segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Uma lâmpada acesa na noite

A estrada parece abrir-se à passagem do carro, como passadeira que se desdobrasse pela luz dos faróis à medida que avanço pela noite escura. Sigo ladeada pelos choupos de troncos esbranquiçados e despidos que lembram ossos. Parecem esqueletos verticais que correm em sentido contrário, como se estivessem a fugir do sítio para onde, justamente, me dirijo. Por instantes penso que vou na direcção errada e que talvez devesse inverter a marcha e seguir os choupos que correm junto à estrada, pois deve haver uma boa razão para que corram assim, espavoridos, estrada fora. Mas continuo sempre e, ao sair de uma curva, vejo à esquerda, no meio do campo enegrecido, uma pequena luz que, sozinha, luta contra a escuridão. De repente parece quase inverosímil que uma simples lâmpada consiga afirmar a sua presença numa noite tão escura e num sítio tão isolado como este. Parece até que a qualquer momento vai desaparecer, engolida pelo pesado negrume que a rodeia.

...numa noite assim têm que ser muito fortes as razões que acendem na escuridão uma luz como aquela: talvez ela confirme a alguém que está no caminho certo e que deve logo ali tomar o atalho que mal aparece à esquerda, quase escondido pelas silvas e assinalado apenas por uma caixa de correio já muito ferrugenta; talvez marque o ponto de chegada para alguém que ali é esperado, mas ainda não veio; ou talvez esse alguém já tenha até chegado mas, na alegria do reencontro, se tenha esquecido de apagar a lâmpada agora tornada supérflua; talvez seja apenas um hábito antigo que ainda não se perdeu, embora já ninguém ali espere ou seja esperado; talvez, de forma inconsciente, a pequena lâmpada ainda homenageie com a sua luz a presença ancestral dos lares e penates que protegiam a casa; ou talvez não seja mais do que uma simples lâmpada acesa apenas porque sim... não sei...

Certo é que, para mim, mais do que sinalizar a existência de vida humana num sítio ermo, aquela pequena lâmpada acesa no imenso escuro da noite simbolizou, naqueles breves instantes, a fragilidade efémera da própria vida humana.

1 comentário:

platero disse...

excelente exercício literário sobre uma realidade estritamente prosaica

vale um beijo