sábado, 18 de dezembro de 2010

A (dis)função social da literatura

Tempos houve em que a Arte, nas suas múltiplas formas, incluindo a Literatura, procurava sobretudo o Belo, a que muitos contrapunham a afirmação de uma inequívoca vocação social de denúncia, de alerta e até de moralização da sociedade. Tempos houve em que a Arte era vista como uma forma de elevação e de iluminação, se não mesmo de salvação. Não é assim nos dias que vivemos. A literatura tornou-se uma espécie de vazadouro do lixo e da podridão humana que o público consome, indiferente ou conformado. Submetida às regras do «não literário» e da massificação agressiva, abunda por aí uma certa literatura bem escrita, de linguagem escorreita e sem defeitos, mas tão simplória e superficial que se torna infantil e, sobretudo, infantilizadora. A tal ponto que qualquer figura mediática, no auge dos seus quinze minutos de fama, publica livros atrás de livros, com assinalável sucesso de vendas. Em termos literários, não há neles nada de novo, não são mais do que droga que alimenta o vício intelectual da coscuvilhice deprimente e coitadinha. Podem ser literatura, mas nada têm que ver com Arte, pois esta caracteriza-se, justamente, por trazer algo de novo para a sociedade.

Só que hoje, cada vez mais o verdadeiramente «novo» vem de uma literatura que explode em violência, em dor, em ficções brutais, apocalípticas e escatológicas que estilhaçam a esperança e consolidam o mais profundo cepticismo e descrédito do homem em relação a si mesmo e aos outros. São obras de arte desmedidas e poderosas, mas também inquietantes, que não deixam muita margem para a esperança. É quase como se a Literatura nos quisesse arrastar para o abismo ou nos desafiasse a chegar mais perto, sempre mais perto, do precipício cruel da desumanidade, em vez de nos indicar o luminoso caminho da Beleza, da Verdade ou até do próprio Bem que nos incita a ser melhores e a querer ficar mais próximos da perfeição. Parece até que, numa sociedade cada vez mais disfuncional, a própria Literatura cumpre agora uma (dis)função social: a de nos confrontar com a nossa falência enquanto sociedade. O que virá a erguer-se destas cinzas «literárias» ainda é, por enquanto, uma incógnita a que se costuma por vezes chamar ficção científica:

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