domingo, 4 de julho de 2010

Navegar à bolina

A Universidade de Coimbra, lugar histórico de uma certa eudição nacional, lançou um portal digital – o Classica Digitalia, cujo endereço é http://bdigital.sib.uc.pt:8080/classicadigitalia/ – onde se pode ter acesso online e em formato pdf a obras ditas clássicas, tanto de autores portugueses, como gregos e latinos, e também a estudos académicos sobre os mesmos autores e/ou obras.

Numa época em que se lê muito, mas sobretudo livros soft ou light, para ninguém maçar demasiado os neurónios, o mínimo que se pode dizer é que num sítio como este navegamos à bolina dos ventos dominantes. O Classica Digitalia transporta-nos para uma época em que o adjectivo 'erudito' ainda não se tinha transformado numa espécie de mania de pedantes e pretensiosos, ou um simples anacronismo incompreensível para muitos. Remete para um tempo em que “obter conhecimento através dos livros” era um privilégio não acessível a todos, em que estudar Latim e Grego no ensino secundário era normal, ou mesmo essencial, para quem pretendia entrar para as chamadas Humanidades, em que a cultura clássica (Latim incluído), não era ela própria a plêiade difusa, distante e um tanto extravagante em que se tem transformado nestes últimos tempos.

Claro está que os eruditos são, pelas suas próprias características intelectuais, pessoas um tanto maníacas, às vezes até intratáveis e de um perfeccionismo exasperante para nós, comuns mortais. A este propósito, José Pacheco Pereira, que é ele próprio senhor de uma erudição espantosa, conta a história de Vasco de Magalhães Vilhena, um dos maiores conhecedores de Sócrates, que costumava escrever notas em grego (língua que dominava perfeitamente) e em russo (era comunista assumido) assim confrontando os seus adversários intelectuais - como António Sérgio, por exemplo - que não dominavam tais conhecimentos e muito se irritavam com esta atitude deliberada.

Também o Classica Digitalia se arrisca a ser uma provocação que vai direita aos defensores e arautos do 'aprender é fácil e divertido', que têm transformado a avaliação num jogo de faz-de-conta para disfarçar o modo como estilhaçaram alegremente currículos e programas. O rol de autores e obras já disponíveis no portal mostra como aprender não é fácil, requer trabalho e só é divertido muito tempo depois, quando as circunstâncias, quase sempre de forma arrevezada, nos permitem tirar algum partido desse percurso. Ou, para utilizar de forma irónica, um dos grandes slogans desse invejável mundo da certificação fácil e rápida (mas não barata, uma vez que consome a maior parte dos milhões que ainda vêm da UE), também designado Novas Oportunidades: 'Aprender compensa'. Claro que compensa é de diferentes maneiras conforme o contexto e os objectivos visados.

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