sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ainda e sempre o (des)acordo ortográfico

Numa das suas últimas Crónicas publicadas no Expresso (“O livro dos rostos” - 17/7/2010), Inês Pedrosa – que faz questão de continuar a escrever “de acordo com a antiga ortografia”, em contraponto directo com o próprio jornal que lhe publica os textos -, a propósito do Facebook, voltou a referir-se ao novo acordo ortográfico da língua portuguesa para dizer que: “...as várias versões do português sempre se entenderam – não é por escreverem actual sem c ou os nomes dos meses com minúsculas que se entenderão melhor. Os brasileiros continuarão a chamar camisola à camisa de dormir e a usar o verbo trepar como sinónimo de transar, um verbo amável que os portugueses não têm. Além das diferenças vocabulares, persistirão as diferenças na gramática e na sintaxe – criativas, inspiradoras diferenças, que impedirão sempre a unificação dos manuais escolares nos países de língua portuguesa, mantendo a música específica de cada versão do português. Expliquem-me, por favor, para que serve o acordo ortográfico – e digam-me quanto desse dinheiro que não gastamos a promover a cultura de língua portuguesa ele nos custou. Quanto custou o tal lince descodificador. Quanto custaram as reuniões dos cérebros que produziram a maravilha? Quantos milhões de livros se deitarão para o lixo por neles estar escrito “afecto” em vez de “afeto”?”

Pois é, questões pertinentes, mas retóricas, certamente. É que nestas coisas das decisões políticas os decisores não querem saber quantos milhões custa, querem é levar as suas ideias/planos por diante. Apenas porque sim e, sobretudo, porque quem manda aqui sou eu e pronto! Se calhar, o que nos vale é estarmos em crise e os tais decisores políticos que nos (des)governam terem que fazer de conta que estão agora muito preocupados e a poupar o nosso dinheiro. É que, se isto estivesse bem, acho que nem no Dubai havia tanta ideia peregrina e mirabolante como por cá. O acordo (des)ortográfico é, claramente uma delas.

"Qual é a tua ó meu?", canção já velhinha (em número de anos apenas) de José Mário Branco mantém intacta, hoje como antes, toda a sua ironia crítica.

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