sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Justiça invisual ou como o óptimo é inimigo do bom

Sucedem-se os "casos" na Justiça portuguesa relacionados quer com os mega-processos, quer com julgamentos menos mediáticos, como os de violência doméstica, assaltos, homicídios e indignidades afins. Algumas das decisões tomadas pelos tribunais são de tal forma absurdas que têm comprometido gravemente a credibilidade da Justiça e posto em causa a confiança dos cidadãos no sistema judicial. E não é para menos.

Mas basta olhar com atenção para a figura que simboliza a Justiça para perceber que julgar gente tão ardilosa de olhos vendados talvez não seja lá muito boa ideia. Pior, pelo que se tem visto nestes últimos anos em Portugal e não só, estou cada vez mais convencida que a Justiça não tem só os olhos tapados: é mesmo invisual.

que nem é preciso procurar muito para descobrir que esta grave deficiência não é congénita pois a figura que, na mitologia grega, simbolizava a Justiça - Têmis, a sensata e justa conselheira do seu todo-poderoso esposo Zeus - foi sempre representada de semblante severo, mas com olhos bem abertos, segurando numa mão a balança que equilibrava a Razão e o Julgamento e, por vezes, na outra, uma cornucópia (representação de fertilidade, riqueza e abundância).

 Themis; fotografia de Ricardo André Frantz
Mármore, c. 300 a.C. - Museu Arqueológico Nacional de Atenas
A representação que hoje é mais conhecida (senão mesmo universal), omnipresente em todos os tribunais - a Justiça de olhos vendados e empunhando uma espada - é, na verdade, uma (re)criação de artistas renascentistas alemães do séc. XVI, os quais, querendo sublinhar a ideia de "imparcialidade", acabaram, de forma irónica, por cegá-la, com as gravíssimas consequências práticas que todos conhecemos demasiado bem. E como se isso não bastasse, ainda lhe acrescentaram a espada, certamente para sublinhar o carácter impiedoso das decisões tomadas às cegas.

Imagem Google
Pode dizer-se que este é um caso bem evidente de como o óptimo é inimigo do bom. Tem ainda a vantagem de nos permitir a extrapolação para uma questão de natureza um pouco diferente: na actual crise das dívidas soberanas da UE, à conta da tal picuinhice dos alemães e da manhosice dos nossos (des)governantes, quem leva com a espada no lombo somos nós todos. E não haverá Justiça que nos possa valer porque a coitadinha está cega!

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