quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Poético alimento

Ana Mercedes Hoyos, "Bodegón de la Bahía", 1992
  




















presente do indicativo

entro na cozinha. ela está no meio dos legumes,
lava e enxuga folhas tenras de alface, endívias
de oblonga contextura, corta a cebola às
rodelas, pica um ramo de coentros,
hesita um pouco sobre o roquefort, é certeira no vinagre e no sal,

e prudente no azeite, o ovo cozido espera a sua vez e a
saladeira aguarda na mesa junto aos azulejos brancos.
ela procura os talheres de madeira na gaveta,
pede-me qualquer coisa, a lâmina reluz sobre a tábua, perto do pão.
a preparação da salada requer vários gestos precisos

e uma poética discreta nos brilhos frisados, nos
paladares, pela janela chegam ruídos da rua,
campainhas de bicicleta, ressaltos de uma bola,
o cão dormita no sofá, uns versos populares comparam
os olhos dela a azeitonas pretas.

Vasco Graça Moura, In A Furiosa Paixão pelo Tangível, Quetzal, 1987

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