domingo, 27 de novembro de 2011

O (in)tangível fado

Rambling man

Muitas perguntas, uma resposta possível

Que fazer das palavras ditas e, sobretudo, das que foram deliberadamente silenciadas?
         Que fazer das lágrimas choradas e das muitas mais que ficaram recalcadas?
                  Que fazer de tudo o que era suposto ter sido diferente, até melhor?
                          Que fazer do (in)equívoco sarcasmo e do árido orgulho?
                                  Que fazer da confiança esgarçada pelo desdém?
                                          Que fazer da mágoa que ainda insiste?
                                                  E que fazer destas pequenas
                                                    memórias que persistem?

Talvez só mesmo isto...

sábado, 26 de novembro de 2011

Diálogo com música

Oferenda

Dante Gabriel Rossetti: Roman de la rose; 1864





















São rosas desfolhadas pela noite
as oferendas que faço ao meu amor.
São raivas soterradas as palavras
que segredo velando o meu amor.
Os gestos são de medo, os do afago.
E a secreta angústia do desejo,
a porta que me fecha para a vida.

São rosas desfolhadas meu amor.
São raivas soterradas meu amor.

Amor de carne,
pasmo de sangue a revelar-me a ferida
na luta de encontrar para perder,
furor que me devolve corpo a corpo
ao espaço onde não ter é ter chegado,
de olhos fendidos e com dedos ocos,
em frente ao sonho sem saber sonhar.

Em ti, amor, procuro
e, em ti, abraço o que me foge
pois bem sei, meu amor, amante amor
que ao nos amarmos nós queremos ser
de nós o que em vão ser nos destruísse.
E bem sei, bem sei, fêmea de mim,
que num e noutro só sabemos ver
o que de nós em nós não tem lugar.

E és para mim, bem sei, todo o mistério
e eu sou a busca dele que te procuro
pelo caminho que o teu corpo afirma.

Amor,
desgosto só de me não seres
que eu guardo e quero e peço
neste vão abraçar-te solitário
pra sem mim ir sugando a tua carne
pra sem ti ir fingindo a minha vida
as oferendas que tive e desfolhei
as rosas derramadas pela noite.

Hélder Macedo

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Blue

Os lugares


Dordio Gomes: Évora; 1938; óleo s/ tela
























Os lugares são
a geografia da solidão.
São lugares comuns a casa a cama.

Manuel António Pina, In Poesia Reunida,
Lx: Assírio & Alvim, 2001

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Beautiful Tango

O bailinho do governo em três andamentos

1. Ora agora viras tu!

In Correio da Manhã









 

2. Ora agora viro eu!
In Correio da Manhã


3. Ora agora viras tu mais eu!

In Correio da Manhã

O estado da arte da justiça portuguesa

Todo o homem luta com mais bravura pelos seus interesses do que pelos seus direitos, já dizia Napoleão Bonaparte. Os tribunais nacionais estão entupidos de mega-processos por causa disso mesmo.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Ou comem todos ou não há moralidade: provérbio ilustrado


No BPN era/é mesmo assim. Por uma vez a publicidade não era enganosa...(ver aqui e aqui).

Intuição

Os ossos do meu país


Castelo Novo, 20/11/2011






































Esta gente que persiste
em ter terra em suas veias
e que às vezes só existe
à noite à luz das candeias,

este povo que resiste
na solidão das aldeias
raça que nunca desiste
fiel às suas ideias

esta gente é que sustenta
a carne com que se veste
a mão que este versos diz.

Descobri-vos, meus senhores,
eis os pobres lavradores,
os ossos do meu país.

Fernando Pina, In Palavras de vento e de pedra,
Câmara Municipal do Fundão: 2006

domingo, 20 de novembro de 2011

O caminho das pedras, da terra, da chuva e do vento

Manhã de bruma e chuva contínua sobre a tela impressionista de uma paisagem luxuriante...


Descemos pela encosta íngreme numa espécie de procissão silenciosa que segue junto aos vetustos muros de pedra...


atentos ao canto alegre das águas que correm velozes no riacho, com os olhos enfeitiçados pelas cores e o olfato inebriado pelo cheiro telúrico e forte que emana da terra encharcada.


De vez em quando paramos para ouvir/ver os segredos escondidos sob o manto de folhas ou na casca das árvores. Depois seguimos pelo labirinto errante dos velhos caminhos de terra, ladeados por pinheiros e castanheiros, sempre sob o olhar atento das cerejeiras desgrenhadas.


Começamos então a fazer uma outra e diferente leitura do espaço que se abre como um livro à medida que avançamos pela encosta: nos troncos, entre as rochas e no próprio chão, ora coberto de erva viçosa e tenra, ora por um espesso manto vegetal em serena decomposição, surgem as mais variadas e até bizarras formas, cores, aromas e texturas.


No fim da caminhada os cestos quase transbordavam e havia nos rostos a alegria mansa de quem acabou de descobrir um novo território cujos segredos tinham sido aflorados apenas ao de leve. E é extraordinário ver como a natureza, apesar de tão devassada, mais do que pródiga, consegue ainda ser generosa.


Alcaide, 19/11/2011

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Holocene

"E porque é tarde e estou cansado, sigo"


Edward Hopper: Road in Maine, 1914






















Adeus

Manhãs serenas, pálidos
Dias sem sol, enevoados céus,
Opacas noites de perfumes cálidos,
Vejo tudo isso e digo adeus.

Frutos doirados, flores de estuante viço,
Rochas, praias, ilhéus,
Ondas do mar azul… Vejo tudo isso
E digo adeus.

Que importa que este fosse o meu desejo,
Se o envolveu a sombra de pesados véus?
A vida existe para os outros. Vejo
Tudo isso, e digo adeus.


E porque é tarde, e estou cansado, sigo
A estrada do regresso; e quando volvo os meus
Olhos, além, vejo tudo isso e digo:
Adeus!

Cabral do Nascimento

A música preferida do melómano Domingos Duarte Lima

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Sonnet 20

A woman's face with nature's own hand painted,
Hast thou, the master mistress of my passion;
A woman's gentle heart, but not acquainted
With shifting change, as is false women's fashion:
An eye more bright than theirs, less false in rolling,
Gilding the object whereupon it gazeth;
A man in hue all hues in his controlling,
Which steals men's eyes and women's souls amazeth.
And for a woman wert thou first created;
Till Nature, as she wrought thee, fell a-doting,
And by addition me of thee defeated,
By adding one thing to my purpose nothing.
But since she prick'd thee out for women's pleasure,
Mine be thy love and thy love's use their treasure.

William Shakespeare, Sonnets, Ed. A.L.Rowse.
 London: Macmillan & Co., 1964.

Reinterpretação

Se a primavera não acaba por morrer uma andorinha,
uma cegonha no ninho também não significa que ela esteja a começar...
Terrugem, 16/11/2011


Novos provérbios portugueses - II

Diz o roto ao nu: que jobs for the boys criaste tu?


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Orçamento de Estado 2012: finalmente uma boa notícia

Momento em que chega ao parlamento a notícia ansiosamente aguardada.

Uff! Que alívio! Até que enfim.

Deixa-os falar! Agora é que eles vão ver quem é o último a rir!
Mas a que se deve, afinal, tamanha boa disposição nas trincheiras governamentais?


Pois, nada mais nada menos do que a esta excelente notícia de última hora:

Nota: fotografias daqui.

Já se sente no rosto o sopro dos ventos de inverno

A (in)tolerância do m(in)istério

Declarou agora o ministro da Educação que "O Ministério não tolera que haja indisciplina nas aulas, não tolera que os professores possam ser maltratados verbalmente ou mesmo fisicamente, como em alguns casos tem acontecido. Queremos criar um clima de disciplina nas escolas, um clima de respeito pelo professor para que o professor possa cumprir a sua missão, que é ensinar os alunos" (ver aqui).

Ui, que eles já devem tar mêmo cheios de medo! Querem lá ver que ainda os vamos ver assim?



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Digo exatamente o mesmo

Mais e mais ideias para vencer a crise

À atenção do senhor Ministro da Economia

Em tempos que já lá vão, quando a crise apenas se adivinhava ao longe, mas estava já a ser preparada com afinco, um certo ministro da economia tão sorridente quanto o atual - Manuel de Pinho de sua graça - inventou o célebre programa Allgarve.  O objetivo era "valorizar o Algarve como destino turístico de qualidade, associado ao glamour e sofisticação" e, de caminho, estourar mais uns quantos milhões todos os anos. Assim se sucediam os grandes concertos, os eventos gourmet, os torneios de golfe, os desfiles de moda, as festas para todos os estilos e gostos...

Agora que andamos a contar cêntimos o melhor que podemos fazer é criar um programa semelhante para todo o país, mas com espírito low cost: o Poortugal. Poderiam organizar-se vários espetáculos musicais de angariação de fundos para pagamento das pensões vitalícias dos senhores políticos. E se alguém convencesse o Tony Carreira a fazer um deles à borla, então é que era mesmo ouro sobre azul, pois ainda dava para pagar a mais alguns assessores.

Depois podia também organizar-se um grande Festival Nacional da Sopa dos Pobres, incluindo demonstrações ao vivo, feitas por chef's prestigiados, de como reciclar sobras de restaurantes, fazer grandes sopas com ainda menos ingredientes, ou até como fazer fantásticas omeletes sem usar um único ovo. Haveria também wokshops sobre a melhor forma de vasculhar os contentores do lixo à procura de comida, roupa e outros produtos recicláveis, para além de vários desfiles de roupa doada, a que se poderia associar uma grande campanha de recolha de roupas, no intuito de começar já a preparar a coleção para a próxima estação. 

E finalmente, com o alto patrocínio das câmaras municipais, poderiam ainda organizar-se diversos jantares-comício destinados aos desabrigados da crise, com a presença garantida dos media a filmar tudo e a fazer perguntas inteligentes a toda a gente e, como não podia deixar de ser, com direito a belos discursos do(s) autarca(s) promotor(es).

Acresce a tudo isto a poupança de mais uns largos milhares de euros com a reciclagem do slogan do programa Allgarve, que assentaria aqui que nem uma luva: continuar a permitir viver experiências que marcam... Com o sucesso estrondoso de uma iniciativa como esta,  e com o enorme impacto que ela teria nos media internacionais, "o" Álvaro poderia finalmente contratar mais um relações públicas para vender esta brilhante ideia em franchising não apenas aos PIG's, mas até mesmo aos GIPSY (Greece, Ireland, Portugal, Spain and Italy).

Enfim, tenho a certeza que seria mais um sucesso a juntar aos muitos que o ministro da Economia tem apresentado ao país nestes últimos tempos: o  Plano de Desestruturação dos Transportes Públicos e o Plano de Desincentivo à Economia Nacional.

domingo, 13 de novembro de 2011

Felicidade, mesmo, é poder ouvir música assim

Instituto do quê!?

Foi esta semana apresentado ao  país um novo instituto. Desta feita, o da Felicidade: http://www.institutodafelicidade.com.pt/. Claro que este, pelo menos por agora, não precisa de se preocupar com o corte das "gorduras" do estado porque tem como patrocinador a Coca-Cola. E também não é inédito. É assim uma espécie de "franchising" que a multinacional promove aí pelo mundo fora com vista a ficar bem na fotografia.

Coube à investigadora Helena Marujo divulgar nos media os resultados do primeiro estudo sobre a felicidade dos portugueses o qual pode ser consultado aqui. Em síntese: um português/esa feliz:


Ora eu que tenho passado tanto tempo a queimar os neurónios e a discutir as dificuldades - quando não mesmo as impossibilidades de ser feliz - olhei paraestas conclusões e pensei: afinal, eu tinha razão. É mesmo complicado ser feliz. Quando se é casado, não se é feliz com o parceiro. Quando se é casado e feliz, não se tem um emprego satisfatório ou nem sequer se tem emprego. Outras vezes, tem-se um emprego satisfatório, mas não se gosta da aparência física... E por aí fora. Nesta, como noutras áreas, as possibilidades combinatórias são quase infinitas. Por isso, este só pode mesmo ser um perfil idealizado e, como tal, muito improvável. Até porque a conjugação simultânea no mesmo espaço/tempo de tanta variável é, no mínimo, impossível.

Por isso, o melhor mesmo é imaginarmos um futuro mais ou menos próximo em que a felicidade se venda em garrafas. Da marca Coca-Cola claro! E com fórmula secreta como convém nestas coisas. Até lá, teremos que nos contentar com o nosso (des)governo. Ele encarrega-se de nos deixar todos os dias um pouco mais felizes. E, a este ritmo galopante, é bem provável que lá para os finais de 2013 já tenhamos alcançado o nirvana. Nessa altura o Instituto da Felicidade poderá fechar as portas, pois não haverá povo mais feliz que o nosso.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Smells like content...

Novos provérbios portugueses

Robalos com alheiras (de Vinhais) se pagam.

A pão de ló dado não se olha à intenção, mas à origem (deve ser sempre de Ovar).

A "Face Oculta" da gastronomia portuguesa

O mega processo "Face Oculta" começa agora a fazer sentido para a maioria dos portugueses. Afinal, tudo não passou de uma tentativa de inventariar algumas das maravilhas da nossa gastronomia regional. Até agora, e apesar da imensa complexidade dos factos em apreço, a justiça já conseguiu com muito esforço apurar três delas, a saber: robalos, pão de ló de Ovar e alheiras de Vinhais (ler aqui).

Dão-se certamente alvíssaras a quem conseguir descobrir, no meio daquelas centenas de horas de inocente blá-blá-blá das escutas telefónicas realizadas durante meses a fio, quais eram as restantes iguarias degustadas por tão exclusivo clube de empresários  e empreendedores nacionais, certamente preocupados com a preservação da farta mesa em volta da qual costumavam sentar-se para discutir as potencialidades da riquíssima gastronomia regional. Ao que tudo indica, os agora arguidos  trocavam até entre si envelopes contendo receitas caprichadas e os respetivos segredos da sua elaborada confecção...

É por isso absolutamente compreensível o "incómodo" que Manuel Godinho - um dos promotores desta louvável iniciativa - veio agora manifestar, ao ser confrontado em tribunal com estas conversas à volta de tão melindroso (e sigiloso) assunto. Afinal todos sabemos como, nestas coisas das boas receitas da gastronomia nacional, o segredo é verdadeiramente a alma do negócio.


O "Face Oculta" até pode ser mais um beco sem saída na justiça portuguesa, mas tem pelo menos o mérito de ter elevado a cultura gastronómica nacional a um novo patamar.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

The Dog Days Are Over

Canção grata

Diego Rivera: Vendedora de Alcatraces, 1938, óleo s/ tela
















Por tudo o que me deste:
- Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...
- Obrigado, obrigado!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
- Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: - Obrigado
Por tudo o que me deste!

Carlos Queiroz, In Obra Poética,
Vol. I, Lx: Ed. Ática, 1984

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

When the day is done

Down to earth then sinks the sun
Along with everything that was lost and won
When the day is done.

Nick Drake

O estado da arte da democracia europeia

A Justiça portuguesa é cega

e só ainda não repararam nisso aqueles que, embora não sendo cegos, não querem ver que a Justiça por cá está mesmo cega de verdade, coitadinha. Ou então tem as lentes muito sujas e anda a ver mal. Por isso é que ainda há quem se espante com decisões como estas.

Ver notícia aqui e aqui

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Puxão aqui, cosmética ali, faz de conta acolá

e está quase pronto o orçamento de estado para 2012. É de louvar a capacidade inventiva revelada pelo nosso (des)governo, nesta, como em tantas outras matérias. E as soluções para a crise, então, são absolutamente originais...

Os amigos são para as ocasiões: provérbio ilustrado


 

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

You think you're cool but have you got the touch

Don't get me wrong, yeah I think you're alright
But that won't keep me warm on the long, cold, lonely night..

Sim. E depois? Qual é o problema?


Pelo menos assim a vida é bem menos monótona e tem bem mais cambiantes de cor.


A política e os seus aforismos

No atual contexto de crise política, financeira e económica já não nos podemos dar ao luxo de "atirar pérolas a porcos".

Agora, temos sobretudo que vender as poucas que possam ter sobrado para pagar a crise e aguentar "porcos com pérolas".
  
Imagem Google

domingo, 6 de novembro de 2011

Na dança, como na vida...

O nu contra o nu

Durante a silly season andei a ver os programas de Sophie Dahl e a sua engraçada mistura de livros, emoções e comida, sempre num cenário cheio de objetos vintage e até algo´anacrónicos, mas de um charme insuperável. Não resisti a comprar o livro, claro, mais pelas engraçadas e despretensiosas histórias de uma infância feliz, das viagens e aventuras da adolescência ou dos insólitos episódios da vida de uma modelo internacional, do que propriamente pelas receitas "voluptuosas"(como promete o título) e um pouco esdrúxulas de Miss Dahl. Há no entanto uma mão cheia delas que, a seu tempo, não me escaparão, a começar por uma outonal sopa de castanhas e cogumelos. Mas adiante...

O livro abre então com estas duas frases: "Para Jamie, em cuja mesa gostaria de envelhecer. Com todo o meu amor." Mais do que uma dedicatória é clara e assumidamente uma declaração apaixonada. E é também uma boa definição daquilo que é, ou deveria ser, o amor. Porque é assim mesmo. Tudo ou nada. De corpo e alma. Com voracidade e sem mas, ses ou porques. Sobretudo, sem hesitações e sem limites. E sem pré-conceitos, juízos de valor ou condicionantes. No fundo, aquilo que Magritte representou no seu "Les amants": o casal que, de olhos vendados, dá o passo irreversível na direção um do outro. O passo que até pode conduzir ao abismo, mas que se dá apenas porque é imperioso dá-lo. Apenas porque sim. Um leap of faith.
René Magritte: Les Amants, 1928, óleo s/ tela
Ou dito de outra forma "o nu contra o nu", exatamente como Manuel da Fonseca escreveu:

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Manuel da Fonseca, "Eu e tu meu amor",
in Poemas para Adriano, 1972

Ou como Alain Resnais filmou em 1959:


E ainda que não dure para sempre, ainda que, no final, traga dor e deceção; ainda que à partida já saibamos da inevitabilidade disto tudo, ainda assim, "O amor meu amor / é [mesmo] o nu contra o nu", em todos e cada um dos seus instantes únicos, irrepetíveis e, acima de tudo, verdadeiros porque, no fim de contas, só eles - os verdadeiros instantes do amor - contam. O resto é paisagem indistinta e cinzenta.
René Magritte: Les Amants, 1928, óleo s/ tela

sábado, 5 de novembro de 2011

A complexidade das coisas simples

Para conseguir estas coloridas e belas imagens que lembram pinturas naïf e que, assim de repente, até parecem resultar de uma brincadeira infantil, foram necessárias 288 mil gomas coloridas, 1 357 horas de trabalho intensivo de uma equipa de 30 pessoas, muita mas mesmo muita técnica e ainda mais imaginação.



Vias de fuga

Estrada Nacional 18: ETZ-Èvora, 5/11/2011
Quem sai agora da autoestrada Évora-Caia para entrar na N18 depara com esta ainda incipiente mas já grandiosa espécie de avenida dos campos elíseos escavada na paisagem, por onde os olhos se alongam até ao horizonte. Ao que parece a "crise", os cortes e as medidas de contenção da despesa ainda não chegaram aqui, pois o trabalho tem avançado a bom ritmo.

Ora esta obsessão nacional pela construção de mais e mais estradas, autoestradas, viadutos, pontes, linhas de tgv, aeroportos, etc - responsável, em boa parte, pela colossal dívida que acumulámos ao longo da última década - começa agora a ganhar novos sentidos. 

Parece que alguém, na posse de informação privilegiada e, por isso, antecipando o mais que previsível afundamento da "jangada", tem estado a construir as vias de fuga para que todos, sem excepção, possamos escapar daqui sem grande dificuldade e salvar a pele. O pior de tudo será apenas o inevitável congestionamento nas portagens: é que, antes de sair, será necessário pagar, está bom de ver.

Ao que tudo indica, até o atual ministro da educação anda a dar uma boa ajuda para que esta ideia da "fuga em massa" faça caminho nos nossos espíritos:
Luís Afonso, Bartoon, In Público de 1/11/2011
Assim até se entendem melhor estas palavras do secretário de estado da juventude. A única coisa que não se entende é o que diabo está ainda por aqui a fazer tal personagem, agarrado à sua "zona de conforto" político, social e profissional... 

Visto por aí

Descobri hoje, numa rua aqui bem perto, esta porta de uma pequena carpintaria artesanal pintada com motivos que lembram, ao mesmo tempo, os tradicionais móveis pintados e os listados motivos das antigas chitas de algodão. Lembra ainda a porta de entrada para uma espécie de casa das estórias contadas pelos avós e chama-se, muito adequadamente, "O baú do alentejano".

Évora, 5/11/2011

Talvez sejam estas as palavras certas

 
Ver video aqui

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A €uronovela

Ao que parece, a solução europeia para a crise das dívidas soberanas na zona €uro é sempre mais e mais dívida soberana. Algo tão simples que não se percebe como é que a "crise" ainda não está resolvida...

Do que também não restam dúvidas é que o futuro - o nosso e o das gerações mais novas - não se afigura lá muito bom, não.

E, ainda e sempre a propósito da crise, aqui ficam mais 12 pregos para o caixão da esperança de que isto ainda tenha solução: ver aqui