quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Duzentas Promessas Para um Mundo Melhor

As (im)prováveis visitas de Sócrates - 4*

Tens razão amiga Felícia, não tinha ainda pensado nisso, matamos dois coelhos de uma só cajadada: eu já fico a saber onde é que fica a cadeia e aproveito para ver as condições das celas e do edifício e tu sondas o gajo a ver se lhe escreves a biografia. Bora lá a Évora então!























* Ou como a realidade pode ser bastante melhorada...

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

E no intervalo das visitas a Sócrates...*

Desde que, devido ao incidente com o livro de António Arnault, ocorrido na semana passada (ler aqui), se ficou a saber que só podem enviar encomendas a José Sócrates pessoas que estejam registadas na cadeia de Évora (ler aqui)  tem sido assim... 


Se a isto acrescentarmos o volume de correspondência diária que o próprio Sócrates envia aos amigos não tarda vai ter que ser contratado um assessor só para lhe tratar do expediente.

* Ou como a realidade pode ser bastante melhorada...

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

As (im)prováveis visitas de Sócrates - 3*

Ai o 'bruxo' de Barcelos fez o serviço por encomenda de alguém muito próximo de Sócrates?! (ler aqui) Pfff, grande coisa! Pois eu cá vou a Évora mas é a pedido do próprio Sócrates, que é meu cliente há muitos anos, para lhe deitar as cartas a ver o que 2015 lhe reserva. É que aqui a Maya, percebe, não precisa de sujar as unhas com sangue de galinha, que estas aqui - ó, novinhas em folha, tá a ver? - nunca me deixam ficar mal...



* Ou como a realidade pode ser bastante melhorada...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

As (im)prováveis visitas de Sócrates - 1*

Ó Aníbal, querido, tu deixas-me ir amanhã a Évora visitar o Sócrates, não deixas? Vá lá, é Natal, diz que sim!...


* Ou como a realidade pode ser bastante melhorada...

As (im)prováveis visitas de Sócrates - Intróito*

Olhe, como tenho este repetido, estou a pensar oferecê-lo ao engenheiro Sócrates. O Natal acima de tudo, não é? Coitadinho! 


* Ou como a realidade pode ser bastante melhorada...

Das visitas de Sócrates

Já deu para perceber que é preciso ir visitar José Sócrates, ou melhor, o "recluso 44" ao estabelecimento prisional de Évora. Coube ao nonagenário patriarca - Mário Soares - a abertura das hostilidades e as velhas glórias não tardaram a rumar a Évora:  Capoulas Santos - já um habitual -, Manuel Alegre, Almeida Santos, António Guterres, António Campos, Fernando Gomes, Jorge Coelho ou Vieira da Silva. Mas as "estrelas em ascensão" como Renato Sampaio, André Figueiredo, Isabel Santos Barbas, Marcos Perestrello e Alexandre Rosa; ou que andam agora com o brilho um bocadinho baço - Paulo Campos - também já começaram a aparecer. 

E como é habitual nestas coisas que metem repórteres e televisões, logo se seguem os emplastros a ver se estão em dia de sorte - coisa que, entre nós, é um bocadinho como o natal, sempre que um homem quiser -, e lá levámos com o anónimo do "happy meal"  (ver aqui), o palhaço Enano dos balões (ver aqui) ou o Barbas do Benfica, cercados de jornalistas de microfone em punho a pedir declarações públicas para a posteridade. Uma autêntica festa!

Há também os (im)prováveis, grupo onde se destaca claramente o "cidadão" Pinto da Costa (ver aqui). Mas o sulidão sabe que há mais (im)prováveis a caminho para visitar Sócrates na cadeia de Évora. São tantos os candidatos que vão até dar origem a uma série: As (im)prováveis visitas de Sócrates, ou como a realidade pode ser bastante melhorada...

E o "cavalheiro de indústria" de 2014 é...

...claro está, Ricardo Salgado, pelos brutais sacrifícios que foi forçado a fazer para tentar salvar "la famiglia": entre muitos outros, ele foi, em 2012, a redução do seu próprio salário para a miséria de pouco mais de meio milhão de euros, ele foi, em 2011, a humilhação de ter de aceitar a mixuruca "liberalidade"  de 14 milhões de euros de um pato pato bravo chamado José Guilherme... enfim, um nunca mais acabar de problemas e dificuldades para agora chegar a isto... até preso fui, veja bem! - disse-nos o dono-disto-tudo em tom um tanto agastado. E acrescentou ainda: Tudo uma cambada de ingratos, de invejosos e de traidores!  Mas o que mais me custa é ver a minha própria família a lavar a roupa suja em público, mais parecem as lavadeiras de Caneças! Palavra de honra! (ler aqui) Para o que eu havia de estar guardado!
Ler notícia aqui
Em suma, Félix Krull não diria nem faria melhor. Que pena Thomas Mann já não estar entre os vivos para, quem sabe, dar continuidade às memórias do seu "Cavalheiro de Indústria". Nem precisaria de inspiração. Bastar-lhe-ia sentar-se diante do televisor e assistir à transmissão das sessões da comissão de inquérito parlamentar.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Gelo no Inferno

"...movimento parado, solidão sólida, palavras poucas e como árvores..."* - 1

Sob a copa das árvores, o Sol...
Elvas: 7/12/2014

*Excerto do texto "Lavoura" de Manuel António Pina, inserido na colectânea Escrito na Cal & outros lugares Poéticos - Armando Alves, o artista e o amigo, publicado em 2014 (Porto) pela Modo de Ler.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Efeitos colaterais

Estava eu a fazer zapping na net para saber das últimas sobre o recluso 44 quando me aparece, logo por baixo de uma foto toda estilosa do dito no 16ème arrondissement, este estranho anúncio:

Claro está que eu não acredito em coincidências, acredito é que elas, quando acontecem, não acontecem por acaso. Estranhando a ambição das promessas ("a ereção poderá durar até 3 horas", cruzes credo!) e sobretudo esta do "espreme dos homem toda a energia oculta" (confesso que a do "espremer" me pôs definitivamente em sobressalto...) e, claro, a repugnante imagem daquela espécie de intestino rebentado, lá segui o link e foi então que deparei com esta verdadeira obra-prima:
.
Ver aqui
E tudo isto pela módica quantia de:

Depois de ler tamanho amontoado de asneiras percebi de imediato porque ficaram os médicos assim tão "apovorados". É que um dos efeitos secundários da coisa é claramente a disortografia. E, aqui só para nós, aguentar um discurso destes durante três horas (?!) de ereção não dá, não dá mesmo! A não ser que o produto esteja direcionado para a indústria pornográfica... Aí a realidade é outra. 

Homens, vão por mim, parece-me que até a velhinha banha-da-cobra é capaz de funcionar melhor e é de certeza bem mais barata.

domingo, 30 de novembro de 2014

Reinventar o mito


Soube-se hoje que o "Bloco de Esquerda vai passar a ter seis coordenadores (??!!)  e que Catarina Martins será porta-voz do partido" (ler aqui). Parece-me claro que já não estamos a falar propriamente de um partido, mas antes de uma sociedade por quotas que escolheu uma relações públicas. Ou talvez se trate apenas da tentativa de reinventar o mito da Medusa...

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

De como o "recluso 44", afinal, é uma mais-valia para a economia local


Chegou há bem pouco tempo a Évora mas já é um sucesso! De um dia para o outro tornou-se urgente e necessário ir visitar Sócrates à prisão para poder ser filmado e entrevistado pelas televisões. Tornou-se imperioso tirar uma selfie junto ao portão para publicar nas redes sociais. Há quem já alugue a varanda para permitir uma espreitadela para os telhados do presídio (ler aqui). Está mais que visto: este recluso é uma autêntica mina de ouro, o que, em tempos de crise, não é de somenos. 

Até eu, que sempre tive um "fraquinho" por ele, comecei já a ter umas quantas ideias para complementar o ordenado, mais emagrecido a cada mês. Como o passeio junto ao estabelecimento prisional é largo e tem muitos lugares de estacionamento, uma roulote de bifanas e mines para aconchegar o estômago dos penitentes em romaria era capaz de dar bom lucro. E logo ao lado estou a pensar montar uma banca com merchandising alusivo ao tema e à figura. Até já estou mesmo a ver: 

1. canecas com frases do tipo keep calm and...


2. t-shirts com o conhecido símbolo 

3. pin's com o apelo


etc., etc, etc.

Tá visto! Ainda me torno uma empreendedora daquelas que a era sócrates tanto louvava!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Preve(ni)r o futuro


A catadupa de acontecimentos das últimas 72 horas veio fazer luz sobre o verdadeiro significado dos slogans da campanha de Sócrates nas eleições de 2011. Afinal, o homem andava mesmo a "construir o futuro", senão veja-se:

1. inaugurou em 2009 o chamado "campus de justiça" com instalações xpto, em tudo adequadas para casos mediáticos como o dele;

2. já tinha mandado requalificar em 2008 o Estabelecimento Prisional de Évora, passando-o para cadeia de alta segurança e de reclusão especial para elementos das forças de segurança e agora, pelos vistos, também do estado,

3. e last, but not least, andou todos estes anos a fazer um bom pé de meia na Suíça que isto do futuro, nunca se sabe, assim  revelando claramente ser um homem de grande prudência... (ora se esse rico dinheirinho não vai agora dar um jeitão para pagar os advogados...)

E que dizer sobre o povinho - sobretudo jovens - que já corre para tirar selfies à porta do estabelecimento prisional de Évora onde Sócrates se encontra detido (ler aqui)? Pois que nos espera um futuro promissor, certamente...

Imagem daqui

domingo, 23 de novembro de 2014

A vedeta de vaudeville e o copo de cicuta

As últimas semanas indiciam que a justiça ainda se mexe, apesar da morte anunciada por muitos. Mas, pela forma como o tem feito, mais parece que a sóbria e sensata figura de olhos vendados e balança equilibrada no braço firme, participou num qualquer episódio do Extreme Makeover de onde saiu transformada em vedeta de vaudeville, assim meio esgrouviada e um tanto galdéria, agitando máscaras suspensas de um bastão num número musical de gosto duvidoso, mas de grande efeito mediático. Permanentemente rodeada por um batalhão descontrolado de jornalistas, fotógrafos e câmaras de televisão que, pasme-se, sabem sempre antes – e se gabam disso – tudo o que está a ou vai acontecer nas mais secretas investigações policiais, circula a alta velocidade em carros de vidros fumados no que mais parece uma cena do Knight Rider...


Como se circo mediático fosse lei ou  - o que ainda é pior – justiça. Perante este cenário é legítimo perguntar: afinal, vivemos num estado de direito em que polícias e tribunais funcionam como deve ser? Ou em algum momento obscuro da nossa história - e que nos passou terrivelmente desapercebido -  nos teremos transformado numa república abananada onde a justiça se tornou linchamento mediático e desproporcionado de figuras quanto mais públicas e poderosas melhor para dar a ideia de que algo está mesmo a funcionar? Onde a investigação dos crimes parece ser conduzida e, claro, divulgada em primeira mão, pelos jornais e não pelas polícias competentes para o efeito. Com o ministério público a dar o dito por não dito ou a deixar dizer que depois logo se verá...

As últimas semanas foram férteis em grandes furos televisivos e jornalísticos, mas quantas condenações sairão dos julgamentos que se lhes seguirão, se houver julgamentos? E quantos anos demorarão esses mesmos julgamentos? E quantos recursos haverá pelo caminho até vários crimes terem, afinal, prescrito? E depois talvez ainda seja necessário repetir o próprio julgamento porque, naquele dia, alguém com responsabilidade não fez o que era suposto fazer...

Como anónima cidadã esta forma de fazer justiça em praça pública, com afirmações e acusações que se avolumam nos jornais, televisões e redes sociais de hora a hora até se transformarem numa gigantesca bola de neve que destrói tudo à sua passagem, deixa-me inquieta: e se um dia for eu a precisar da justiça ou que se faça justiça, como será? Não tendo acesso ou qualquer interesse para os media, estou mais segura do que estas figuras públicas no que à justiça diz respeito? Ou estarei ainda mais tramada porque, ao contrário destes famosos, nenhum canal de televisão me dará tempo de antena para poder declarar-me inocente ou para baralhar ainda mais as coisas?

É pois também por mim que espero que a este Sócrates – exemplo paradigmático do lado mais sombrio dos partidos políticos, sejam eles da cor que forem - não tenha sido dado agora um prematuro copo de cicuta (ler aqui).

sábado, 20 de setembro de 2014

Com tanto pedido de desculpas...

e o mais que está para vir, o melhor é arranjar já um formulário, mas em papel porque as coisas não andam boas para portais e plataformas online...




domingo, 14 de setembro de 2014

Efémera

Papagaio de fogo

Estremoz: 13/9/2014
papagaio nocturno
com promessas
de a noite incendiar

papagaio amarrado
às pedras de um chão
que não o deixa voar

papagaio com labaredas
a queimar por dentro
as lágrimas doídas
que nem sequer pode chorar

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Mortal Kombat - XI

No PS começou o Torneio Final. Os Antónios, ou melhor, Seguro e Costa como são conhecidos no jogo, já lutam no ringue com afinco. Afinal, só haverá um vencedor e só ele poderá ocupar o trono. É por isso o tudo ou nada para evitar ser banido para o Submundo.

E neste 1º round, o das federações distritais, os resultados deixam antever a dureza da refrega que virá a seguir: Seguro - 9; Costa - 10 (ler notícia aqui).

Mas o Mortal Kombat não se faz aqui só de campeões. São precisos também vastos exércitos para manter as forças do mal à distância. Torna-se imperioso reunir aliados e encontrar generais para os liderar na batalha final e ocupar os postos de vigia depois de a mesma ter terminado. E neste particular verifica-se já que Costa não só está em boa forma como luta com armas temíveis: a experiência política e a grande manha. Percebe-se, pois, que este não será um torneio fácil para o campeão em título, Seguro, mas pouco...
Presidentes de concelhias: 
Seguro - 128; Costa - 180
Presidentes de câmara:
Seguro -70; Costa - 80
(ler notícia aqui).

Certo é que, seja qual for o vencedor deste torneio, ainda não será desta que o reino fica a salvo. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

As cinquenta dores de corno de Valérie e os dentes podres de Hollande

De modo discreto, certamente para impedir alguma providência cautelar por parte do ex, Valérie Trierweiler largou nos escaparates um objeto - chamar-lhe livro é capaz de ser perigoso para a verdadeira literatura - que mais não é do que o refluxo gástrico de uma indigestão - aliás plenamente assumida, faça-se-lhe justiça por isso -, que coloca na sombra as "Cinquenta sombras de Grey" de E. L. James. 

No twitter não tardaram a surgir imagens com excertos daquilo a que na minha terra se costuma chamar uma boa "lavagem de roupa suja", num estilo de escrita conforme ao conteúdo, como convém.

Imagem retirada do Twitter

E, à catadupa dos aspectos mais sórdidos, segue-se agora a contra-sequência dos excertos elogiosos, como este retirado do L'Express, ou não houvesse bons assessores de imagem no palácio do Eliseu, nos quais a imagem de vingadora-rotweiller da senhora sai um bocadinho amachucada. Parece até que, das duas uma: ou, na sua juventude, a senhora leu demasiados romances de amor ao melhor estilo "Biblioteca das Moças", de que a França tem longa tradição, ou então anda a praticar umas coisinhas novas no "quarto vermelho da dor" para ver se reconquista o Hollande, que é capaz de já andar um bocado farto de croissants...



Ridículos e podres à parte, e mesmo a 20 euros, certo é que o livro vai vender-se como milho porque se há coisa que o povinho gosta é de espreitar alcovas pelo buraco da fechadura e aqui a porta está escancarada. Será um "best seller" pelas piores razões.

Parece-me que a traição Hollande - coisa, enfim, tão banal - se tornou afinal o grande erro da sua vida: perdeu uma companheira e cúmplice verdadeiramente à sua altura política, a qual, como se sabe, não é muita e a história dos "sans dents" (ler aqui) é disso um excelente exemplo. Agora, vai ter que dar mais voltas à cabeça para descobrir a chamada "saída airosa". Sim, que a França diz-se agora "chocada", mas todos sabemos como nestas coisas de políticos e de política a memória do povo é fraquinha, fraquinha...

De qualquer forma, Trierweiler fecha a silly season com chave de ouro. O pessoal tem entretenimento que chegue para uns tempos e os políticos, incluindo o Hollande e a sua pandilha, agradecem, reconhecidos, a folga.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Tesourinhos imprevistos - I

A TAP, num outro mês de agosto, com mais "ativos" e certamente com menos "exigências operacionais" ou, quem sabe, talvez com menos portugueses "a viver acima das suas possibilidades" (ler aqui). 

Anúncio publicado no jornal Público em agosto de1999

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Elucubrações sobre as primárias do PS

Em primeiro lugar há que destacar o discreto regresso do partido ao socialismo científico, não o de Marx,  claro está, que esse continua bem guardado na gaveta, mas a algo cientificamente ainda mais avançado... É que este partido extraordinaire conseguiu fazer aquilo que a empresa americana de criopreservação Alcor (ler aqui) anda afincadamente a tentar sem sucesso desde 1967: ressuscitar os mortos.

Imagem daqui

Imagem daqui

Mas há mais:. No PS, o futuro - entenda-se, as legislativas de finais de 2015 - é já agora. Senão vejamos: os outdoors espalhados pelo país anunciam a eleição do "candidato a primeiro-ministro", algo que, só por si, já constitui um salto temporal significativo. Mas, a julgar pelos segundos 0:07 a 0:09 do spot publicitário do António Costa apelando à inscrição e ao voto na sua candidatura, trata-se mesmo é de eleições legislativas antecipadas: "trata-se de escolher quem será o próximo primeiro-ministro", diz o candidato sem qualquer pudor, com as cores da bandeira nacional em fundo...certamente para tornar a ficção mais verosímil...






Por isso, das duas, uma: ou estamos perante uma campanha que oscila entre a venda agressiva e a publicidade enganosa, ao melhor estilo dos produtos milagrosos que prometem fazer perder 30 Kg em dois dias, ou então trata-se mesmo é da rodagem do episódio-piloto de uma nova temporada da conhecida série de ficção científica "Flashforward"  (ver trailer aqui)...

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Ouvi o texto muito ao longe

espelho de água

contemplei o espelho das águas
e descobri-me árvore


mirei com atenção o caule lenhoso e
quedo, os ramos torcidos...

percebi-me caducifólia
mas de sombra persistente


Lisboa: agosto de 2014

terça-feira, 5 de agosto de 2014

As mulheres da minha rua: casadas, donas-de-casa e mulheres-a-dias


Évora: julho 2014

Na rua onde a minha vida esteve confinada durante décadas também havia famílias tradicionais. Várias até. Quase em frente da dona Rosa viviam duas delas: no rés-do-chão, a do polícia e, no primeiro andar do mesmo prédio, a do negociante de palhas e fenos. Em tempos de dificuldades económicas generalizadas, estes casais estavam classificados na hierarquia socio-económica da rua como remediados, embora se situassem claramente abaixo da menina Graça e da sua tradicional família de proprietários de um número considerável de habitações e lojas, cujas rendas garantiam uma vida confortável e até, situação única na rua, uma criada que, desde muito jovem, trabalhava e vivia a tempo inteiro na casa, um grande prédio de fachada sóbria mas quase imponente, quando comparada com a simplicidade e até rusticidade das restantes casas da rua.

O sinal mais evidente deste relativo desafogo financeiro era o facto de as respectivas esposas serem ambas donas-de-casa, dedicadas em exclusivo às tarefas domésticas e à criação dos filhos. E há quatro décadas atrás, esta circunstância estava ainda na origem de uma outra hierarquia, mais subtil, mas nem por isso menos importante na rua. Estas mulheres formavam uma espécie de agremiação com regras muito próprias, convivendo quase só entre si, numa cumplicidade que se queria, contudo, pública e notória pois tinha como objectivo marcar a distinção relativamente às outras vizinhas: estas donas-de-casa sentiam-se superiores às que, devido à necessidade de aconchegar a economia doméstica, saíam todas as manhãs para trabalhar fora de casa, quase sempre como mulheres-a-dias. Para além de ser exclusivamente feminina, era também mais perversa, uma vez que se estendia à própria prole que brincava com as bonecas nos poiais das portas ou ao esconder pelas esquinas e ombreiras das ruas adjacentes, demarcando territórios exclusivos e intransponíveis. Certas vizinhas - como a dona Alice por exemplo, que fazia limpezas numa repartição pública, não integrando este restrito microcosmo -, eram contudo toleradas na sua órbita porque aceitavam funcionar como satélites de transmissão, levando e trazendo as mais recentes novidades e rendilhados detalhes sobre a vida alheia a qualquer hora do dia e sobretudo ao serão, nos umbrais das portas, quando as noites quentes propiciavam longas e ciciadas conversas, naquilo que mais não era do que a forma expedita de as donas-de-casa evitarem expor-se demasiado no seu afã de obter as informações que lhes permitiam depois emitir juízos de valor infalíveis e definitivos sobre todos os habitantes das redondezas.

Para com todas as que, por falta de disponibilidade ou de paciência, ou até por feitio, não se deixavam enredar nesta teia de pequenos poderes, a atitude da dona Dulce e da dona Esperança, como se chamavam, era substancialmente distinta, sendo notório o ligeiro ar de desdém com que observavam as vizinhas que logo de manhã bem cedo desciam a rua, apressadas, a caminho do trabalho, cumprimentando-as com um certa condescendência e vincando, com aquela presença ociosa à janela, o estatuto social que acreditavam ser não apenas diferenciado, mas sobretudo superior: afinal, elas eram as únicas esposas da rua que não precisavam trabalhar fora de casa.

Também as filhas de ambas, de idades muito próximas e, ao tempo, ainda miúdas de escola primária, já levavam muito a sério esta condição de meninas-mais-bem-que-as-outras-meninas-da-mesma-idade que então viviam na rua e cuja convivência devia ser evitada o mais possível por serem mais pobres do que elas. Por isso, brincavam juntas nas respectivas casas ou à tardinha no poial da porta, sempre sob a vigilância atenta de uma das mães, não fosse alguma das outras crianças, que durante as férias de verão corriam livremente e aos berros rua acima e rua abaixo durante todo o dia, intrometer-se ou mesmo molestá-las, quem sabe?. Nunca, em todos aqueles anos de infância e pré-adolescência, as vi correr uma única vez pela rua fora, certamente para não desobedecerem às zelosas mães que consideravam tão radical actividade coisa muito pouco própria de meninas-de-bem. Na verdade, o máximo que lhes estava permitido era caminhar sempre ao lado das mães, com passinhos curtos, muito compostas e compenetradas nos seus vestidinhos rodados feitos pela modista, mais parecendo adultas em miniatura.

Neste território social tão bem demarcado o domingo constituía, sem dúvida, o ponto alto da semana pois a missa do meio-dia em Santo Antão, antecedida da catequese que ambas as raparigas  frequentavam, significava quase sempre estrear um novo vestido. E durante a manhã era vê-las, a subir e a descer a rua, coisa que durante a semana não faziam justamente para se distinguirem das restantes crianças, sem que houvesse qualquer motivo aparente que justificasse tão inusitada azáfama, muitas vezes sob o olhar enternecido das mães que, das janelas, observavam a impecável compostura da sua descendência. Embora a passadeira vermelha não passasse aqui de tosca calçada de granito, tratava-se na verdade de um desfile que procurava cumprir dois objectivos: para as mães, era uma forma de mostrar a toda a vizinhança que tinham a folga financeira suficiente que lhes permitia, para além de manter as esposas em casa, mandar fazer vestidos para as filhas a um ritmo quase semanal – algo que nenhuma das outras famílias podia proporcionar às suas crianças senão uma ou duas vezes por ano, se as coisas corressem bem  – para as filhas, significava fazer pirraças disfarçadas à miudagem da zona, que as gozava impiedosamente por serem tão empertigadas, ou, como então dizíamos, porque tinham a mania.

Só bem mais tarde, quando as correrias loucas nas férias de verão se foram tornando menos frequentes e começámos a apreciar com olhos adolescentes as roupas que vestíamos é que este rito dominical nos permitiu perceber até que ponto não éramos, de facto, todos iguais naquela rua. E foi então que, certamente apercebendo-se dessa nossa insidiosa consciência, as duas raparigas passaram a exibir-se ainda mais orgulhosas a cada semana que passava como se estivessem cientes de que, apesar da chacota de que tinham sido alvo, afinal, sempre tinham sido elas o centro daquele pequeno mundo. Uma delas, a Julinha, como lhe chamavam, ganhou mesmo o hábito de caminhar tão empertigada pela rua como se tivesse todas as vértebras coladas, de cabeça muito levantada e ligeiramente inclinada para um lado, olhando sempre em frente e para cima, como se à sua volta nada importasse ou sequer existisse.

Ora, andar assim numa cidade de ruas sinuosas, com calçadas irregulares rematadas por lancis mal acabados é, no mínimo, imprudente.Algo que ficou, aliás, sobejamente demonstrado no dia em que a menina Júlia, então já com uns dezassete anos, tal como eu, ao seguir para a missa dominical - talvez envergando mais um novíssimo vestido rodado – se estatelou com espalhafato, mas certamente em grande estilo, debaixo das arcadas e foi necessário chamar uma ambulância que a levasse ao hospital onde descobriu que tinha partido o tornozelo. Lembro-me ainda da onda de ohs e de ahs espantados que atravessou a rua de ponta a ponta pelo infortúnio da menina Júlia. Logo a uma menina tão ajuízadinha e bem comportada! se fosse uma dessas rufias que anda na rua o dia inteiro, ainda se percebia, agora a Julinha, coitadinha, não merecia!... Só que o Fado, como é sabido, foi sempre uma divindade caprichosa... 

Ainda hoje recordo, com o mesmo irreprimível sorriso de então, a forma como a  pesada e desengraçada bota de gesso estragava irremediavelmente a estreia de qualquer vestido, por melhor que fosse a modista, e como o saltitante catwalk em duas canadianas refreou um pouco as peneiras amaneiradas da menina Júlia e me deixou cá a pensar que em algum estranho e remoto lugar do universo, afinal, havia uma coisa chamada “justiça poética”. Cruel, sem dúvida, mas eficaz. Algo fundamental quando na adolescência se tem de encarar o futuro com borbulhas no rosto*...

* Verso da canção “Não há estrelas no céu”, do álbum Mingos & Os Samurais de Rui Veloso, lançado em 1990.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Critérios de (in)justiça

Uma conhecida alegoria apresenta a Justiça como uma mulher cega segurando uma balança. Embora seja totalmente contra a discriminação de pessoas com deficiência, parece-me que, no caso particular da justiça e tendo em conta o que vai por este país fora, talvez fosse melhor dar o emprego a outra pessoa.

Talvez assim se evitassem alguns ridículos constrangimentos, para além das perdas de tempo e de dinheiro dos nossos impostos... Felizmente que, no tribunal de Faro, alguém parecia ter os olhos um pouco mais abertos... (ler notícia aqui)



segunda-feira, 16 de junho de 2014

Metáforas (quase) naturais - XVIII

Évora: junho de 2014



















metafísica

talvez
amar o infinito 
seja a única forma
de conseguir acreditar
que o caminho não tem fim

ainda que o fim do caminho 
esteja à vista

domingo, 15 de junho de 2014

As mulheres da minha rua: viúvas, solteiras e malcasadas

Évora: junho de 2014
Ao primeiro olhar, a rua estreita e quase sinuosa parece continuar igual ao que sempre foi: pacata, pitoresca, uma das muitas que constituem o labirinto histórico da cidade, por onde os visitantes vagueiam olhando para os lados e para cima, a encher a memória das câmaras digitais de cores, ângulos e imagens. Ou, pelo menos, é essa a ideia vendida pelos folhetos turísticos que todos eles levam na mão. Mas eu, que a conheço por dentro quase desde que nasci, nem preciso olhar uma segunda vez para saber que a velha rua está hoje tão desbotada pela passagem do tempo como uma daquelas fotografias de infância que guardo no canto mais sombrio da velha cómoda. As casas, apertadas umas contra as outras, como que a encolherem-se para caberem no espaço estreito, estão na sua maior parte vazias, abandonadas à sua sorte. As paredes espessas, de onde o vento e a chuva desprendem caliça, estão repassadas de humidade e sobre algumas vai alastrando uma película de caruncho que deixa no ar um leve odor a bafio e a decomposição. E há sobretudo um grande silêncio que amplifica os sons da cidade, sobretudo os mais banais, fazendo-os ecoar demasiado estridentes. Do bulício doméstico que preenchia os dias da gente que aqui fez a sua vida e há muito deixou este plano da existência já só restam memórias dispersas, alguns nomes e pequenos fragmentos de estórias nem sequer muito originais.

Lembro-me bem da dona Alice, viúva desde os quarenta e picos, com uma única filha então já adulta e com família constituída, que inventou para si própria o título de “mulher mais asseada da rua” e fez da pública e inequívoca demonstração desse seu convencimento a grande razão de existir. Durante muitos anos evitou até usar a canalização da própria casa para os despejos que, certamente, aí acumulariam uma sujidade difícil de eliminar. Por isso, ao longo do dia, juntava num balde as águas sujas da casa e, ao início da noite, quando toda a gente estava recolhida para jantar, ia despejá-lo perto da sarjeta situada a menos de vinte metros, evitando fazer barulho. Depois voltava quase rente às paredes e fechava a porta muito devagar para não chamar a atenção dos vizinhos. Apesar de todos estes cuidados a verdade é que, com o passar dos anos, o peculiar hábito que ela tanto queria secreto acabou por se tornar conhecido, motivando de imediato ásperas críticas por parte das vizinhas que, a qualquer hora do dia, mantinham em surdina frequentes e longas conversas entreportas, e diz ela que é asseada, faria se não fosse, atirava uma, enquanto a outra logo acrescentava em voz baixa, depois de olhar de través na direção da janela da dona Alice não fosse ela aparecer de repente e perceber que era o tema da conversa, ela nem faz comida para não sujar a cozinha, anda a pão e queijo dias seguidos para não perder tempo e poder limpar a casa de cima a baixo, coitada, aquilo é doença com certeza..., cuidado que ela está à porta e percebe..., bom dia dona Alice, como está hoje a senhora... ah, estava mesmo agora a comentar com a  vizinha Joana que não há porta tão limpa como a sua aqui nas redondezas, até dá gosto ver...

Claro que as coisas azedaram no dia em que a dona Alice, certamente para evitar que o intenso e característico odor de coentros, alho e azeite interferisse com o perfume de lixívia impregnado nas paredes, resolveu despejar os restos de caldo de uma açorda junto à porta da vizinha da frente logo depois do almoço, e não ao serão, junto à sarjeta, como lhe era habitual. Apanhada em flagrante, o mínimo que se pode dizer é que viu logo ali a sua reputação de fada da vassoura de piaçaba a andar às arrecuas, enxovalhada que foi pelos impropérios que a outra não se coibiu de lhe atirar à cara em alto e bom som e os quais ela, silenciada não pelo peso na consciência, mas pela humilhação de ter sido descoberta - e logo por aquela pelintra que só lava o degrau da porta de mês a mês, ou nem isso -, nem tentou refutar, fechando-se de imediato em casa para não voltar a ser vista durante o resto do dia e evitando vir à rua nos seguintes não fosse ter algum mau encontro e sujeitar-se a novo vexame. Contudo, nem esse incidente lhe moderou o ímpeto higiénico e, fizesse sol ou um frio de rachar, a dona Alice lá continuou a lavar meticulosamente o degrau de mármore da porta duas vezes por dia numa espécie de ritual que, dependendo do número de transeuntes e grau de interesse dos mexericos mais recentes, se podia estender por várias horas ou ocupar mesmo toda uma tarde até quase ao anoitecer. As próprias pedras da calçada junto ao rés-do-chão onde vivia, situado quase a meio da rua, no lado dos números ímpares, eram vigorosamente esfregadas uma a uma com uma vassoura rija, cujo cabo de madeira mandava cortar de propósito para ter que se dobrar como se andasse na monda. Décadas deste árduo labor acabaram por lhe curvar as costas a ponto de, por fim, não conseguir sequer endireitar-se, mas a larga cópia de informações sobre a vida de todas as almas da vizinhança e arredores que assim conseguiu acumular e divulgar pareceu sempre compensar-lhe largamente o desaire.

No primeiro andar da casa da dona Alice vivia a menina Graça, que era também sua senhoria. À beira já dos quarenta, era a única mulher numa ninhada de sete irmãos e até então apenas se lhe conhecera uma única paixão na vida: o vizinho solteiro que vivia com a mãe no extremo da linha de casas, mas no lado dos números pares. Funcionário de uma companhia de seguros, sempre impecável no seu fato e gravata, educado e muito discreto, cumpria horários tão regulares que todos na rua sabiam a que horas a menina Graça interromperia por instantes os seus muitos afazeres domésticos para se debruçar numa das sacadas e testemunhar a chegada do cobiçado solteiro para almoçar. Na vizinhança, este interesse era conhecido e até comentado, mas nunca se chegou a saber se o pretendido também sabia disso e fazia questão de ignorar a quase ostensiva presença feminina que assim o espiava às claras, ou se ele nunca sequer reparou ou se interrogou sobre o motivo por que ela estava ali, sempre omnipresente na hora exacta em que ele regressava a casa. Embora a menina Graça até fosse aquilo a que então se chamava um bom partido, pois era herdeira de uma família abastada, certo é que nunca o pretendido mostrou qualquer sinal de reconhecimento, menos ainda de interesse por ela. Mas nem por isso o impulso amoroso da menina Graça esmoreceu. Apenas, com o decurso dos anos, se foi tornando uma espécie de hábito adquirido que ela mantinha de forma instintiva enquanto, ao mesmo tempo, respondia às interpelações da criada que a ajudava nas tarefas domésticas, virando apenas ligeiramente o rosto para dizer vou já, vou já, sem nunca desviar o olhar vigilante do fundo da rua.

Na rua morava também a dona Rosa, que andava já na casa dos cinquenta anos, mas cujo rosto revelava ainda traços evidentes de uma beleza que, em seu tempo, devia ter dado a volta à cabeça de muito rapaz. Sempre com o cabelo pintado e muito bem arranjado, de saia travada pelo joelho, morava sozinha numa espécie de parcela de casa, constituída apenas por uma estreita divisão em cada um dos dois pisos, contígua às casas da dona Alice e da menina Graça, de quem, aliás, também era inquilina. Situada mesmo a meio da rua, tinha ainda a particularidade de possuir um poial de granito com pelo menos meio metro de altura a que era literalmente necessário trepar para poder alcançar o puxador de uma dupla meia porta, única forma de conseguir arejar o acanhado interior, permitindo ao mesmo tempo a entrada de luz. Ninguém lhe conhecia profissão e o seu estado civil era obscuro mas, na rua, constava que estava separada do marido há muitos anos. Certo é que, numa época em que todas as vizinhas ainda davam uso à roupa branca dos enxovais pacientemente acumulados na mocidade, com ou sem entremeios de renda e bordados mais ou menos elaborados, dependendo das possibilidades financeiras e habilidade de mãos de cada uma para a costura, a exuberante paleta de cores e padrões dos lençóis de compra que a dona Rosa secava no estendal deixava a vizinhança em alvoroço, pois era vista como um sinal de descarada modernice e óbvio desafogo financeiro. Sempre estendidos bem abertos e ao comprido, como se quisesse que todas as vizinhas os pudessem apreciar e comentar, faziam-me lembrar coloridos penachos de aves ondulando em ostensiva parada nupcial. Mas esse esparramar de cores e padrões devia-se às nocturnas e regulares visitas de certo senhor de meia-idade. Aliás, o número de vezes que o estendal se enchia de lençóis permitia às vizinhas manter uma contabilidade actualizada dessas visitas e algumas afirmavam mesmo que todas as semanas ela estreava roupa de cama, coisa que, à época, raiava o quase-escandaloso. Já do seu visitante nocturno apenas sabiam que era negociante de gado, casado e pai de filhos, o que fazia da dona Rosa a sua amante oficial, com casa posta e total dependência da sua generosidade e disponibilidade financeira. Uns anos mais tarde, com a morte abrupta do amante, o estendal da dona Rosa perdeu muita da sua exuberância, da mesma forma que ela perdeu o desafogo financeiro. O que lhe vale é ter sabido aproveitar o bom tempo, dizia-se na rua à boca pequena e foi certamente esse pé-de-meia que lhe permitiu subsistir com um mínimo de dignidade ainda durante algum tempo até ser forçada a mudar-se de vez para casa de uma irmã.


Destas três mulheres, já só uma está viva, a dona Alice, internada num lar há vários anos. Nunca mais voltou à casa que lavou e limpou obsessivamente durante décadas. E, a julgar pela sujidade acumulada nos cantos do degrau da porta, é melhor assim. Novos inquilinos e proprietários tomaram conta das casas onde estas três mulheres viveram, mas o certo é que a rua me parece mais vazia a cada ano que passa. E, se há trinta anos atrás todas elas me irritavam profundamente por não conseguir entrar ou sair de casa, a qualquer hora do dia ou da noite, sem que pelo menos uma delas desse conta e viesse logo à janela ou à porta passar-me uma minuciosa revista ocular que me deixava sempre a desconfortável sensação de ter sido apanhada em flagrante sem ter feito nada de errado, hoje, entendo-as melhor e olho para as suas vidas de outra forma, talvez até com uma certa nostalgia, de tal forma que, quando às vezes subo a rua e já ninguém aparece a espreitar-me como antes, sinto até a sua falta. Pior que isso, com o desaparecimento destas personagens e das suas idiossincrasias, a verdade é que a rua perdeu a sua verdadeira alma e tornou-se igual a tantas outras da cidade: vazia, decadente, a manter uma pose forçada para os turistas ocasionais que lhe tiram retratos enquanto fazem dela rota de passagem para destinos mais apelativos. À espera do fim.