sábado, 21 de abril de 2012

Os lobos da alma

 Lobo-ibérico (Canis lupus signatus); imagem daqui

“As copas das árvores pareciam talhadas de pedra de tão quietas, de tão paradas. (…) Agora já nem a meia dúzia de rãs se ouviam: era um silêncio tão tamanho que dava a impressão de que se podia agarrar com as mãos. Nisto, começam os lobos a uivar. Lá da fundura do mato, depois daquela herdade e da outra e da outra. (…) Pairava qualquer coisa de mágico, de irreal em tudo que nos cercava: as árvores pareciam de pedra, o céu parecia parecia um grande e côncavo prato azul e até o matagal que tínhamos à nossa frente era como se fosse composto de pequenos braços e pernas, pequenos rostos com corpos de madeira.
- É estranho, disse eu com voz tão sumida que nem o luar me ouviria.
(…)
Insisti:
- Tenho medo, vamos para o monte.
(…)
António dos Olhos Tristes, mãos de aloendro no rosto da lua, respondeu sem se mexer:
- Estes lobos não fazem mal. São bichos criados na frescura dos matos, nas escarpas dos brejos, nas cumeadas da serra. São bichos que vivem a vida que é a vida deles. O medo que eles fazem nas pessoas é que lhes lembram, no meio dos silêncios, os lobos que as pessoas criam dentro de si mesmas, dentro do coração. É desses lobos que elas próprias criaram que as pessoas arreceiam: são os lobos da alma.”

(Destes lobos é que eu tenho medo. Dos que uivam à noite nos montes distantes não.)

Eduardo Olímpio, António dos Olhos Tristes. Lx: Ed. Caminho; 1989

Sem comentários: