca a roseira, menos ainda
a sua perfumada, perecível flor

Tão somente o doloroso
desconforto do espinho encravado na carne
e as vãs tentativas de o extrair

O alívio de,
por fim, o ter conseguido, o respirar fundo
a música do verso no tom certo
e a súbita percepção disso mesmo

terça-feira, 15 de maio de 2012

E a Europa ainda fica aqui?

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Tenho que me beliscar sempre que leio notícias como esta. E o pior de tudo é que elas são cada vez mais frequentes.

Leio-as e verifico que, afinal, este é um país da Europa que deixa definhar e morrer lentamente estas e tantas outras pessoas como estas, para poupar algumas dezenas de euros em transportes, mas que não tem qualquer problema de consciência em pagar milhões a gestores de empresas apenas para fazerem o seu trabalho de forma competente, como se não fosse isso o mínimo exigível a todo e qualquer cidadão ativo deste país.
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Afinal, este é um país da Europa que desperdiça centenas de milhões de euros em projetos megalómanos para depois decidir que não  serão construídos, é um país alcatroado com auto-estradas feitas de ouro e platina - a julgar pelos milhões que custaram e onde já quase ninguém passa para poupar o dinheiro das portagens -, mas cujos governantes olham para casos como este e declaram do alto da sua arrogância que uma nova lei ainda a publicar dará "ao médico a possibilidade de prescrever transporte gratuito a casos que a sua "sensibilidade ética" dite que também devem ser beneficiados, mesmo que não cumpram os critérios previstos". Esqueceu-se foi de definir "sensibilidade ética". Deve ser uma espécie de saco sem fundo, ou melhor, sem fundos.

Belisco-me para tentar perceber se ainda estaremos na Europa e nesse exclusivo "Clube do Euro", ou seja, dos países ditos desenvolvidos, onde o bem-estar social e até material de todos os cidadãos está assegurado. Onde, supostamente, há igualdade de oportunidades para todos, em especial para os que mais precisam de apoio. Não creio.

Estamos mas é numa qualquer jangada apodrecida e à deriva para sítio nenhum. É mesmo só uma questão de tempo até afundarmos de vez.

Aqui (ainda) vive gente, mas não muita - I


Veiros - ETZ; 15/5/2012


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Novos provérbios portugueses

Quem parte e reparte e não tenta ficar com todas as partes ou é tolo ou não tem arte (durante bastante tempo esta astuta personagem até conseguiu ...).



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Sweet Sunlight

A síndrome de Dumping?

É já do senso comum que o caro nem sempre é bom, nem o barato é sempre péssimo. Vivemos numa sociedade em que o apelo ao consumo assume às vezes proporções desmedidas e os preços são inflacionados ou deflacionados conforme for mais conveniente, independemente da qualidade dos produtos comercializados. As grandes empresas que controlam o mercado chegam ao ponto de vender abaixo do preço de produção se isso for necessário para alcançar determinados objetivos financeiros. Mais do que uma técnica de vendas, o "dumping" tornou-se nestes últimos anos uma autêntica arma de manipulação e controlo dos mercados e, sobretudo, dos consumidores  (todos nós), de forma a garantir sempre o máximo lucro possível. À custa, claro está, dos recursos naturais e da sustentabilidade do planeta.

Esta técnica do "dumping" parece ter chegado agora aos medicamentos e à saúde pelas mãos do governo. Claro que as grandes farmacêuticas sempre tiveram nas mãos o controlo apertado dos mercados garantindo assim lucros desmedidos. Chegam ao ponto de recusar baixar os preços de determinados medicamentos essenciais para o tratamento de doenças como a SIDA em países pobres, para que ninguém seja tentado a fazer o mesmo nos países mais ricos. Os genéricos são a tentativa de contrariar esse monopólio, o que me parece bem. 

Já tenho mais dúvidas é perante decisões como a que foi sintetizada pelo secretário de estado da saúde, Óscar Gaspar, desta forma: «A ideia é atribuir ao cidadão a capacidade de escolher os medicamentos mais baratos dentro da terapêutica que o médico prescreveu» (ler notícia aqui).

Mais grave ainda é que, se o utente não quiser levar o medicamento mais barato é desde logo penalizado porque «Não ficará com a comparticipação de acordo com aquele medicamento específico. Ficará com a comparticipação de acordo com o preço de referência dos medicamentos daquele grupo terapêutico». 

Para além de ser uma forma muito óbvia e muito pouco democrática de imposição da medida à classe médica por via das dificuldades financeiras dos doentes, sobretudo dos idosos, levanta-me uma outra questão, para mim, mais pertinente e perturbadora: e o tal medicamento mais barato de todos os que existem no mercado continua a ser também o mais eficaz para o tratamento a que se destina?

De certeza?
E quem é que nos garante isso? O Estado?! A sério?!

Não haverá nisto tudo um certo gato escondido com rabo de fora, isto é, muita gente interessada em abocanhar os milhões a perder de vista que este mercado de medicamentos garante? As notícias sobre esta guerra surda são escassas, mas lá vão aparecendo de quando em quando, como esta por exemplo. E, além disso, as farmacêuticas aceitarão de bom grado a ideia de, repentinamente, perderem assim tantos milhões (300) em favor do estado? Não tentarão sequer retaliar com os meios à sua disposição (e são muitos): custosos processos judiciais, retirada de certos medicamentos do mercado nacional, atrasos na introdução de medicamentos inovadores, etc, etc. (ler notícia aqui)

Mas, com estas novas medidas do governo, quanto tempo faltará para aparecerem nas farmácias portuguesas medicamentos contrafeitos, em tudo semelhantes aos que se vendem na net? É que esses também são muito mais baratos. Às tantas até são eles os mais baratos do mercado... 

E que tal também uns saldos e uma promoções do tipo: leve três caixas de paracetamol indiano ou chinês e pague só duas. Ou então, venda de medicamentos ainda mais baratos por aproximação do fim do prazo de validade.

domingo, 13 de maio de 2012

Mesmo sítio, mesma hora...

oito dias depois (e ainda não foi desta que consegui uns raios de sol para que o contraste das cores fosse mais evidente): o azul que cobre o suave declive da encosta como um lençol estendido a corar ao sol, acompanha também o curso do ribeiro que corta o fundo do vale como se este tivesse transbordado o azul profundo das suas águas num fúria momentânea. 

De repente, parece-me ainda que contemplo uma nova versão do mundo encantado de Oz em que esta "Blue Brick Road" serpenteia até ao horizonte para nos conduzir à casa de paredes brancas que se avista lá bem ao longe, no fim deste vale encantado. Será aquela a morada do Feiticeiro?
N 372, entre Vila Fernando e Santo Aleixo; 13/5/2012

Um Domingo Estoril




















de passarem navios, petroleiros.
de passarem às vezes cruzadores.
de pasarrem as nuvens e os veleiros.
de cansarem o olhar os pescadores.

de passarem atletas e mulheres.
de passarem os cães e os namorados.
e, em seus óculos grandes como halteres,
inglesas lambiscando os seus gelados.

de passarem as ruivas do casino,
sardentas e lascivas, e o ginasta
que em frente dos banhistas faz o pino.
de passar o comboio que se afasta.

de passar, repassar a multidão
de um domingo estoril no paredão.

Vasco Graça Moura, In Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer,
Lx: Terramar, 2003, (sel, org e introd de José Fanha e José Jorge Letria)

Hortejar não é preciso, mas a gente quer mesmo assim

Évora rendeu-se às chamadas "hortas sociais". A iniciativa municipal - que é um remake de uma outra tentativa feita nos anos 80, mas com fracasso total -  foi agora um sucesso (que será devidamente publicitado na campanha eleitoral do próximo ano, está bom de ver). Muita gente jovem, com formação superior e das mais variadas profissões, se inscreveu e obteve um lote para cultivar. O adjetivo "social" tem aqui, pois, um sentido bastante lato. As hortas da imagem situam-se mesmo junto ao Aqueduto, na entrada da cidade. O movimento é intenso e a imagem - feita perto das vinte horas e com futebol na televisão -, não faz justiça ao bulício que vai por ali durante todo o dia. Pode concluir-se que "está na moda" cultivar uma horta, até porque algumas das pessoas que se candidataram aos lotes não o fazem por necessidade económica, mas para quebrar a rotina e o stress. Talvez também pela novidade e porque, nesta, como noutras coisas, a televisão tem grande influência e, ultimamente, têm sido muitas as reportagens sobre  este tipo de iniciativas um pouco por todo o país.

Claro que as redes sociais também têm alguma coisa a ver com esta "onda hortícula". O Facebook, por exemplo, martela-nos diariamente o cérebro com mensagens e fotos apelativas e de apelo a que cultivemos, aproveitemos, reciclemos, recuperemos, etc. etc. Estes são alguns desses exemplos que, primando pela criatividade, também não ficam atrás em exagero, para já não falar da sua total (im)praticidade. Mas enfim, convenhamos que enfeitam lindamente qualquer mural do FB...



Imagens daqui
 
Para lá das motivações individuais, sem dúvida legítimas, certo é que deram vida a um terreno que há anos estava abandonado às ervas daninhas. Resta apenas saber quantos destes novos e entusiasmados hortelãos vão resistir à passagem do tempo (é que cavar faz mesmo doer as costas, para além de estragar as mãos!) e, quando os legumes estiverem prontos para colher, como é que vai ser num sítio tão acessível e exposto, delimitado apenas por uma rede baixa. Parece-me que não faltarão candidatos para fazer a colheita e, algures a meio do percurso, ainda devem entrar em ação os vândalos do costume, que muito se deverão divertir a destruir os canteiros alinhados e as verduras tenras... No entanto e pelo que vou observando, se as verduras não vingarem a socialização entre as pessoas que lá passam o seu tempo livre, essa, está garantida. Ao menos isso.

Évora -  Hortas Sociais; 12/5/2012

Tenho acompanhado com interesse e curiosidade a evolução destas hortas urbanas de Évora porque elas se situam, justamente, no percurso que faço para chegar à minha própria horta, criada e cultivada pelo meu pai durante mais de trinta anos e que está agora por minha conta. Sim, é que também eu fui contagiada pela ideia de sujar as mãos na terra.

Assim, não me surpreende este entusiasmo dos novos cultivadores, pois isto de pôr no solo e acompanhar o crescimento das plantas para ver no que dá é algo de muitíssimo viciante. Eu própria, há uns meses atrás, comecei de mansinho com três pés de framboesa (dos quais já só sobrevivem dois), dois de mirtilo e uns vasos de ervas aromáticas - tomilho, tomilho-limão, orégãos, manjerona, hortelã (a do ano passado foi devastada por uns malditos, embora lindos, escaravelhos negros de reflexos iridescentes que acabaram com ela em três tempos), poejos, estragão e erva-cidreira. Entretanto acrescentei abóboras de três variedades distintas, outras tantas variedades de tomates, seis pés de pimentos e tenho em casa vários mini-criadores com sálvia, beringelas e courgettes, todos à espera de serem transplantados para a terra quando estiverem em condições para isso. Além disso, ando a tentar arranjar um vaso de hortelã-da-ribeira - óptima para temperar peixe ou perfumar um arroz de tomate, por exemplo - mas não está fácil.

E como se não bastasse já, ainda plantei uma amendoeira que uns amigos me trouxeram do Algarve e meti caroços de nêspera (uma das minhas frutas favoritas) num vaso, a ver se consigo arranjar uma nespereira que, se não der fruta que preste é uma árvore de folha perene e lindíssima que todos os anos se cobre de flores brancas e maravilhosamente perfumadas. Vigio também um vaso com physalis que viajou desde Santarém até cá e está quase pronto para ser posto no chão. Entretanto, acompanho o crescimento dos figos e a floração das rainhas-cláudias plantadas pelo meu pai há muitos anos atrás e vou tratando das roseiras, regando os limoeiros e as laranjeiras. Para além disso, vi-me agora forçada a abrir uma frente de batalha contra as toupeiras e os ratos-cegos que começaram a banquetear-se com as raízes tenras das minhas abóboras e me ameaçam destruir todas as outras plantas e árvores...Ou seja, ando metida em trabalhos. E bem grandes! Só me resta saber até quando é que eu própria resisto à canseira e se as toupeiras me deixarão comer algum dos legumes que tenho andado a plantar. Quanto às hortas sociais,vamos esperar para ver no que dá.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entraste tão depressa nessa noite escura...


Rifão Quotidiano


E, contudo, ele há lá fruto mais imprevisível e caprichoso do que a nêspera? Come-se uma, sumarenta, perfeita de doçura e de aroma; a seguir tira-se outra, semelhante em cor e maturação, mas que se revela ácida, adstringente ao ponto de anular a maravilha anterior. Com as nêsperas é assim, nunca se sabe... por isso temos sempre que comer mais uma...

quinta-feira, 10 de maio de 2012

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Aurora em Lisboa

Deambulação no piso escorregadio da restauração lisboeta

Anthony Bourdain veio a Lisboa e o resultado já está disponível na rede. Antes, já tinha andado pelos Açores e pelo Porto e também por aqui. Quando vejo os programas de Bourdain é sempre ao seu polémico, mas excelente, Cozinha Confidencial - Aventuras no Submundo da Restauração (Lx: D. Quixote, 2005) que regresso: "Peguei-lhe [numa ostra] com uma mão, inclinei a concha na minha boca conforme as instruções de monsieur Saint-Jour, agora radiante, e com uma dentada e uma chupadela, enfiei-a pelas goelas abaixo. Sabia a água do mar ... a salmoura e a carne... e, de algum modo..., sabia ao futuro.
Agora tudo era diferente. Tudo.
Não tinha apenas sobrevivido - tinha apreciado.
E soube logo que aquela era a magia cuja existência já tinha percebido, mas apenas de uma forma vaga e decepcionante. Estava agarrado.
(...)
Tinha aprendido uma coisa. Visceralmente, instintivamente, espiritualmente - e mesmo, de uma forma ténue mas incisiva, sexualmente - não havia volta para trás. O génio saíra da garrafa.  A minha vida de cozinheiro, e de chefe, começava ali.
A comida tinha poder." (p. 27-28)

Todos os episódios de "No Reservations" são, no fundo,  a continuação desta epifania inicial. Nada sei sobre o impacto económico que a sua exibição possa ter no turismo dos países que visita, nem me parece que a promoção turística desses mesmos países seja o seu objectivo principal (para irritação de muitos, certamente). Eles são, sobretudo, uma espécie de road trip pessoal e instransmissível para divertimento e proveito do chefe e dos que com ele partilham a viagem. Tudo o resto será por acaso e por acréscimo.

Claro que a abordagem de Bourdain, entre o cínico e nonchalant, não agrada a todos, claro. Aqui se fala do passado, sim, mas para que Bourdain compreenda melhor o sítio e as pessoas. De forma quase previsível, também se fala de economia e de crise. E come-se bem. Muito bem mesmo. Pela mão de chefs jovens, inspirados e entusiastas da boa cozinha portuguesa, mas que ainda estão a construir o seu currículo. Isso é, para mim, o melhor de tudo. Pelo meio, claro, as recorrentes visitas aos mercados para conhecer os produtos locais e também os obrigatários episódios folclóricos da pesca e afins em que, Bourdain, aparece sempre como o desajeitado que diz piadas, mortinho por regressar ao seu meio natural: a degustação e a boa conversa à mesa.

Este episódio do No Reservations - Lisboa é, à semelhança de todos os outros, essencialmente uma celebração daquilo que, nas suas próprias palavras, Bourdain qualifica como "um longo caso de amor, com momentos tanto sublimes como ridículos" (Idem, ibidem). É sobretudo por esse genuíno, apaixonado e ecuménico amor à comida, seja ela de que nacionalidade for - que vale a pena ser visto. E também pela música, que é da melhor que temos por cá.


terça-feira, 8 de maio de 2012

A Sinfonia do Sul à solta pelos campos...

... numa escrita  tão fresca como no dia em que foi publicada, sensorial e intensa como as terras que descreve e que, teimosa como a charneca que a inspira, resiste ao pó dos tempos.

Pilriteiro (Imagem daqui)

"Abril - Sinfonia da Primavera

Eu bem na sinto! Eu bem na sinto! apesar das fuligens do céu mal humorado, e da ventania que me apupa, através das frinchas das janelas. Uma pulsação vigora as alamedas, nas ascendências inexauríveis da seiva, rebentando em folhagens de contextura fina, por forma que já não é ficção o caso do homem que ouvia crescer erva nos campos, visto que eu há quinze dias oiço, no recanto de parque aonde vivo, sob uma umbela vermelha de paisagista, o burburinho da natureza que se revigora e emplumesce, numa dessas orgias de cor que faziam rir o olho azul de Rousseau, e punham emoções na palidez fatigada de Huet, o paisagista da ilha verde de Seguin.

A esta hora, por esses campos, nem vocês imaginam o que os melros dizem de alegre, e o que as borboletas vivem de contentes. Os murmúrios da água, que pelos regatos vai, como um sangue robusto, espalhando juventudes na cultura, dizem às velhas árvores histórias duma suavíssima poesia; e pelos ramos tufados de verdura húmida, tenra, tamisada de cintilas solares, entra a repovoar-se a cidade dos ninhos, grande cidade moderna, com avenidas, concertos, five o'clock, toilettes de plumas, e exibições de caudas roçagantes. Ontem me dizia na tapada um velho pintassilgo...

E por esses pomares, entre sebes de silvados e canaviais, que florações simpáticas, feitas com gotinhas de néctar e salpicos de sangue arterial!

Conhecem talvez o pilriteiro? É um arbusto dos valados, peculiar das regiões montanhosas do Alentejo, que se defende com os espinhos de que se arma, e não gosta de habitar jardins. Transplantados, não produz flor. Tem uma folhagem pequena, curta, verde retinto, mui recortada nos bordos, e agora na Primavera, esbracejando sobre as barreiras, tolda os pegos com caramanchéis duma vaporosidade incomparável. A sua flor é o que há de mais mimoso, mais pequenino, mais aéreo; uma joiazinha coquette, que antes diríeis insecto, pela vivacidade e esbelteza da figura. Qualquer ramito conta por milhares as florações, e dá em pleno país do sol a fresca sensação duma neve caída em flocos, sobre cada proeminência de haste. Quantas vezes, folheando Madame Chrysanthème, que Myrbach e Claudius Popelin vêm de ilustrar, eu pensei nesta esquecida floração do pilriteiro, que não figura nos álbuns, nem inspira os desenhistas, e todavia resume na sua pureza o que de mais belo possa haver, como motivo ornamental, para a ilustração de livros e jornais.

- Eu bem na sinto! eu bem na sinto!"

Fialho de Almeida, "Pelos Campos" (excerto), In O País das Uvas (1893). Lx: Edª Ulisseia, 1987 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Rain

Desprovérbio

Em Abril não choveu para os homens, mas agora em Maio, ao menos, chove para as bestas (refiro-me aqui às bestas literais, claro, que as outras não precisam de chuva para proliferar).

domingo, 6 de maio de 2012

Dumping: dois pesos e duas medidas

Fresco nos "Paços de Audiência", em Monsaraz: "O Bom eo Mau juiz"; Séc. XV

Ao que parece, Assunção Cristas ficou "chocada" com o grande bodo aos consumidores que o Pingo Doce organizou no 1º de maio e considerou ser “inadmissível” que os produtores se vejam agora forçados a suportar os custos destas campanhas de descontos (ler notícia aqui e aqui). Parece-me justo: quem teve a ideia é que a deve pagar.

No entanto, sobre a recém-criada "taxa de segurança alimentar" a aplicar às grandes superfícies comerciais e que estas tratarão de fazer recair de imediato sobre as carteiras dos consumidores (para não variar) nem uma palavra, nem uma dúvida. Nada. É que, para a ministra, o "dumping" só está errado em algumas situações. Quando é promovido pelo próprio governo nos bolsos dos consumidores e contribuintes, para pagar os devaneios da governação, até é uma prática louvável.

Mesmo sítio, mesma hora...

uma semana depois: o azul da alcatifa vegetal que cobre a suave encosta permanece intacto, mas tornou-se ainda mais intenso e vibrante. A pachorrenta manada que agora aqui se empaturra de erva até deve achar que está a pastar no céu.

EN 372, algures entre Vila Fernando e Santo Aleixo; 6/5/2012

sábado, 5 de maio de 2012

A lua

lembra agora um enorme balão iluminado a flutuar sobre o silêncio nocturno. Apetece sair e serpentear pelo caminho de terra esbranquiçada que, da casa, conduz até ao grande canavial adormecido. Ou talvez apenas cantar baixinho...

Autodiagnose

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A Day in the Life

Ouvir esta canção de Lennon-McCartney, do álbum Sgt. Pepper's (1967),  é quase como ler alguma da nossa imprensa diária: as fontes truncadas, a opinião tendenciosa, o fait divers na sua expressão mínima, do apenas insólito ao simplesmente grotesco... Fico-me, pois, por aqui. E sinto-me quase como se tivesse feito a minha habitual ronda diária. 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

People Ain't No Good

(...)
It ain't that in their hearts they're bad
They can comfort you, some even try
They nurse you when you're ill of health
They bury you when you go and die
It ain't that in their hearts they're bad
They'd stick by you if they could
But that's just bullshit
People just ain't no good
(...)

Esta gente/Essa gente

O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente

Essa gente dominada por essa gente
não sente como a gente
não quer
ser dominada por gente

NENHUMA!

A gente
só é dominada por essa gente
quando não sabe que é gente

Ana Hatherly,
in Um Calculador de Improbabilidades.
Lisboa: Quimera, 2001

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A guerra do Pingo Doce...

... ou o "testemunho" delirante de Ricardo Araújo Pereira sobre os acontecimentos de ontem, ainda por cima com o patrocínio da concorrência, o Continente. Só podemos mesmo rir.

A "sociedade de consumo" a mostrar os dentes

Nos Estados Unidos a multidão corre para comprar vestidos de noiva, numa ânsia histérica amplificada  anualmente pelos media. De repente, o supérfluo torna-se vital, como se a sobrevivência dependesse disso, e a loja transforma-se num campo de batalha: vence quem conseguir arrebanhar mais vestidos.



Por cá, há semelhanças e diferenças: os consumidores correm para o supermercado para comprar bens ditos essenciais como se não houvesse amanhã. Gente empobrecida à força pelo desemprego, pela redução dos salários e dos benefícios, pelo aumento da carga fiscal, pelo endividamento, enfim, pelas duríssimas medidas de austeridade. Gente que se viciou em gastar dinheiro em "pechinchas" de que, se calhar, até não precisa assim tanto e que, nas atuais circunstâncias, apresenta todos os sintomas de carência típicos de qualquer dependente. Gente descaradamente manipulada pela empresa que promoveu esta ideia peregrina no simbólico dia 1º de maio, para justificar a abertura dos hipermercados e para garantir, a todo o custo, que eles estariam bem cheios. Gente que, muito provavelmente, para poder beneficiar da promoção se endividou mais uma vez ou terá que deixar de pagar outras coisas para poder acomodar esta despesa extra. Gente que, acicatada pela histeria coletiva, perdeu nitidamente o controlo e a noção da realidade. Gente que nem sequer hesitou um segundo para pensar sobre o absurdo de tudo aquilo (basta ouvir as declarações prestadas aos jornalistas à saída das lojas). Gente que, devido às dificuldades económicas por que está a passar, se revela disposta a tudo. Pior, gente que está já disposta a aguentar tudo, até a mais constrangedora humilhação.

Mas a culpa não está apenas na gente atordoada que correu para a armadilha consumista. A culpa está em todos nós que, com a nossa indiferença e comodismo, permitimos que as coisas chegassem a este ponto. Este episódio grotesco acabou por ser também a justa medida da nossa consciência cívica e cidadania. Ou da falta dela. Talvez seja isso o que, lá no fundo, mais nos incomoda a todos desde ontem.

Em suma, este 1º de maio foi, portanto, um bom dia para o governo que assim percebeu que pode massacrar-nos com mais austeridade e perda de direitos adquiridos, pois nós já não estamos em condições de reclamar. (Não tenho dúvidas de que o ministro Gaspar telefonou logo ao Soares dos Santos a agradecer esta "prenda" inesperada).

Este 1º de maio  tornou-se agora um "estudo de caso" para psicólogos, sociólogos, economistas, analistas, juristas e afins. Muito terão para analisar e para discutir nos próximos tempos. Eu é que já não tenho paciência para os ouvir.