domingo, 6 de março de 2011

O luso carnaval

De todas as importações culturais que temos feito ao longo dos tempos, algumas tão fundamentais que ainda hoje ajudam a explicar quem somos, o que fizémos e porquê, há uma que se assemelha muito à introdução das espécies alienígenas nos ecossistemas, quase sempre por uma boa razão e com a melhor das intenções, mas que acabam por se tornar uma autêntica praga e obrigam depois a grande dispêndio de recursos humanos e financeiros para conter os estragos: é o carnaval brasileiro, com o seu cortejo de samba e de sambistas. Qual lagostim de água doce, invadiu as terras lusas de norte a sul para, cobertura televisiva oblige, nos entrar pelos olhos e ouvidos dentro e nos arranhar e torturar o espírito com as suas pinças esganiçadas.

E é ver os tractores agrícolas conduzidos por motoristas barrigudos de camisa aos quadrados e boina na cabeça a rebocar em marcha lenta carros alegóricos onde as meninas de formas mais avantajadas e sinuosas agitam o corpo e os penachos de várias cores do toucado fazendo de conta que estão no sambódromo. No chão desfilam grupos mais ou menos (des)organizados de mulheres que, em biquíni, agitam a celulite ao ritmo das ancas, o que até ajuda a disfarçar o tremor causado pelo vento gélido. O frio e a chuva característicos desta época do ano fazem sobressair o branco leitoso da pele, enquanto o bamboleio sacudido das coxas vai semeando pelo chão as peças mal cosidas do fato: aqui uma pena, além uma fita, ali uma fivela... A coreografia segue de perto o que se faz nos desfiles do Rio de Janeiro, mas sem a convicção. A música, claro, é brasileira e, muitas vezes, é cantada por brasileiros. Como não podia deixar de ser, para tornar a coisa ainda mais autêntica (se tal for possível!) importam-se também o rei e a rainha de uma qualquer novela que esteja a passar na televisão portuguesa. Os raros homens que se atrevem a participar neste tipo de desfiles são, no carnaval como na vida real, assim um tanto para o fraquinho e lá vão abanando o corpo rígido a fazer de conta que dançam.

Tudo isto dá um espectáculo verdadeiramente triste, para não dizer miserável e miserabilista. Não é sequer uma imitação, porque é demasiado ridículo. Não é sequer uma aproximação possível porque é demasiado lamentável. É sobretudo uma bacoquice espúria.

As pouquíssimas localidades que resistiram a esta aculturação sem sentido – como Torres Vedras ou Podence por exemplo – demonstram à saciedade que temos formas próprias de comemorar o Carnaval, através da sátira e da transgressão, que se conseguem impor sem necessitar destas importações duvidosas.

No entanto, a forma acrítica como o zé povinho corre aí por essas estradas, ano após ano, para assistir e aplaudir estas barbaridades inventadas em nome do turismo de massas na sua pior forma - a da dinamização comercial das localidades - e para as quais as autarquias contribuem com chorudas verbas do seu orçamento, em detrimento de outras manifestações culturais, não cessa de me espantar e estarrecer.

Não admira, pois, que os brasileiros gozem com a nossa insistência nesta lusa e aberrante contrafacção do seu famoso carnaval: a mais hilariante anedota do carnaval brasileiro é, afinal, bem portuguesa...

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