sábado, 9 de julho de 2011

O tema de todas as conversas

Primeiro, todos pagam às agências de rating para que, sem constrangimentos, elas digam o que realmente pensam. Depois, quando as ditas agências fazem isso mesmo, fica tudo alvoroçado.

De repente, a Moody's e as outras agências tornaram-se o grande tema de conversa e o bode expiatório perfeito para as nossas aflições. Da direita à esquerda, de cima a baixo, cá dentro e lá fora, notáveis e anónimos todos ficaram in the mood para desfazer na tal Moody's, a má da fita. A tal ponto que todos consideram viável e até mesmo necessário limitar a liberdade de expressão destas entidades, ditas independentes. Mais curioso é que só ouço falar da grarantia de implementação das medidas acordadas com a troika, e até de mais umas quantas por via das dúvidas. E, ou eu não muito percebi bem, ou estou a ouvir mais mal, mas a Moody's falou foi com base nas fracas perspectivas de crescimento económico do país. O que é coisa bem distinta. E sobre isso ainda não ouvi ninguém dizer que a agência de rating está enganada. Antes pelo contrário.

Tamanha consonância e estridente vozearia, porém, fazem-me lembrar o fantástico quadro "Discutindo a Divina Comédia com Dante" (que retoma e actualiza a "conversation piece" do XVIII, cuja obra de referência é a Tribuna of the Uffizi (1772-1778) de Johann Zoffany) onde quase tudo o que parece é e, ao mesmo tempo, não é bem como parece. 

Dai Dudu, Li Tiezi e Zhang An, Discutindo a Divina Comédia com Dante, óleo sobre tela, 2006,
Já todos percebemos que, tanto neste quadro, como no episódio da Moodys, há umas quantas coisas que, embora aparentemente simples e evidentes, escapam ao nosso entendimento e controlo. No caso do quadro são um conjunto de objectos, de poses e de atitudes que, por jogarem de forma subtil com outras obras de arte famosas e com outros sentidos, escapam ao nosso entendimento imediato. Já no caso da Moody's as afirmações proferidas, para além de escaparem ao nosso controlo, não deixam de nos alertar para o facto de estarmos ainda e só a ver a ponta do iceberg. E isso é tão difícil de aceitar que desatou tudo a falar ao mesmo tempo, a repetir as mesmas estafadas palavras - "inqualificável", "escandaloso", "acção terrorista" - e a não fazer lá grande coisa para evitar o que a agência anunciou. Muita conversa fiada ou, dito de forma diferente, Much Ado About Nothing na dantesca comédia humana dos mercados financeiros internacionais.

Nota: Alguém se deu ao trabalho de transformar o quadro num mapa de imagens em que cada uma das suas 103 figuras, quase bizarras de tão ingeniosas, contém um WikiLink que dá acesso a toda a informação. (Ver aqui)

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