sábado, 3 de abril de 2010

"Alentejo, ai solidão"


Embora uns mais do que outros, todos vamos sentindo na carteira, e não só, as consequências da tão falada crise económica. Umas são mais comentadas e divulgadas do que outras: o desemprego, a pobreza, certas formas de subsídiodependência, por exemplo, são referidos quase todos os dias na comunicação social.

Contudo há coisas sobre as quais não se fala, ou fala-se pouco, por pudor ou talvez até por vergonha: é o caso por exemplo da taxa de suicídios que tem disparado de forma assustadora nos últimos anos, a tal ponto que, aqui e para variar do que nos é mais habitual, ocupamos já os primeiros lugares do ranking mundial, especialmente no que se refere aos idosos. E quando ficamos a saber que, na linha da frente para tentar prevenir esta situação, existem apenas dois médicos psiquiatras por cada vinte mil doentes, percebemos melhor o porquê de tão estranho silêncio: não é politica e socialmente conveniente abordar um tal problema num país “desenvolvido” onde importa falar só dos milhões e biliões destinados às grandes obras públicas e onde se considera relevante e racional poupar cêntimos nos serviços de saúde básicos e de apoio a uma população cada vez mais envelhecida e frágil, especialmente nas regiões do interior; bem como na formação de médicos especialistas em número suficiente para tratar em condições humanas e condignas a saúde dessa mesma população. Segundo a própria OMS é justamente o Alentejo, logo seguido de bem perto pelo Algarve, que tem uma das taxas de suicídio mais elevadas do mundo, especialmente entre os idosos.

As causas são conhecidas: a personalidade melancólica da maioria dos alentejanos; uma implantação da religião e uma vivência da fé bem distintas de outras zonas do país (como é sabido, a igreja católica preconiza a aceitação do sofrimento e condena o sucídio) e, sobretudo, uma certa banalização deste acontecimento já tão habitual nestas pequenas comunidades (e este, para mim, é o mais chocante por considerar que, de certeza, é um dos que pesa mais). Érico Alves, o responsável pelo serviço de Psiquiatria no Hospital de Portalegre, disse até mais ao Expresso de ontem: “uma sociedade com uma taxa elevada de suicídio é ela própria uma sociedade que está doente”. Doente sobretudo de solidão, de abandono e de exclusão social. E há muito tempo.

A prová-lo está a criação, há já trinta e um anos, da SOS Voz Amiga, linha telefónica de apoio e ajuda a situações de depressão, solidão e risco de suicídio, uma das primeiras do género a ser aberta no país.

Nela trabalham voluntários que recebem formação adequada e que, mesmo assim, têm às vezes dificuldade em lidar com certas situações, pelo que contam ainda com o apoio de dois técnicos de saúde mental. No ano passado receberam uma média de doze chamadas diárias, de pessoas anónimas: sem idade, rosto, nome, profissão ou classe social. São pessoas que falam sobre as coisas que lhes desfizeram a vida e a alma. Umas desabafam e choram, por vezes durante horas. Outras, pelo contrário, quase não falam, ou declaram apenas que queriam só dizer, e ouvir dizer, boa noite. Ou então que queriam apenas ouvir uma voz humana antes de se irem deitar. Estas pessoas são, nas palavras de uma das voluntárias que faz atendimento telefónico, a “expressão mais brutal da solidão” e acrescenta ainda que são, quase sempre, idosos. Mas não só.

Ter que recorrer a uma linha telefónica anónima para ter o reconforto de ouvir uma voz humana antes de adormecer pode até ser o “fim da linha” da solidão, de facto. Mas quantos haverá por aí, nessas aldeias e vilas da grande sulidão alentejana, que nem a esse «reconforto» têm acesso por falta de informação, de meios, ou talvez até por vergonha de admitir que precisam de recorrer a tal expediente para continuar a acreditar que estão no mundo dos vivos e ainda pertencem à espécie humana.

No Alentejo, ao que parece, morre-se mesmo de solidão e muito...

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