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Serra d'Ossa: 1/1/2015 |
Regressar hoje aos lugares da minha infância seria caminhar sobre terra queimada, pois tal como as águas de um rio não passam duas vezes
sob a mesma ponte, também não é possível vivenciar duas
vezes a mesma experiência, a mesma sensação ou a mesma emoção de um tempo em
que tudo era novo e palpitante de
possibilidades. Para mim, nesses lugares do passado, não há agora mais do que vestígios dispersos da silenciosa implosão que o tempo operou sobre todas as coisas que foram.
... sim, também
eu já esqueci nevers, a minha nevers pessoal...
Também porque já não existem
ou estão mudadas as pessoas que povoaram esses tempos da infância.
Seguiram caminhos diversos, distintos dos meus. Se me confrontasse com elas,
hoje, nem saberia o que dizer-lhes. E quantas dessas pessoas com quem me cruzei
diariamente ao longo de anos me reconheceriam? Muito poucas, decerto.
Nem poderia ser de outro modo porque, da criança que então fui, muito pouco
resta em mim. Se calhar, nada até. A estranheza seria, portanto, mútua: para elas,
também eu não passaria agora de uma desconhecida, talvez mesmo uma intrusa nas
suas próprias memórias sobre esses tempos longínquos.
...sim, também eu já esqueci
nevers, a minha nevers pessoal...
Mas não somente as pessoas, os próprios sítios, antes tão familiares que seria capaz de os percorrer de olhos
fechados, me parecem irreconhecíveis: telhados caídos, casas derrubadas
ou erguidas, muros acrescentados, caminhos alterados… Ou talvez sejam as imagens guardadas na minha memória que ficaram deformadas pelo curso inexorável dos anos.... Seja como for, não passam de peças soltas que deixaram de encaixar no lego das minhas recordações de infância porque, na verdade, é a minha própria
infância que já não existe. Evoluiu para dar lugar ao que se convencionou
chamar adolescência e depois idade adulta. Ou seja, outra coisa, que decorre
noutro tempo, com outras pessoas e noutros lugares. Irremediavelmente.
... sim,
também eu já esqueci nevers, a minha nevers pessoal...
Hoje, os lugares
que me movem não são os que me ligam a um tempo particular, mas aqueles que, de
certa forma, fui tornando meus porque os quis, os precisei, ou, talvez mais
acertadamente, porque os aceitei. E os únicos lugares que ainda me comovem são
aqueles onde estão os meus, palavra interessante por duas razões que se
implicam mutuamente: meus por, lá dentro, também estar eu, e, meus,
por serem os que estão à volta de eu. Lugares pequenos, portanto.
Lugares áridos, às vezes. Lugares de estranheza, quase sempre. Lugares de
desconforto, também. Coordenadas seguras para explicar quem não sou e,
sobretudo, aquilo que, demasiadas vezes, não digo ou não faço
por isso,
sim, também eu já esqueci nevers, a minha nevers pessoal...
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Serra d'Ossa: 1/1/2015 |