domingo, 6 de dezembro de 2009

O tempo que faz

Além da vida alheia, também o tempo que faz é cada vez mais o assunto das conversas no dia-a-dia, embora isso nada tenha que ver com uma maior consciência ou preocupação relativamente às alterações climáticas que afectam o planeta. É antes uma forma de manter conversa amena, até simpática, com alguém sem ter que fazer um grande esforço e, sobretudo, sem ter que dizer nada de muito comprometedor ou revelador sobre nós próprios. Pelo menos, era isso que eu pensava até ler um curioso estudo sobre o assunto. Segundo Bruckner (2000), na transição do séc. XVIII para o XIX, a meteorologia deixou de ser uma ciência da previsão – útil sobretudo para a vida rural e marítima - para se tornar uma ciência da intimidade e do humor. Considera ainda o mesmo autor, que o humor não é mais do que a relação entre um mundo em permanente mutação e nós próprios, seres igualmente volúveis. Por isso, se não nos acontece nada de significativo, pelo menos pode acontecer-nos que chova, que faça vento ou que o sol brilhe: Le charme du temps qu'il fait, c'est son instabilité, c'est donc aussi le charme du temps qui passe, d'un kaléidoscope toujours mobile (p.115).

A meteorologia tornou-se, pois, um assunto muito sério. Basta pensar como uma bela manhã de sol nos deixa cheios de energia e optimismo e como um céu cinzento é capaz de nos mergulhar na mais profunda melancolia. Mas, também pode acontecer que um dia de sol nos traga memórias tristes, que a chegada de nuvens negras nos encha de esperança ou que um nevão nos deixe eufóricos. No fundo, e apesar de rodeados por tecnologia avançada, não controlamos mais o clima do que os nossos próprios estados de alma. Daí a nossa perplexidade e curiosidade perante ambos.

Por isso, quando falamos da meteorologia com alguém, mesmo sem termos consciência disso, estamos realmente é a falar de nós, da fragilidade da nossa relação com o mundo, da nossa profunda instabilidade emocional, do constante dilema interior entre a vontade de estar em harmonia com esse mesmo mundo (espécie de dependência que pode até ser humilhante) e a vontade de independência e autonomia (que pode levar-nos ao isolamento irremediável).

Seja como for, certo é que, depois de ter lido isto, não volto a falar - nem a ouvir falar - do “tempo que faz” da mesma forma.

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