segunda-feira, 20 de junho de 2011

Frases que assentam como luvas

Num excelente artigo sobre o sempre actual tema do "pedantismo" intelectual (in Ípsilon, 17/6/2001)  Rogério Casanova enuncia logo no início do texto que "a abundância pode gerar complacência" afirmação aforística que assenta como uma luva à situação quase abúlica em que estamos mergulhados. E é de uma sensação de estranheza que falo, ainda mais quando vejo as imagens das manifestações que se tornaram já violentas na Grécia e aqui mesmo ao lado, em Espanha.

E a explicação para esta apatia social e cívica, mascarada de uma calma pelo menos aparente - a que os políticos agora em estado de graça preferem chamar expectativa, ou até mesmo esperança(!) -, só pode estar na supracitada máxima de Rogério Casanova. O país ainda não bateu no fundo. Pelo menos não como a Grécia ou como a Espanha. Esta, porque está a braços com astronómicas taxas de desemprego e começa a revelar alguma falta de assertividade na forma como está a lidar com movimentos de contestação que, por nada terem a perder, estão dispostos a tudo. A Grécia porque, claramente, está virada do avesso e já ninguém se entende, incluindo o próprio governo.

Nós, pelos vistos, e apesar das dificuldades crescentes, ainda vamos beneficiando de alguma folga: os cabazes do Banco Alimentar, as refeições gratuitas nas cozinhas sociais, os mega-piqueniques patrocinados pelas mega-distribuidoras e os mega-churrascos do tipo "faz-te à febra", patrocinados pelos criadores de porcos, o futebol e as touradas, as praias algarvias a preços de saldo, etc, etc, etc. No fundo, tudo uma mega e epidémica versão do panis et circenses romanos (ou não fôssemos nós seus directos descendentes).

Mas a taxa de desemprego não pára de subir e as previsões apontam mesmo para um claro agravamento no próximo ano, concomitantemente à recessão económica. E isto só pode significar uma coisa: a tal "complacência" de que ainda vamos dando provas por cá, deve ter mesmo os dias contados. Até porque a "abundância" que conhecemos sobretudo nestas últimas duas décadas está cada vez mais em risco de morte súbita.

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