sábado, 3 de julho de 2010

Miserabilismo

Desde 2004 que todos os prémios artísticos e literários atribuídos pelo Estado são tributados como se de uma remuneração se tratasse. Significa isto que, para receber o prémio, independentemente do seu valor, o artista contemplado deve cumprir três exigências: preencher uma Nota de Honorários; apresentar certidões comprovativas da sua situação contributiva e tributária; e descontar uma taxa de IRS no valor 10% sobre o valor total do prémio. E só depois de verificada a inexistência de dívidas, tanto à Segurança Social como às Finanças, se efectua a transferência bancária do dinheiro. Contudo, se o prémio for atribuído em resultado de concurso público não há lugar a qualquer tributação.

Tratando-se de situações de excepção cujo objectivo é reconhecer e premiar o mérito de um trabalho artístico ou literário esta norma é de uma mesquinhez preocupante. Pior, miserabilista, uma vez que o número de prémios artísticos e literários atribuídos anualmente pelo Estado é restrito e nem é preciso ser muito inteligente para perceber que não é de certeza por aqui que os cofres públicos se poderão encher. Atitude miserabilista num país que se dá ao luxo de pagar prémios milionários aos gestores das empresas e institutos do Estado, gente cuja competência profissional é tantas vezes duvidosa, já que muitos desses cargos são ocupados quase sempre por ex qualquer coisa, e são sobretudo uma recompensa pelos bons serviços prestados na vasta galáxia governamental.

Atitude miserabilista de um país onde se gastam milhões com o futebol – quanto custaram os dez estádios construídos de propósito para e Euro 2004 e que agora estão às moscas?; quanto custam as mordomias da selecção nacional de futebol e dos dirigentes da Federação e da Liga e de mais não sei quantas coisas do género? - e com projectos que não passam disso mesmo – quantos milhões têm custado ao Estado os sucessivos estudos e consultorias de todo o género acerca da loalização do novo aeroporto de Lisboa e do TGV? quantos desses estudos serão realmente úteis e necessarios?

Paulo Nozolino recusou esta semana o prémio 2009 para as Artes Visuais, atribuído pela Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), no valor de dez mil euros. Sobre este valor teria, claro está, que descontar IRS e cumprir as formalidades burocráticas já referidas. Nozolino teve a coragem de recusar o prémio e pediu mesmo que o seu nome não constasse no historial dos premiados. Fê-lo, segundo declarou no comunicado que fez à imprensa, em repúdio pelo “comportamento de má-fé do Estado português” e também porque, como já antes tinha afirmado «A minha história, ou sou eu que a faço ou ninguém a fará.»

Tendo em conta o valor irrisório em causa, e tratando-se sobretudo de um prémio, ou seja, de um reconhecimento ou de um agradecimento simbólico pela obra de um artista, apenas posso dizer que admiro a atitude frontal de Paulo Nozolino e que, perante notícias como esta, sinto cada vez mais vergonha - não deste país-território em que nasci e vivo -, mas cada vez mais desta gente que, para melhor nos (des)governar, nos tenta aborregar todos os dias, de todas as maneiras possíveis.

Nota: ver belíssimo texto sobre vida e obra de Paulo Nozolino aqui.

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