segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Comer

Não é por acaso que o verbo comer se usa na mesa e na cama. Também não é por acaso que muitas noites de sexo começam na mesa, transformando-se a comida numa espécie de preliminar para o que virá a seguir. Será porque, num corpo saciado, o espírito está mais tranquilo, mais prediposto e menos à defesa? Veja-se, a título de exemplo, este outdoor publicitário brasileiro, que explora essa ligação na sua plenitude e sem qualquer preconceito:



O sexo não deixa de ser também uma forma de comer o corpo do outro, na medida em que  implica trazer o outro para dentro de si, à semelhança de qualquer alimento. O sexo - tal como a mesa – é, pois, um acto de partilha e de entrega dos corpos, das vontades e dos corações, motivado por um único objectivo: o prazer sensorial. Uma relação física exige, como qualquer prato requintado, a justa medida de cores, odores, sons, sabores, texturas...E se o tempero estiver certo, então, é toda uma experiência... Por isso, a interacção dos dois universos – cama/mesa - só pode ser potenciadora do prazer que, cada um por si, já proporciona.


Tudo isto está neste excerto de “9 ½ Weeks” de Adrian Lyne, realizado em 1986, cujo ponto de partida é uma afirmação aparentemente anódina do protagonista: "Estou esfomeado." É o início de um ritual que mistura curiosidade, brincadeira, generosidade, desejo e transgressão. E quem, de olhos fechados, confia, abrindo o espírito (e a boca) ao inesperado, liberta-se e parte à (re)descoberta de si e do outro. É uma metáfora do próprio acto sexual: a voracidade que vai em crescendo até ser surpreendida pelo picante da malagueta e que culmina numa espécie de “cântico dos cânticos”: o rio de leite e mel derramado sobre o corpo. Afinal, a fome de Rourke era fome de pele...




Nota: Se um dia fosse possível, bem gostaria de organizar um ciclo de cinema sobre a relação entre os filmes e a comida. Algo assim para deixar muito boa gente com “água na boca”...

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