terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Às vezes somos um país mesmo “porreiro, pá!”


Nesta fase do ano os telejornais regurgitam reportagens sobre os almoços natalícios oferecidos aos sem-abrigo dos grandes centros urbanos de norte a sul do país. Mostram-se os pratos bem cheios como se eles pudessem fazer esquecer, neste único dia, os restantes 364 de provação e privação, ou talvez a intenção seja mesmo anestesiar (nos sem-abrigo e nos espectadores) a consciência de que, mais do que comida no prato, o que falta mesmo é a esperança de, no próximo ano, já não precisarem destas iniciativas para poderem comer uma refeição melhorada. E parece-me bem que, sem essa esperança, toda a comida que enche os pratos nestas almoçaradas solidárias deve ter um travo bem amargo. Aliás, basta ver a expressão no rosto dos comensais e a forma como a maior parte deles tenta evitar a todo o custo as câmaras de televisão que insistem em mostrar-lhes a cara. Afinal, para os que pouco ou nada têm, nem no Natal há almoços grátis. 

Depois, claro, há essa grande obra de caridade da Sra. Jonet que periodicamente nos vem pedir alimentos para depois redistribuir pelos que mais precisam. E, apesar das ideias um pouco confusas da senhora sobre o nível de vida da grande maioria dos portugueses, a verdade é que temos sorte em ter por cá uma instituição como o Banco Alimentar que vai matando por aí a fome a muita gente neste país.

Só é pena que todo este espírito caritativo não chegue para dar o almoço às crianças cujos pais deixaram de poder pagar o valor das refeições escolares (ver aqui). Pena maior por isso estar a acontecer justamente nas escolas públicas que, por serem (pelo menos no papel) o lugar da “inclusão” e da “formação integral dos futuros cidadãos” deviam ser, justamente, as primeiras a identificar e responder a estas situações. Pena, sobretudo, por isso estar a acontecer com as poucas crianças de um país tão velho que a pirâmide demográfica até já está invertida. E tanto se me dá que essas crianças sejam portuguesas ou filhas de imigrantes. Elas são é seres humanos a quem foi intencionalmente recusado um prato de comida num refeitório escolar. Pode parecer coisa pequena no panorama mais vasto do drama social que estamos a viver, mas na verdade não é bem assim. Se calhar são gestos destes que fazem os maiores estragos, pois são os que revelam o verdadeiro carácter de uma sociedade. E não há dúvida: às vezes somos um país mesmo “porreiro, pá!”.

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