sábado, 22 de janeiro de 2011

A variável espessura da noite

O ar está impregnado do fumo aromático de uma lareira próxima. Contudo, caminhar pela rua é agora como carregar nas mãos nuas um grande bloco de gelo. A própria noite parece  querer abrigar-se do frio nos recantos sombrios. O sopro álgido calou todos os pássaros e, depois, calou-se ele também para tornar mais nítidos os sons distantes. Ao fundo da rua os contínuos tiros disparados pela tampa da conduta que os carros pisam, e que fazem um ricochete metálico nas paredes, soam agora mais espaçadamente como se, apenas por uma noite, alguém tivesse declarado tréguas. E, à hora exacta, o plácido sino que ecoa chamando para a oração os monges cartuxos mais parece, neste silêncio opaco, um toque a rebate.

Decido-me então a procurar o sono como quem insiste em pesquisar debaixo dos móveis da casa a pequena e irritante conta extraviada de um colar que se partiu, ainda que saiba de antemão que não a encontrará.

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