sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Agosto: a 'silly season'

A ideia de inventar uma receita mágica capaz de, seguindo determinados preceitos e passos, mudar radicalmente as coisas, em nós ou à nossa volta, deve ser uma utopia tão antiga como o próprio homem. Mas nestes tempos complexos e difíceis que vivemos, essa busca tomou contornos que, por vezes, fazem lembrar uma tentativa desesperada, em contagem decrescente, para evitar um qualquer cataclismo final. Mas ela é, sobretudo, a busca de algo que, supostamente, seria capaz de transformar o nosso quotidiano de forma permanente e continuada: sucesso, dinheiro, amor e, para os mais ambiciosos, essa autêntica “pedra filosofal” que é a felicidade. Esta ânsia de encontrar “a” receita para todas estas coisas é hoje um verdadeiro filão, tanto editorial, como comunicacional e há muita gente que – sob a designação de “guru” - vive (e bem) disso mesmo.

É o caso do israelita Tal Ben-Shahar que, para além de ser um orador com capacidades discursivas invulgares – condição sine qua non para quem se queira tornar um verdadeiro “guru” - é autor de diversos best-sellers - Aprenda a ser feliz, Em busca da perfeição e Even Happier, já traduzidos e publicados em Portugal, com grande sucesso de vendas. É ainda o mentor de um curso de Psicologia Positiva na prestigiada Universidade de Harvard em Cambridge (Massachussetts), o qual é, actualmente, um dos mais procurados da instituição. Ou seja, Ben-Shahar é um especialista nisto das “receitas para...” e foi nessa condição que deu uma entrevista à revista Happy de Julho onde, entre outras coisas, disse que a tendência da maioria das pessoas, em especial das que têm já algum (ou muito) dinheiro, é para continuar “a «perseguir» a próxima promoção, o próximo aumento, como se fosse um vício incurável por este tipo de adrenalina temporária que se parece com felicidade. O constante desejo de aumentar os «zeros» na conta bancária esmorece a procura do prazer e de um sentido para a vida, e é assim que, muitas vezes, o dinheiro atrapalha a busca e o encontro da felicidade”, contrariando deste modo aquele velho chavão de que o dinheiro não compra a felicidade, mas ajuda muito.

Quanto à carreira, declara que “É essencial que sinta prazer no seu trabalho, mas também que encontre um sentido para ele, como a progressão na carreira, o ordenado ou o estatuto (combinação prazer/significado)."

Questionado depois sobre a antítese optimismo/negativismo declarou que “Muitas pessoas acham que tudo tem uma razão para acontecer. Eu não acredito. Mas mesmo que muitas coisas aconteçam pelo melhor, há quem consiga fazer o melhor daquilo que lhes acontece. A ideia de que as coisas acontecem pelo melhor é passiva; a segunda é activa. (…) Winston Churchill disse uma vez que “Um pessimista vê a dificuldade em cada oportunidade; um optimista vê a oportunidade em cada dificuldade. É um dos princípios da Psicologia Positiva que nos pode ajudar a superar um trauma.”

Perante esta afirmação, a entrevistadora formula então a seguinte questão: “Para sermos mais felizes, temos de erradicar totalmente o pessimismo das nossas vidas e cultivar sempre o optimismo?” Ao que o guru responde: “Não. Isso é impossível! É preciso dar-se permissão para ser humana. Aceite os sentimentos de tristeza, de infelicidade, medo... só assim abrirá espaço para as emoções positivas.”

No fim da leitura, eu, que nunca na vida acreditei em receitas que não fossem as de cozinha – e mesmo essas foram sempre objecto de alguma adptação ou modificação, segundo os meus humores e inspirações do momento -, eu, que sempre fui céptica e irónica em relação a estes manuais de como conseguir alguma coisa em x passos, ou em y dias, vi-me obrigada a concordar com o homem e a achar que estas são afirmações, não apenas sensatas, mas até sábias. Ainda por cima feitas numa daquelas revistas ditas femininas!

Aliás, o poder de argumentação de Ben-Shahar é tão bom que considerei mesmo a hipotética ideia de um dia, quem sabe, me vir a inscrever nesse tal curso de Harvard – a ver se começava a olhar à minha volta de modo diferente, ou a ver outras cores para além deste cinzentismo pardacento que parece dominar tudo, atémesmo o rosto e o espírito das pessoas. Começo a estar cansada de me permitir ser tão “humana” e de não conseguir “fazer o melhor” daquilo que me vai acontecendo. E, enquanto professora, estou sobretudo cansada de já não encontrar sequer um sentido para o meu trabalho, - “como a progressão na carreira, o ordenado ou o estatuto (combinação prazer/significado)” -, quanto mais ‘sentir prazer’ ao fazê-lo. Já agora, alguns dos nossos políticos também podiam – se calhar até deviam - fazer talvez um curso intensivo ou algo assim (quem sabe se nas Novas Oportunidades?) para ver se nos conseguiam convencer melhor de que isto, afinal, não está assim tão mau como nos parece, quando andamos aí pela rua e ouvimos e falamos com as pessoas.

Mas depois pensei: estamos em Agosto, em plena silly season anual. E esta mistura contraditória dos pensamentos ficou mais clara... Só espero é que Tal Ben-Shahar não resolva dedicar-se à política, pois parece-me que era bem capaz de vender areia (e muita) aos próprios beduínos. E desses políticos já nós cá temos até demais. Não precisamos de mais nenhum.

Sem comentários: