sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Desfolhada

Contumácia

La sottise, l´erreur, le péché, la lésine,
Occupent nos esprits et travaillent nos corps,
Et nous alimentons nos aimables remords,
Comme les mendiants nourrissent leur vermine.

Nos péchés sont têtus, nos repentirs sont lâches;
Nous nous faisons payer grassement nos aveux,
Et nous rentrons gaiement dans le chemin bourbeux,
Croyant par de vils pleurs laver toutes nos taches.

Charles Baudelaire, "Au lecteur" (excerto) In Les Fleurs du Mal,
Paris: Ed. Robert Laffont, 1980

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Puzzle sazonal

Sobre o largo passeio as folhas dos plátanos lembram peças soltas de um puzzle volátil e quebradiço que a brisa constrói e logo depois desmancha, como se quisesse apenas matar o tédio.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Alotropia

Jacques Louis David, Portrait de Madame Récamier, 1800,















Parar o tempo,
manejá-lo,
substância dócil,
reversível.

Alotropia verbal
sem duração,
pura escolha
da memória.

João José Cochofel, In Uma rosa no tempo,
Iniciativas Editoriais, 1970

Renée Magritte, Mme. Récamier de David, 1950


Agora uma... depois outra...

A somada subtracção

Os aniversários são dias estranhos porque são uma espécie de somada subtracção à conta dos anos: + 1 de idade e - 1 de vida.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Já começam a cair...

É preciso ter lata!

E este tem mesmo muita! (Dos problemas de memória é melhor nem falar): "Guterres deseja “sorte e êxito” ao esforço dos portugueses"

As iludências aparudem

Qual é a semelhança entre Jack, um carneiro inglês que pasta em Shropshire (Inglaterra), e José Castelo Branco que passa o tempo por aí?
É simples: ambos apresentam graves distúrbios de personalidade... (confirmar aqui e aqui). embora me pareça que o problema do carneiro Jack é bem menos grave, apesar de tudo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Palavras são coisas pequenas que dizem grandes coisas

A deriva política da língua portuguesa - II

"Ora acontece que, no meio da actual deriva, a língua portuguesa ocupa, com a língua francesa, o terceiro lugar de importância das línguas europeias, consta que em breve será usada por duzentos e quarenta milhões de pessoas, encontra-se distribuída por oito países de quatro continentes e o número de falantas tende a aumentar progressivamente. Não será esse uma valor a ter em conta, na ordem dos bens materiais e imateriais? E não oferecerá vantagens apurá-la e ensiná-la com melhor método e correcção? Encontrar estratégias para a sua defesa? Valorizar-lhe a plasticidade? Reconhecer na sua diversidade grande parte do seu próprio processo de enriquecimento? Concertar planos comuns entre os vários países que se exprimem através dela?

À primeira vista parece que sim. Defensores duma estratégia negociada têm-se batido nesse sentido, desde há muito tempo. Mas só agora, trinta e cinco anos depois da descolonização, parece haver o entendimento de que vale a pena promover em conjunto certas medidas necessárias para a definição duma política de língua com uma agenda comum. Recentemente, o assunto tomou mesmo uma feição de economic goal, expressão que vem a condizer com a atmosfera do tempo, e envolve todos os países por igual, sem ameaça nem temor de ressentimento por parte de outros, pois ao menos o jargão economicista ensina que a falha de um será a falha de muitos. Só que o objectivo económico exige esforços pessoais e investimentos onerosos, por parte de todos os participantes.

Aliás, o já antigo Acordo Ortográfico, assinado em 1991 pelos vários países da CPLP, e recentemente juramentado de que será aplicado quanto antes, pela nossa parte não passará de umas quantas rasuras nos nossos hábitos normais de escrever, se acaso essa aproximação, pouco mais do que simbólica, não for acompanhada de todos os outros empreendimentos anunciados, em termos de política da língua. Serão as medidas práticas tendentes a promovê-la na globalidade aquilo que justifica a alteração da grafia de umas quantas palavras, e não o contrário. Mas o assunto deve ser manipulado com a ponta dos dedos. Resta saber se toda esta arquitectura recentemente assumida irá efectivar-se ou não. Sobre semelhante incógnita, nem mesmo a brincar se deve arriscar um simples vaticínio de sala."

Lídia Jorge, Contrato Sentimental, Col. "Portugal Futuro", 2, Lx: Sextante Edª, 2009, pp. 112-113.

domingo, 25 de setembro de 2011

Finally For Me

Não parece, mas é música portuguesa.

Coisas que me abespinham, encanitam e irritam - II

na net
no mail


Mas será possível que as pessoas continuem a cair nestas vigarices?

Algo que os meus alunos precisavam ver...

(ou como a humanidade lá no fundo, no fundo, continua a conviver bem com o desrespeito pelos mais básicos direitos humanos.)
 
Deviam ver sobretudo porque, por cá, as preocupações dos jovens com a chegada à escola são bem diferentes, como ficou claramente demonstrado na Notícias Magazine nº1006 do passado 4 de setembro, dedicada à abertura do ano letivo: que trapinhos vou eu vestir hoje? No meio do turbilhão consumista e fútil (tlm, facebook, internet...) em que a maior parte deles vive mergulhado a escola é a mesmo a menor das suas verdadeiras (pre)ocupações.


How Am I Different?

sábado, 24 de setembro de 2011

Há coisas que só mesmo nas Caldas!

No meio dos papéis que, por uma ou outra razão (ou até sem razão), vou guardando descubro, às vezes, as mais estranhas coisas. De tal forma que a velha "caixa dos papéis" mais parece a caixa dos tesouros. Hoje, encontrei este pequeno anúncio publicado há já muitos anos no Público e que é uma autêntica pérola!

Na verdade, tratou-se de uma espécie de "isco" lançado para pescar uns quantos incautos que, sem falsas modéstias, acharam que até estavam à altura do desafio. Coitados, nunca receberam resposta mas, passado algum tempo, puderam ler o extenso artigo publicado no mesmo jornal com uma detalhada análise ao conteúdo dessas cartas-resposta. Tudo da autoria de uma jornalista (ou talvez socióloga?) que, enquanto mulher, desmascarava de forma impiedosa todos os tiques de um certo tipo de "macho luso" que insiste em não desarmar. Acho que o artigo também deve estar guardado na caixa dos papéis, mas não consegui encontrá-lo.

De qualquer forma, tantos anos depois da publicação do anúncio (certamente mais de uma década) os padrões masculinos definidos no brevíssimo texto continuam a pertencer ao domínio da mais pura fantasia e,  talvez por isso mesmo, se mantenham tão apelativos. Afinal, qual é a mulher que não sonhou já com o "príncipe encantado"? Até as mais conscientes de que um homem assim, só mesmo nas Caldas ou na Bordallo Pinheiro?! E deve ser por isso também que, de vez em quando e contra todas as evidências ali mesmo à frente dos nossos olhos, continuamos a esbarrar contra a parede.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Até ao fim do dia

Passamos tantas vezes pelas coisas e pelas pessoas sem as ver

XXXIV

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos como animais envelhecidos;
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede maor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor
vamos caindo ao chão apodrecidos.

Eugénio de Andrade, In As mãos e os frutos (1945-48),
Porto: Limiar, 1980

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Epigrama e não epitáfio

Numa entrevista concedida ao Público em 2008 e à pergunta "Que imagem gostava de deixar de si?" Júlio Resende respondeu assim:

"Eu já ficava muito contente se dissessem: "O fulano foi um teimoso, pintou até ao fim." Que dissessem que sou uma pessoa que acreditava nos outros, porque acredito. E por isso é que criei aqui este Lugar do Desenho. Para que as pessoas se possam inquietar um pouco com o dia-a-dia, falar uns com os outros, pôr as questões, sem se esquecerem que isso é uma questão de responsabilidade. Essa foi a ideia que quis deixar." (itálico meu; ler texto completo aqui)

Júlio Resende, Aguadeiro, 2009 (serigrafia)

Encontros, acasos

O que dizem as mãos

Necessário é satisfazer o ofício das trevas

I
Uma dor fina que o peito me atravessa,
A escuridão que envolve o pensamento,
Um não ter para onde ir cheio de pressa,
Um correr para o nada em passo lento,

Um angustiante urgir que não começa,
Um vazio a boiar no alheamento,
Uma trôpega ideia que tropeça
No vácuo de um estranho abatimento.

É tédio? É depressão? Talvez loucura?
É, para um além de mim, passagem escura?
Um ir por ir que não tem outro lado?

É, sem máscaras, a esperança enfim deposta,
Ou no extremo da verdade exposta
A ironia feroz de um deus calado?

Natália Correia, Sonetos românticos, (1990),
Lx: D. Quixote, 2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Wondrous hymn

Andamos todos a "pensar o país", chegamos quase sempre à mesma conclusão

mas não passamos daí

"Pensar o meu país. De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso. Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso, mas que vive dentro do artifício. O Alemão é uma broca ou um parafuso, mas que tem o feitio de uma broca ou de um parafuso. O Italiano é um histérico, mas que se investe da sua condição no parlapatar barato, na gritaria. O Inglês é um sujeito grave de coco, mas que assume a gravidade e o ridículo que vier nela. Nós somos sobretudo ridículos porque o não queremos parecer. A politiqueirada portuguesa é uma gentalha execranda, parlapatona, intriguista, charlatã, exibicionista, fanfarrona, de um empertigamento patarreco — e tocante de candura. Deus. É pois isto a democracia?"

Vergílio Ferreira, in Conta-corrente II - 1977-1979, Bertrand, 1992

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Walk the Road

Depoimento

De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não, nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.

A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia.
Apesar de saber
Que quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.

Miguel Torga, Poesia completa II, Lx: D. Quixote, 2007

Entrevista em tom "água de rosas"

O tom suave e mavioso da voz bem colocada e trabalhada com que o 1º ministro respondeu às perguntas durante a entrevista de hoje na RTP1 (e que lhe é muito peculiar) faz-me sempre pensar a mesma coisa: o homem deve bochechar diariamente com água de rosas, daquela que se compra nas farmácias e vem em frascos cor de rosa. Só pode!


Aliás, toda a entrevista decorreu em tom de quem está a aspergir água de rosas nos nossos ouvidos para atenuar o mau cheiro que empesta os ares. A tal ponto que até vamos dormir mais descansados esta noite a fingir que não percebemos que estamos todos - incluindo o primeiro-ministro e o seu teórico governo - à mercê dos ventos dominantes e dos maus cheiros que eles trazem consigo.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Um certo retrato do país

Suponho que o tipo de crimes cometidos num país também diz alguma coisa sobre o verdadeiro estado da nação numa certa época e sobre o caráter dos seus respectivos autóctones. Talvez bem mais do que certos estudos sociológicos.

Dão por isso que pensar os títulos das notícias publicadas em alguns jornais nacionais (no caso, o Diário de Notícias e o Correio da Manhã de ontem e hoje):
Violador dos elevadores já está na cadeia
Atiram ácido à cara de ladrões de ourivesaria
Sintra: Filhos menores viram pai, de 45 anos, saltar da janela de casa, um sétimo andar
Chefe de polícia detido pelo SEF já fora punido em processos disciplinares
MP acusa homem de abusos às suas enteadas
Homem ateou fogo em mulher no meio da rua
Amarante: Detido presumível autor de tentativa de homicídio a ex-companheira
79 casos de abuso sexual de crianças dão 8 acusações
...
Dá até medo pensar no que, por estes dias que vivemos, tais títulos revelam acerca do verdadeiro estado de espírito da nação e dos nacionais. Anda mesmo muita raiva, muito ódio, muita frustração e muita insatisfação por aí à solta...

domingo, 18 de setembro de 2011

Baile de máscaras

Cortar nas gorduras do estado

Sempre que os opinion makers cá do retângulo vêm dizer que é imperioso cortar nas "gorduras do estado", imagino logo uma versão estatal do "Biggest Loser", sob a sábia (ou talvez lábia) batuta da Júlia Pinheiro, com os obesos todos - assessores, diretores, secretários, ministros e ministérios, deputados,administradores, mordomias e mordomos, etc. etc. - ali a fazer exercício a sério e a doer para queimar as tais gorduras excessivas do estado. Tudo, claro está, com o alto patrocínio da Maçonaria.

Exemplifico aquilo que pretendo dizer com este excelente candidato em versão "antes e depois":


Claro que, com tal gosto para escolher a roupa interior, logo depois de emagrecer teria, forçosa e urgentemente, que passar ainda pelo "Fashion Squad" para renovar o guarda-roupa...

Consequências imprevistas do Acordo Ortográfico

Uma que me chamou a atenção agora que ando a estudar o dito AO para o poder ensinar aos meus alunos (que remédio!) foi esta: até a palavra ereção ficou mais curta. Deve ser complicado, sobretudo atendendo ao fétiche nacional com a característica oposta. Aqueles que já tinham problemas ou eram complexados por natureza veem agora a sua vidinha mais dificultada. O que vale é que tem remédio: rir à gargalhada de todos estes políticos e das suas decisões manhosas que é a melhor maneira de os mandar olhar pelo binóculo a ver se descobrem o órgão em causa...

Imagem Google
Tudo isto para anunciar que a Caneta está em vias de capitular, no que à ortografia diz respeito, uma vez que se torna muito complicado manter a norma anterior e, ao mesmo tempo, ensinar e aplicar quotidianamente as novas regras na sala de aula... Há pois que tomar decisões drásticas...

sábado, 17 de setembro de 2011

Above a Desert I've Never Seen

Somos como pão para a boca dos grandes

ou a universal antropofagia

Pieter Brueghel, o velho; Les gros poissons mangent les petits; c.1556/57 
"Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer.
(…)
Já se os homens se comeram somente depois de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós.
(…)
Nestas palavras, pelo que vos toca, importa, peixes, que advirtais muitas outras tantas cousas, quantas são as mesmas palavras. Diz Deus que comem os homens não só o seu povo, senão declaradamente a sua plebe: Plebem meam, porque a plebe e os plebeus, que são os mais pequenos, os que menos podem e os que menos avultam na república, estes são os comidos. E não só diz que os comem de qualquer modo, senão que os engolem e os devoram. Qui devorant. Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos inteiros: Qui devorant plebem meam. E de que modo os devoram e comem? Ut cibum panis: não como os outros comeres, senão como o pão.”

Padre António Vieira, In Sermão de Santo António aos Peixes, 1654 (excertos)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Isto é o que se chama "dar flôres a contenentais"

Ou será ao contrário? O discurso político nacional em bom vernáculo e no seu melhor. No fundo, aquilo a que "o líder da Madeira" sempre nos habituou.

Eh pá, a dívida é uma cena que não me assiste!


1.113 milhões de euros de dívidas contraídas pelo Governo Regional da Madeira desde 2004 e não declaradas!?? E que obrigam à revisão dos défices de 2008, 2009 e 2010??? (ler aqui) Não faz mal!  A gente paga, claro. Era o que faltava!

PS - Tenho cá a sensação de que os 50% que restavam do meu subsídio de Natal a haver já foram à vida.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Star Charmer

A única certeza

Ao final de cada dia sucede o começo de um outro dia. É esta a única certeza, mas até ela é transitória pois lá virá um dia ao qual não sucederá absolutamente nada.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Voz encantatória

Parábolas

Isso a que chamas
luto pode ser
simplesmente o nome
de outra dor
mais funda. Nem
sempre as palavras
dizem o que diz o seu sentido. São
às vezes máscaras
perfeitas, outras
como sudários, rostos
esculpidos no mármore
das lágrimas. São
umas vezes parábolas; outras,
palinódias.
Palimpsestos.

Albano Martins, In  Palinódias, palimpsestos,
Porto: Campo das Letras, 2006.

Coisas que me abespinham, encanitam e irritam

e logo hoje que as notícias sobre a leitura em Portugal, por uma vez, não dependem de mistificações pagas a peso de ouro (ver aqui):


E porque não:
Os Maias, com Vampiros?
Os Lusíadas, com Vampiros?
O Memorial do Convento, com Vampiros?
O Esplendor de Portugal, também com Vampiros, claro.

Este novo filão vampiresco promete ser inesgotável.
A minha paciência é que não.

Como se fosse uma banda sonora pessoal


A música de Bernardo Sassetti para o filme "Alice" de Marco Martins.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Les uns et les autres



Excerto do filme "Les uns et les autres" de Claude Lelouch, 1980:"Bolero" de Ravel com coreografia de Maurice Béjart, dansada par Jorge Donn.

Narciso no ciberespaço


Caravaggio, "Narciso", 1546-1548, óleo s/ tela
"Nós e os outros. É assim que se definem todas as identidades, desde o início dos tempos. (...) Agora tomou novas formas e reforçou-se no ciberespaço.

Pela internet, através das redes sociais e das suas capacidades para tornar mais fácil encontrar quem é igual a nós, quem connosco partilha valores e ideias, mesmo que esteja a milhares de quilómetros de distância. Assim, ligados através de relações virtuais, podemos esquecer aqueles com quem não nos entendemos. Ou não precisamos de fazer qualquer esforço para nos entendermos."

É também aquilo a que Nicholas Negroponte chamou o Daily Me  em Being Digital (Newsday, 1996): "Em vez de Daily News, as notícias que nos chegam pelos meios de comunicação de massas e têm de agradar ou interessar a vários tipos de pessoas, um Daily Me seria feito apenas com informação que nos interessa.  Isto acontecerá quando toda a informação nos chegar através daquilo a que já se chama a internet 2.0, todas as coisas que nos aparecerão perante os olhos serão as que nós já previamente estamos dispostos a ler, através de motores de busca e robôs de procura que conhecem as nossas opções prévias - ou seja, sem surpresa, sem contacto com o diferente, sem estranheza."

"O advento dos blogues teve o mesmo efeito nas nossas vidas. Permitiram que seleccionássemos a opinião que nos interessa ler, agrupada em sites onde as semelhanças eram sempre maiores do que as diferenças. E se quiséssemos simplesmente ficar no nosso confortável casulo ideológico bastava que não procurássemos os blogues com os quais não concordávamos.

Este é um cenário perigosíssimo que retira da humanidade tudo o que lhe trouxe o advento da modernidade e do renascimento - o modelo encicloédico em que o homem é tanto maior quanto mais conhecimentos tocar. Que retira o prazer da surpresa, de encontrar algo novo, de ser confrontado e de, nesse choque, evoluir. Nestes fechamentos sucessivos não poderemos sequer surpreender-nos com eventos como os que aconteceram em Londres - em que uns não reconhecem simplesmente a lei, a ordem, a economia e a civilidade dos outros."

Catarina Carvalho, In Notícias Magazine, 1004, 21/8/2011(texto com supressões)

Candles In A Church

O relógio

Salvador Dali, A Hora Triangular, 1933
 


























- adereço conceptual para usar no pulso -

Pára-me um tempo por dentro
passa-me um tempo por fora.

O tempo que foi constante
no meu contratempo estar
passa-me agora adiante
como se fosse parar.
Por cada relógio certo
no tempo que sou agora
há um tempo descoberto
no tempo que se demora.

Fica-me o tempo por dentro
passa-me o tempo por fora.

José Carlos Ary dos Santos, In Obra Poética,
Lx: Avanta, 2004.

domingo, 11 de setembro de 2011

Arqueologia das palavras

"Os cientistas não podem ser uns chatos", dizia Nuno Crato numa entrevista de Sara Figueiredo Costa para a revista "Os meus livros" (nº 64, Junho 2008).

A pergunta que se lhe poderia agora colocar é: E os ministros, podem?

Mínimas

ou a pescadinha de rabo na boca:

"não consigo aquilo que quero, 
mas quero aquilo que consigo"*

às vezes
não quero aquilo que consigo
nem consigo aquilo que quero

--------      -------
* FERRANDO E GUILELMO
(Ripetono due intieri con un sospiro.)

Non può quel che vuole,
Vorrà quel che può.

Wolfgang Amadeus Mozart,
In Così fan tutte, ossia La scuola degli amanti,
Acto II, Cena 2, 1790.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Dar o corpo à música

Esclarecimento

Quando estamos cansados
deitamos o corpo
e adormecemos

às vezes não

procuramos outra mão
outros olhos
que nos limpem a fadiga
e evitem o sono
que nos vem antigo

quando estamos cansados
podemos o erguer o corpo
e acordar
e morrer acordados
sem cansaço

Mário-Henrique Leiria, In Novos Contos do Gin,
Lx: Ed. Estampa, 1973

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Música de afectos

Garda é o petit nom de Hildegarda Oliveira que, aos quase 80 anos, canta numa voz sem idade mas plena de maturidade e de identidade. Música dos afectos, a lembrar que envelhecer também pode ser tranquilo.

Poético alimento

Ana Mercedes Hoyos, "Bodegón de la Bahía", 1992
  




















presente do indicativo

entro na cozinha. ela está no meio dos legumes,
lava e enxuga folhas tenras de alface, endívias
de oblonga contextura, corta a cebola às
rodelas, pica um ramo de coentros,
hesita um pouco sobre o roquefort, é certeira no vinagre e no sal,

e prudente no azeite, o ovo cozido espera a sua vez e a
saladeira aguarda na mesa junto aos azulejos brancos.
ela procura os talheres de madeira na gaveta,
pede-me qualquer coisa, a lâmina reluz sobre a tábua, perto do pão.
a preparação da salada requer vários gestos precisos

e uma poética discreta nos brilhos frisados, nos
paladares, pela janela chegam ruídos da rua,
campainhas de bicicleta, ressaltos de uma bola,
o cão dormita no sofá, uns versos populares comparam
os olhos dela a azeitonas pretas.

Vasco Graça Moura, In A Furiosa Paixão pelo Tangível, Quetzal, 1987

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Aos 72 "The Party Ain't Over"

Para Wanda Jackson, estrela rockabilly dos anos 50, "The Party Ain't Over". Por isso, aos 72 anos, está de volta numa parceria com Jack White. E este cover de Bob Dylan "Thunder On The Mountain" é a prova disso mesmo. Não é para todo/as, não.

A crise: uma conveniente mi(s)tificação?

Vamos por partes: os noticiários estão entupidos de notícias e reportagens alargadas sobre pessoas e famílias em dificuldades devido à crise, ou seja, ao sobrendividamento, ao desemprego, aos problemas familiares, ao aumento brutal do custo de vista, à diminuição ou extinção dos subsísios e ajudas do estado, etc. etc. Nomeiam-se instituições de solidariedade também elas já com dificuldade em dar resposta a tanta gente. Todos os dias o (des)governo anuncia solenemente mais cortes nos financiamentos, novos aumentos de impostos ao consumo e muitas outras medidas restritivas que, mais do que condicionar, nos vão infernizar a vida nos próximos tempos, justificando-as com a vontade de ir ainda mais além do que a troika nos exigiu.

E contudo, nunca os ricos foram tão ricos (ver aqui). Os Bancos, esses coitadinhos a quem o estado acha que deve dar os milhões dos nossos impostos,  e apesar da crise que está a afectar a economia a nível global (dizem eles), continuam a apresentar lucros espantosos (ver aqui).

As maiores empresas portuguesas, estranhamente,  não param de crescer e algumas - Sonae, Jerónimo Martins, etc. - para tentarem ganhar terreno sobre as concorrentes dão-se até ao luxo de gastar milhões em campanhas publicitárias agressivas e contínuas (ver aqui).

As grandes empresas, incuindo as do estado, continuam a pagar ordenados milionários aos seus gestores, para além de outras benesses, como se nada se passasse.

As não sei quantas publicações da imprensa cor-de-rosa tiveram dificuldade em arranjar espaço para noticiar e divulgar tantas festas de verão nos sítios mais "in" do país, as viagens, os looks mais ou menos extravagantes, mas sempre com griffe, os bólides do momento, etc. etc. dos socialites mais ou menos oficiais cá do sítio.

Parece sempre haver espaço e público para mais um festival de verão, ou dois, ou três, ou várias dezenas. Parece haver sempre clientela mais do que suficiente para encher os sítios mais "in" do momento: restaurantes de luxo, bares, discotecas, etc. etc.

Não será de nos interrogarmos: Mas qual crise, afinal? Não será tudo isto, sobretudo, uma grande mi(s)tificação, arranjada por quem está interessado em acabar com o estado dito social e com a classe média tirando-lhe tudo aquilo que, com tanto esforço e luta, ela tinha conseguido nestas últimas décadas? Não estaremos a construir uma sociedade em que os que tudo têm farão a caridadezinha de ajudar, de vez em quando (quando estão bem dispostos), os que tudo perderam?

Se não quer ser social, não estou muito bem a ver para serve então o Estado, ou melhor, este Estado que nos suga até ao tutano em nome do bem comum(!?) para, depois, nos dar um valente pontapé no traseiro e nos mandar bater à porta das instituições de solidariedade social. Se é assim, bem podíamos escolher um qualquer outro sistema de governação: o feudalismo, por exemplo. Na prática, se calhar, até não ficava muito diferente daquilo com que vamos ficar lá para 2013.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

"Ministério de perguntas cretinas" e das máximas espertinhas

...
Um desmaio pode acontecer em Junho?

A vida dos desenhistas é cheia de riscos?

Quem mata a sede vai preso?

Um músico pode ser preso por emitir notas falsas?

A mulher do actor de teatro, quando ele chega tarde em casa faz uma cena?

Um cego pode ser visionário?

Um acto de loucura pode ser representado no teatro?

Se cinquenta anos é idade madura, setenta é podre?

Os dermatologistas têm a sensibilidade à flor da pele?

Um sujeito de boa estampa deve ser reproduzido?

Quando o guarda-sol se abre, faz sombrinha?
...

Millôr Fernandes, in Pif-Paf, Antologia organizada por João Pereira Coutinho,
Lx: "O Independente", 2004

E por falar em Millôr Fernandes, que é um dos meus autores preferidos,  aqui ficam mais umas máximas que são o máximo:

domingo, 4 de setembro de 2011

Tudo indica que a crise está como a procissão: ainda agora vai no adro...

"A dividocracia" ("Debtocracy" no original) é um documentário dos jornalistas Katerina Kitidi e Aris Hatzistefanou sobre "a crise mundial, europeia, grega"  e tem exibição gratuita em http://www.debtocracy.gr/. Vale bem a pena gastar uma hora a vê-lo.

sábado, 3 de setembro de 2011

Acordes com arroz

Poeta sabe

Entrevista

Telefonam-me do jornal:
- Fale de amor-
diz o repórter,
como se falasse
do assunto mais banal.

- Do amor? - Me rio
informal. Mas
ele insiste:
- Fale-me de amor-
sem saber, displicente,
que essa palavra
é vendaval.

- Falar de amor? - Pondero:
o que está querendo, afinal?
Quer me expor
no circo da paixão
como treinado animal?

- Fala...- insiste o outro
- Qualquer coisa.
Como se o amor fosse
“qualquer coisa”
prá se embrulhar no jornal.

- Fale bem, fale mal,
uma coisa rapidinha
- ele insiste,como se ignorasse
que as feridas de amor
não se lavam com água e sal.

Ele perguntando
eu resistindo,
porque em matéria de amor
e de entrevista
qualquer palavra mal dita
é fatal.

Affonso Romano de Sant'anna

Mieux vaut n'penser à rien / Que n'pas penser du tout

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Coisas que se podem fazer numa 6ª feira à noite

No filme High Fidelity de Stephen Frears, adaptado do romance homónimo de Nick Hornby, há a certa altura uma cena em que Rob Fleming (John Cusack), a propósito da namorada (Laura) de quem se tinha separado, faz uma lista das cinco características dela de que sente mais falta.

Depois de rever o filme dei comigo a fazer listas mentais com as cinco coisas que mais gosto ou detesto nas pessoas que melhor conheço. O resultado foi surpreendente até para mim e desconfio que poderia mesmo ser catártico se as partilhasse e discutisse abertamente com algumas dessas pessoas. 

Ou talvez não, que o pessoal agora é mais meia bola e força, pois não tem tempo a "perder" com estes preciosismos de se conhecer melhor a si e aos outros. Isso é coisa dos filmes e de quem não tem nada de mais interessante para fazer numa sexta-feira à noite.

Associação de ideias

Sempre que ouço em directo na televisão as aulas do professor Gaspar sobre os cortes na despesa dos cidadãos anónimos (os cortes na despesa do estado fazem parte de uma outra história muito mal contada porque é sempre ao bolso dos contribuintes que acabam por vir parar), começa a passar na minha cabeça um certo clip da saga "Life of Brian" dos Monty Python, pois imagino ser exactamente isto que, por estes dias, os nossos excelsos (des)governantes nos estão a fazer e, ainda por cima, acham que devemos andar contentes, optimistas e a "olhar sempre para o lado bom da vida" (ver aqui)...


Ah, e o meu aplauso para os visionários Monty, claro!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Setembro blues

Setembro começou com trovões - ora longínquos, ora mais próximos - e uma chuva densa e fresca como se alguém, lá em cima, andasse a arrastar móveis para poder lavar muito bem o chão das nuvens de toda a poeira acumulada durante o verão. Uma espécie de "grande limpeza" natural que deixou um ar mais límpido, carregado de aromas silvestres, uma frescura que arrepia a pele e uma luz coada pelas nuvens cinzentas e pesadas.  Mas, nestas primeiras chuvas de final de verão, há sobretudo qualquer coisa de suave, pungente e sinestésico que nos invade e nos arrasta para uma espécie de limbo quieto e nostálgico ao mesmo tempo.

Passei o dia em casa a organizar coisas dispersas e, sobretudo, a rasgar muitos dos papéis que se foram acumulando em camadas desiguais ao longo dos últimos meses, sempre com música de fundo para disfarçar a angústia deste reencontro intencional com as pequenas memórias desiguais de um tempo ainda recente. 

Porém, como as grandes limpezas e arrumações sempre me pareceram uma manifestação exterior da vontade interior de mudar alguma coisa, espero bem que esta minha arrumação inicial e mental de setembro seja um prenúncio positivo.

De volta

àquela ligeira sensação de compressão no peito que me força a respirar fundo de quando em vez para repor os níveis de O2 e esperar que passe a vontade de esganar alguém ou alguma coisa. Também há quem lhe chame rotina.

Évora, Praça do Sertório, 30/8/2011