quinta-feira, 12 de novembro de 2009

As palavras: ainda e sempre...

Mote
"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio."
Eugénio de Andrade





Glosa
O problema da comunicação não está apenas nas palavras em si, ou na sua falta. Está também nas que, tendo sido ditas, não foram clarificadas e discutidas até se chegar a um mútuo entendimento do seu significado. Dizer as palavras, não é condição bastante para que exista diálogo. É preciso que alguém as ouça e lhes responda. Só assim é que podemos saber se o que dissemos foi o mesmo que o outro ouviu e entendeu. O problema é que temos cada vez menos disponibilidade mental para isso: ouvir implica uma atitude ao mesmo tempo receptiva e de aceitação do outro. Ora os tempos de hoje exigem e valorizam precisamente o contrário: iniciativa e imposição do indivíduo face aos outros. Por isso, vivemos (con)centrados em nós: os outros interessam-nos apenas quando e enquanto nos forem úteis para alguma coisa de que, claro está, seremos sempre beneficiários directos e finais. Fora desse cenário tornam-se incómodos e supérfluos, meros desvios ao que verdadeiramente interessa: eu mesmo e a minha pessoa. Nas relações, a incomunicação instala-se então à medida que o silêncio de um se vai tornando proporcional à indisponibilidade do outro para ouvir. Aliás, é cada vez mais difícil arranjar "audiência" para os nossos pequenos desabafos. (Será também por isso que na rua nos cruzamos com um número crescente de pessoas que falam sózinhas?). Psicólogos, psicoterapeutas, sexólogos, psiquiatras e afins têm claramente o futuro assegurado: afinal, muito embora sejam pagos por/para isso, ouvir os outros é a sua profissão. E há por aí muita gente a precisar de ser ouvida.


Remate

Não são as palavras que estão gastas, são as pessoas, as suas atitudes e modos de ser e de viver.
Nós, nós é que estamos gastos e precocemente envelhecidos. E, por isso, "Não temos já nada para dar".

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