Quando
ainda muito jovem, todo cheio de vigor e de força, o pinheiro foi
implantado na linha de dunas, mesmo de frente para o atlântico, onde
lutou sem descanso, às vezes corpo-a-corpo, contra o vento
enfurecido, sem nunca deixar que ele o derrubasse. Mas isso foi há
tanto tempo que ele já nem sabe contar.
Passados alguns anos, com o tronco todo marcado por lanhos
fundos, vergado devido ao esforço excessivo e continuado, era-lhe
cada vez mais difícil enfrentar o rijo vento que, para o irritar
ainda mais, insistia em lhe soprar para cima das raízes a areia fina
das dunas. Quando isso acontecia, só lhe apetecia gritar até fender
a grossa casca ou então fugir dali, mas sabia que as raízes
enterradas bem fundo na areia compactada pelo tempo nunca lho
permitiriam. Às vezes, sentia-se tão cansado que as forças lhe
faltavam ainda que só por breves instantes. E foi justamente numa
dessas ocasiões que o vento, sempre impiedoso para com as fraquezas
alheias, o derrubou sem aviso. Prostrado, ali ficou impotente a
sentir como a areia das dunas se tornava a cada dia mais insinuante e
ameaçadora, consciente de que, se não fizesse algo para reverter a
melindrosa situação em que se encontrava, tinha os dias contados.
Certo
dia, viu aproximar-se um ser diferente de todos os que conhecia e que
deslizava ligeiro pela areia quente do início da tarde, deixando
atrás de si um rasto ondulante. Era uma jovem serpente que, na sua
busca errante por alimento e território para se estabelecer, ali
tinha vindo parar por mero acaso mas que, logo percebendo que a vida
por aquelas paragens não era fácil, seguiu em frente à procura de
lugares mais amenos.
Enquanto
o vento lho permitiu, o pinheiro observou com atenção o estranho
sulco ondulante que atravessava o dorso das dunas. E muitos dias
depois de desaparecido o rasto, a imagem daquele ser estranho a
deslizar graciosamente pela areia ainda continuava bem viva na sua
memória. Não sabia bem explicar como nem porquê, mas parecia-lhe
que aquela visão misteriosa e inusitada não acontecera por acaso,
que havia ali um qualquer sinal que precisava entender. Até que,
numa certa manhã de ventania, quando mais uma vez perdia o fôlego a
tentar inutilmente puxar as raízes, percebeu que a estranha forma de
locomoção que observara talvez fosse a resposta que procurava há
muito tempo para poder escapar à traiçoeira situação em que se
encontrava.
Tomou,
nesse mesmo instante e sem qualquer hesitação, a decisão que lhe
viria a mudar a vida para sempre. Fez um grande esforço para se
alhear de tudo o que o cercava, sobretudo do vento que o vinha
provocar a todas as horas do dia ou da noite, e começou a
concentrar-se mas, pela rigidez entorpecida do tronco tombado, logo compreendeu que não seria fácil. Por isso, redobrou a sua determinação, feita de teimosia, convicção e vontade de vencer e percebeu que a cada dia que passava conseguia chegar um tudo nada
mais longe.
Até
que, num luminoso dia de abril, sentiu estalar a casca de uma forma estranha e viu que uma escama larga e arredondada se formava lentamente... Logo se sentiu tomado por uma súbita e intensa alegria
que lhe percorreu o cerne e o sacudiu todo até lhe deixar as agulhas
a vibrar de excitação. Uma alegria como nunca havia sentido antes! Percebeu, nesse mesmo instante, que um dia
conseguiria mesmo libertar-se daquele túmulo onde o vento o estava
pouco a pouco a enterrar vivo, que poderia finalmente libertar-se
daquela permanente obrigação de estar alerta para poder resistir
e ripostar e ir ver um pouco do grande mundo que desconhecia. Ganhou
então confiança e forças acrescidas para continuar o lento
processo de transformação que iniciara há anos atrás.
Agora,
já com o tronco bem mais oblongo e quase todo coberto de grandes
escamas simétricas está cada vez mais próximo do seu objetivo único: ser, finalmente, LIVRE.
2 comentários:
texto muito bom
GOSTEI
:)
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