terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

(I'll Love You) Till The End Of The World

Desabar no olhar de outrém

Nos anos 70 a performer sérvia Marina Abramovic e Ulay (nome de palco de Frank Uwe Laysiepen) viveram vários anos de uma intensa relação amorosa, feita também de muitas ousadias performativas. Quando essa relação perdeu sentido deram um derradeiro abraço a meio da muralha da China e durante 23 anos não voltaram a encontrar-se. 

Em 2010, o MoMa de Nova Iorque organizou uma retrospetiva da obra de Marina Abramovic onde, no centro de uma grande sala, rodeada de público, ela enfrentou o desafio de, durante três meses, olhar nos olhos de qualquer estranho que se quisesse sentar na sua frente e compartilhar um minuto de silêncio. As reações foram as mais diversas e inesperadas, mas sempre da parte de quem se sentou na cadeira em frente da impassível Marina.


Até ao momento em que os realizadores do filme-documentário "The Artist is Present" - Matthew Akers e Jeff Dupree - convidaram Ulay a ocupar a cadeira, sem que a artista soubesse de nada. E foi então a vez de Abramovic reagir de forma mais comovente do que  inesperada...


Às vezes, nem o tempo consegue apagar o que é mais importante...

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

To be Still

Sou (d)aqui


N 372, Ribeira de Tira-calças; 24/2/2013





























Quando contemplo a primordial
aspereza deste chão
marcado pela estiagem
de séculos,
o trilho das águas correntes
e o verde transitório
que cobre a planura
sei-me feita desta
matéria telúrica...

Corre-me no sangue
a mesma urgência desta seiva,
vibro no canto ansioso
dos trigueirões e
tenho em mim a resignada
e lenhosa tenacidade
destes troncos.

Bem mais do que ser daqui, sou aqui.

Se não for isto, é algo muito parecido - 48


A poesia

sábado, 23 de fevereiro de 2013

"da" puta que os pariu

Perante isto (ver aqui)...

... só me consigo mesmo é lembrar disto

I
O pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há

filhos-da-puta que nascem
grandes e filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.
de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos
palmos,diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno

filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno
filho-da-puta.

no entanto,

o pequeno filho-da-puta
tem orgulho
em ser
o pequeno filho-da-puta.
todos os grandes
filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno
filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do

pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o
pequeno filho-da-puta.
tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta

foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem
e semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequenofilho-da-puta

que dá ao grande
tudo aquilo de que
ele precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o
pequeno filho-da-puta.
de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja,
o pequeno filho-da-puta.

II

o grande filho-da-puta
também em certos casos começa
por ser
um pequeno filho-da-puta,
e não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não possa
vir a ser
um grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

no entanto,

há filhos-da-puta
que já nascem grandes
e filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o grande filho-da-puta.

de resto,

os filhos-da-puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o grande filho-da-puta.

o grande filho-da-puta

tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho-da-puta.

por isso

o grande filho-da-puta
tem orgulho em ser
o grande filho-da-puta.

todos

os pequenos filhos-da-puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.
dentro do
grande filho-da-puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos-da-puta,
diz o
grande filho-da-puta.

tudo o que é bom

para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos-da-puta,
diz
o grande filho-da-puta.

o grande filho-da-puta

foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho-da-puta.

é o grande filho-da-puta

que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa para ser
o pequeno filho-da-puta,
diz o
grande filho-da-puta.
de resto,
o grande filho-da-puta
vê com bons olhos
a multiplicação
do pequeno filho-da-puta:
o grande filho-da-puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja,
o grande filho-da-puta.

Alberto Pimenta, Discurso do Filho da Puta


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Just so

A "Grândola" que incomoda muita gente...



O que "abalroa" (ler notícias aqui e aqui) verdadeiramente este pessoal da maioria parl(a)mentar do psd/cds não é a contestação em si, que essa, mesmo quando é feita nas ruas por dezenas ou centenas de milhares nunca até hoje os incomodou assim tanto quanto isso. O que os incomoda agora, e muito, é que o povo ainda se lembra justamente da "Grândola vila morena" e faz muita questão de lhes dizer isso mesmo cara-a-cara. E eles não estão habituados à frontalidade... Por isso é que estes atos de desobediência civil são mesmo um grande azar, logo agora que o objetivo de, paulatinamente, esboroar as maiores conquistas de Abril - a democracia e o estado social - já está à vista.

E tudo porque, em boa parte, nem eles, nem os que os antecederam, tiveram a coragem necessária para, em tempo útil, travar a voracidade sem escrúpulos dos amigos e cúmplices políticos. Daí o recurso expedito de cortar a eito, mas ao lado. Uma espécie de desasada tentativa de desviar olhares e atenções, pois a verdade é que, no que diz respeito à corrupção, à incompetência, ao amiguismo e à impunidade mais flagrantes ainda ninguém viu assim acontecer grande coisa. Antes pelo contrário... (ver aqui)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Relvas e o o insondável mistério...

Estava eu ontem a ver estas imagens... 

"

... e a lembrar-me da recente entrevista de António Capucho à Visão (nº 1041, de 14/2/2013), na qual dizia: Não percebo como o Governo não mede o desastre que Relvas constitui para a sua imagem. Podia voltar ao parlamento, pois foi eleito deputado. Que ele continue no Governo é um mistério para mim insondável!"... 

No entanto, parece-me que o mistério não será assim tão "insondável" quanto isso, pois neste  Governo é claro que o Relvas - tal como o povo na "Grândola vila morena" - é quem mais ordena... 

Atrevo-me a recomendar ao António Capucho que (re)veja este clássico do cinema. Talvez ele o possa ajudar a esclarecer esse "mistério" chamado Relvas...


Na verdade, para mim, mistério bem mais insondável é este: como é que continuamos a votar nesta gente? e aqui incluo naturalmente esta figurinha ...

Ler notícia aqui

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A sit down comedy nacional

O verdadeiro "estado da arte" da sit down comedy nacional: se não podes silenciá-los, finge que cantas a Grândola com eles... até seres obrigado a calar-te.



E o pior é que ele - e os outros ministros - estão legitimados pelos votos do povo...

Algo deve estar mesmo muito errado...

num país onde caricaturas velhas de mais de um século, começam de repente a parecer tão atuais...

Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro; "O Banquete", in A Paródia, Lx, n~164, 14/4/1906

domingo, 17 de fevereiro de 2013

(de)votos

Ler notícia aqui

Agora que já nem o voto solene de "até que a morte nos separe, segundo a santa lei de Deus" vale para o próprio pontificado papal, talvez a igreja consiga perceber o anacronismo dos votos de casamento. Entre muitas outras coisas...

Definição do amor

talvez seja isso amor


para o Luís

Lagoa Henriques: Luís de Camões,
 Constância
























da certeza 
      talvez seja só a penumbra

do ponto de chegada
      talvez seja só o caminho

da voraz labareda
      talvez seja apenas a fagulha

do porto de abrigo
      talvez seja apenas a maré enchente

do sempre
      talvez seja
      apenas o instante
      entre o antes e o depois

     esse instante que, não sendo para sempre
     - porque nada o é -, 
     deixa na boca um mais essencial travo
     a desde sempre

     e talvez seja isso amor

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Barro


Somos de barro. Iguais aos mais.
Ó alegria de sabê-lo!
(Correi, felizes lágrimas,
por sobre o seu cabelo!)

Depois de mais aquela confissão,
impuros nos achamos;
nos descobrimos
frutos do mesmo chão.

Pecado, Amor? Pecado fôra apenas
não fazer do pecado
a força que nos ligue e nos obrigue
a lutar lado a lado.

O meu orgulho assim é que nos quer.
Há de ser sempre nosso o pão, ser nossa a água.
Mas vencidas os ganhem, vencedoras,
nossa vergonha e nossa mágoa.

O nosso Amor, que história sem beleza,
se não fôra ascensão e queda e teimosia,
conquista... (E novamente queda e novamente
luta, ascensão... ) Ó meu amor, tão fria,
se nascêramos puros, nossa história!

Chora sobre o meu ombro. Confessámos.
E mais certos de nós, mais um do outro,
mais impuros, mais puros, nós ficámos.

Sebastião da Gama, in Pelo sonho é que vamos

PS - E que bem que o meu aluno S. leu este poema, ontem à tarde. Fiquei até comovida.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Love on the rocks

Sim, de preferência bushmills. Mas não com gelo. Detesto gelo no uísque. Apenas um trago de água sem gás, por favor, bem gelada.

Frases de cabeceira - 20

"Não o devia ter feito, Porquê, perguntou ele, desconcertado, Porque a partir de hoje não poderei não receber rosas todos os dias, Nunca lhe faltarei com elas, Não me refiro a rosas rosas, Então, Ninguém deveria poder dar menos do que deu alguma vez, não se dão rosas hoje para dar um deserto amanhã, Não haverá deserto, É só uma promessa, não o sabemos, É verdade, não o sabemos, eu também não sabia que lhe mandaria duas rosas, e você, Maria Sara, por seu lado, não sabe que duas rosas iguais a essas estão aqui, num solitário, sobre uma mesa onde há umas folhas escritas com a história de um cerco que nunca aconteceu, ao lado duma janela que dá para uma cidade que não existe tal qual a vejo,..."

José Saramago, História do Cerco de Lisboa, Lx: Ed. Caminho,1989

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A cartilha discursiva dos políticos nacionais...

(... ou onde é que eu já ouvi isto, da direita à esquerda?)


E depois há a "cartilha" de alguns políticos internacionais:

Intervenção de Beatriz Talegón, da Unión Internacional de Juventudes Socialistas, 
na reunião do Conselho da Internacional Socialista
 que decorreu em Cascais no dia 4 e 5 de fevereiro (ver aqui).

Seja como for, certo é que este discurso está a incomodar bastante as hostes mais ou menos socialistas espanholas (ver aqui).

Já ao TóZé Seguro, coitado, que tanto se tem esforçado por dar voltas à cartilha socialista nacional, só lhe saem coisas assim, o que demonstra claramente como, para além do óbvio problema de discurso, tem sérios problemas de memória...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Talvez a resposta seja mais simples do que parece

O anúncio da resignação do Papa deixou hoje "o mundo católico entre a surpresa, a tristeza e a esperança", diz e imprensa. Desde manhã que toda a gente tem algo a dizer sobre a notícia, dá opiniões e lança bitaites. No espaço de algumas horas e em diversos "debates" sobre o caso, julgo que já ouvi todas as hipóteses possíveis e imaginárias. 

Mas quem poderá garantir que as verdadeiras razões por detrás da decisão que tanta perplexidade tem causado aos leigos na matéria, não sejam mesmo estas? 



Certo é que elas serão pelo menos tão válidas quanto as tolices todas que ouvi/li ao longo do dia. Que enjoo!

Soneto do teu corpo

o íntimo ritual

Lagoa Henriques: "A Ilha dos Amores";
Constância - Casa-Memória de Camões, janeiro de 2013


























entre aquilo que eu penso
e aquilo que tu sentes,
entre o que tu dizes
e o que eu calo,
entre o teu sussurro
e a minha entrega
há apenas a intensa
teia da sofreguidão

espécie de lura secreta
onde nos embrenhamos
para esse íntimo ritual
de sombras e de sensações 
que é a transitória sincronia
entre o meu gemido
e o teu fôlego,
entre o teu sorriso
e a minha boca,
entre o teu abraço
e as minhas coxas

única remissão possível
para a inelutável tessitura
de ausência e de solidão
de que é feito o alvéolo
onde tanto nos confundimos
como nos estranhamos

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Se não for isto, é algo muito parecido - 47


Carnavalia

De pantanas

A bandeira nacional, símbolo reverenciado da República, está a passar por uma fase algo... agitada.  Primeiro foi o "incidente" presidencial no 5 de outubro, com a bandeira hasteada de pernas para o ar (ver notícia aqui). 


Agora, foi o "episódio" da bandeira com pagodes em vez de castelos, colocada logo à entrada da sede do Conselho Europeu, em Bruxelas (ver notícia aqui).


As conclusões que se podem retirar desta aparentemente estranha sucessão de episódios caricatos, parecem-me óbvias:
  • O símbolo anda de pantanas exatamente como o país que representa, e ter sido o próprio presidente da República a içá-la assim no dia da dita República é de um cinismo difícil de superar;
  • A China, para além de dominar a economia mundial, já é dona de uma boa parte do país e, portanto, até deve achar que merece ter uns pagodes na bandeira...
Ou seja, este "errado" não podia, afinal,estar mais "certo"...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

L'éclipse

Não é um governo, é uma congregação

O ministro, que é maçon assumido, alega que há uma "cabala" à volta do amigo Franquelim...

Ler notícia aqui

O Franquelim, por sua vez, vem dizer que andou a jejuar no deserto durante vários anos até ascender a esse nirvana financeiro que foi a SLN-BPN...
Ler notícia aqui
Já não me restam muitas dúvidas: estamos a ser governados por uma verdadeira congregação mística... Só falta agora que o CDS quebre o seu monástico voto de silêncio (ver aqui) para nos vir dizer que este governo é mesmo uma espécie de 'Congregação Secular para as Causas dos Santos. Será a beatitude total...

Conceitos lineares

Eadweard Muybridge; Contemplation Rock, Glacier Point; 1872

























Cada um de nós é do tamanho do seu próprio abismo.

Franquelinamente falando...

O Relvas himself garante que o Franquelim coisa e tal no BPN... Ora, se o Relvas himself garante que o Franquelim coisa e tal, quem sou eu para duvidar do Franquelim, ainda por cima se é o Relvas himself que garante que ele coisa e tal? 

Ou seja, o país vai ter que aguentar o Franquelim! Resta saber se o Franquelim é capaz de aguentar o país.

Ler notícia aqui

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Everybody

Desmedido cedro de pedra...


O que, em Belém, não deixa de ser irónico... já que o cedro do Líbano é o símbolo da grandiosidade, da nobreza, da força, da perenidade e, sobretudo, da incorruptibilidade (Cf. Chevalier; Gheerbrant. Dictionnaire des Symboles. Ed. Laffont; Paris; 1982).


Lx: Mosteiro de Sta. Maria de Belém (4/2/2013)