segunda-feira, 16 de abril de 2012

Este é o bom governo de Portugal

(Quem diria que foi escrito em 1713?)

Um Reino de tal valor
e de povo tão honrado
é justo seja louvado
desde o vassalo ao Snr.
ainda que fraco orador
a verdade hei de dizer,
e cada qual recolher
pode aquilo que lhe toca
ainda que digna o provoca
uma imitação Real
Este é o bom governo de Portugal.

Um rei menino inocente
sem compaixão nem piedade
inimigo da verdade
com adulação contente
em uma sombra aparente
tanto se enleva este Rei
faltando do Reino a lei
seguindo somente os vícios
e com torpes exercícios
o chegou a extremo tal
Este é o bom governo de Portugal.

Para os povos bem reger
Deus o pôs neste lugar
não para o desgovernar,
nem para o Reino perder;
mas creio lhe fazem crer
que é já virtude o pecar
e o que deve, não pagar
ter ambição, e avareza
perseguindo a pobreza
com tributo desigual
Este é o bom governo de Portugal.

Pois um infante inumano
insolente matador
que sem ter de Deus temor
vive bruto, e corre insano
é o mais cruel tirano
que neste Reino se há visto
e que conhecendo isto
o tolinho do irmão
lhe não dê uma prisão
para evitar tanto mal
Este é o bom governo de Portugal.

Um neto de um carreiro
hoje Príncipe da Igreja
que alcança quanto deseja
adulando lisonjeiro
sanguessuga do dinheiro
que se rouba da pobreza
e que cheguem a tal grandeza
quem ontem morrendo a fome
sem ser visto nem ter nome
hoje está já Cardeal
Este é o bom governo de Portugal.

Que haja um Conselho de Estado
para mil resoluções
e que em todas as ocasiões
é sempre desacertado
o parecer sempre errado
foi de seus desacertos
obrar com desconcertos
e só para os bons intentos
lhe segua os entendimentos
o grão Demônio Infernal
Este é o bom governo de Portugal.

Também o seu Secretário
Dioguinho de Mendonça
que anda por geringonça
no espácio imaginário
sempre aberto o candelário
tem de mentiras, e enganos
e que com caras de Janos
vieram assolando o mundo
eu juro que me confundo
vendo o que um magano val
Este é o bom governo de Portugal.

O Mercia das Mercês
feito mosca atordoada
que El-Rei não despacha nada
diz a todo o português:
todos conhecem que fez
em breve tempo o palácio
porque estuda mui de espácio
na sua conveniência
tendo piadosa aparência
por exercício usual
Este é o bom governo de Portugal.

E que no Conselho de Guerra
os pobres dos pretendentes
andam feitos pacientes
rapando com os pés a terra
e vendo que se desterra
daqui o merecimento
pelo injusto provimento
dos postos que estes salvagens
dão a Muchilas e Pajens
dizem deste tribunal
Este é o bom governo de Portugal.

A junta dos três estados
que as rendas reais despende
dando todo o que pertende
vai pagar os meus pecados
depois de ter bem curado
os ossos na pertensão
com uma e outra informação
o mandam a um tesoureiro
que lhe diz não tem dinheiro
porque é lagarto fatal
Este é o bom governo de Portugal.

Anexa a contadoria
donde o Máximo é rezisto
porque na junta o que é visto
se remete a esta via:
se falta aqui a valia
para a boa informação
acha-se uma dilação
e uma dúvida no cabo
que té o mesmo Diabo
dirá por regra geral
Este é o bom governo de Portugal.

O Conselho da Fazenda
com dúvidas e demoras
passam anos, dias e horas;
os pobres nesta contenda
em dilação estupenda
três anos aqui andei
que na verdade não sei
como o posso referir
não houve que deferir
foi o despacho final
Este é o bom governo de Portugal.

Um Desembargo do Paço
composto de uns chinchilas
que com roupas, e golilhas
governam o Reino do espaço
os corações têm de aço
estes soberbos vilões
pois de seus maus corações
o mal a todos se espalha
e preside a tal canalha
o Duque de Cadaval
Este é o bom governo de Portugal.

O Conselho de Ultramar
donde preside um Diabo
que assim lhe vai dado o cabo
vendendo o que se há de dar:
e espera de se salvar
este assolador de gente
tão soberbo e insolente
que o Rio de Janeiro
todos dizem que por dinheiro
vendera este irracional
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

A Mesa da Consciência
que consciência não tem
donde todo o que ali vem
faz perder a paciência
com uma e outra diligência
em qualquer inquirição
traz arrastado um cristão
que quer pôr a cruz de Cristo
e se as cruzes não tem visto
não se acha o avô paternal
Este é o bom governo de Portugal.

Chegamos à Relação
donde um Bispo é Regedor
deixa de ser bom pastor
para ser um mau ladrão:
depois que empunhou o bastão
com presunções de letrado
tem muita gente enforcado
atropelando os povos
lhe quer dar costumes novos
por seu destino brutal
este é o bom governo de Portugal.

Armazéns e consulado
que estão regendo o Fronteira
com rezões de Borracheira
responde a todo o honrado
porque foi tão grão soldado
no choque de Badajós
nesta ocupação o pôs
por seus serviços El-Rei
e se há decreto, ordem, ou lei
o repugna este animal
Este é o bom governo de Portugal.

A junta que não tem pêlo
do comércio, porque calva
a deixou o Marialva
por lhe arrancar o cabelo
custou a vida ao Reselo,
porque dizem nesta terra
que para as casas do Serra
dava dinheiro sem conto
porque o queria ter pronto
para o pecado carnal
Este é o bom governo de Portugal.

Pois da Alfândega a descarga
donde o provedor gentil
todo o que vem do Brasil
quer despenda com mão larga
e se o não faz lhe alarga
a descarga do Navio
e os anos atrás no Rio
carregados se perderam
que como não concorreram
concorreu-lhes o temporal
Este é o bom governo de Portugal.

O estanque do Tabaco
onde preside o Minas
de ordenados e propinas
mui bem se enche o velhaco
ia-lhe chegando ao caco
com um bastão estrangeiro
e o fo. o bom cavaleiro
deteve a cavalaria
quando o inimigo fregia
de xevara no asinal
Este é o bom governo de Portugal.

A casa da Índia e coutos
com todas as vedorias
tesoureiros, chancelarias
mui bem lhe vejo os pespontos
eu lhe conheço estes pontos
sem ter passado ao Norte
que se governara a corte
eu lhes vagara as enchentes
pois destas vias correntes
só eu lhe sei o canal
Este é o bom governo de Portugal.

Da Câmara, e Senado
que em obras, taxas, licenças
deve com toda a presteza
ter particular cuidado
o governo é de estado
e são as ruas da cidade
monturos e porquidade
e o que tem que vender
o vende pelo que quer
por ter seguro o costal
Este é o bom governo de Portugal.

Os Ministros de justiça
que nunca a fizeram direita
porque a valia respeita
pela puta, ou por cobiça
o Demônio assim lhe atiça
este fogo em seus ardores
juíz e corregedores
letrados e escrivães
alcaides, e tabeliães
todos vestem de um saial
Este é o bom governo de Portugal.

Os Ministros da Igreja
fradaria, e clerezia
em todos há simonia
tudo ambição, tudo inveja
não há nenhum que não seja
um perverso amancebado:
outro para ser prelado
a Roma manda dinheiro
lhe venha um voto papal
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

Os assentistas sem lei
do Reino distribuidores
que o trigo aos lavradores
tomam com poder de El-Rei
não lho paguando, eu o sei,
para o tornar a vender
deixando a fome morrer
de El-Rei a cavalaria
e a pobre infantaria
e sofra isto um general
Este é o bom governo de Portugal.

Quem as conquistas governa
manda para desabonos
uns pataratas fanchonos
sem para nada prestar
e que se hão de aumentar
uns redicolhos sujeitos
sem obras, ações nem feitos
e se há fatal ocasião
de ter a espada na mão
a fuga lhe é cordial
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

Que venha todo o estrangeiro
e cada um negociando
o ouro e prata vão levando
deixando-nos sem dinheiro
e não há já conselheiro
que seja homem de talento
que apurado o entendimento
algum remédio lhe aplique
para que o Reino não fique
exausto deste metal
Este é o bom governo de Portugal.

Que andem por esta cidade
roubando vários maraus
e que estes vaganaus
tenham a favor e amizade;
sem ter honra, nem verdade
furtando uma, e outra vez,
achando o Conde, ou Marquês
que dizem se presos vão
que são de sua obrigação
ao ministro principal
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

Toda a mais canalha vil
mercadores vendilhões
que estão ganhando milhões
com empregar um ceitil
tem toda a traça gentil
para poderem roubar,
podendo-se isto emendar
com uns açoutes, ou galés
porque assim em que lhe pes
tenham menos cabedal
Este é o bom governo de Portugal.

Os mais que aqui não refiro
fiquem à eleição dos leitores
que de tão graves oradores
muito pouco me admiro:
corra a fortuna seu giro
com mil voltas e rodeios
pois, que por tão vários meios
vivem neste Reino insano
o bom, e o mau, alto, e malo
e como quer cada qual
Este é o bom governo de Portugal.

Já não temos que esperar
neste governo insolente
mais que perecer a gente
sem o bem nunca alcançar;
só para Deus apelar
pode o povo português
e pedir-lhe desta vez
que nos dê governo novo
para que com ele o povo
sigua no seu natural
Este é o bom governo de Portugal.
(...)

Tomás Pinto Brandão (excertos)

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