segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A deriva política da língua portuguesa - II

"Ora acontece que, no meio da actual deriva, a língua portuguesa ocupa, com a língua francesa, o terceiro lugar de importância das línguas europeias, consta que em breve será usada por duzentos e quarenta milhões de pessoas, encontra-se distribuída por oito países de quatro continentes e o número de falantas tende a aumentar progressivamente. Não será esse uma valor a ter em conta, na ordem dos bens materiais e imateriais? E não oferecerá vantagens apurá-la e ensiná-la com melhor método e correcção? Encontrar estratégias para a sua defesa? Valorizar-lhe a plasticidade? Reconhecer na sua diversidade grande parte do seu próprio processo de enriquecimento? Concertar planos comuns entre os vários países que se exprimem através dela?

À primeira vista parece que sim. Defensores duma estratégia negociada têm-se batido nesse sentido, desde há muito tempo. Mas só agora, trinta e cinco anos depois da descolonização, parece haver o entendimento de que vale a pena promover em conjunto certas medidas necessárias para a definição duma política de língua com uma agenda comum. Recentemente, o assunto tomou mesmo uma feição de economic goal, expressão que vem a condizer com a atmosfera do tempo, e envolve todos os países por igual, sem ameaça nem temor de ressentimento por parte de outros, pois ao menos o jargão economicista ensina que a falha de um será a falha de muitos. Só que o objectivo económico exige esforços pessoais e investimentos onerosos, por parte de todos os participantes.

Aliás, o já antigo Acordo Ortográfico, assinado em 1991 pelos vários países da CPLP, e recentemente juramentado de que será aplicado quanto antes, pela nossa parte não passará de umas quantas rasuras nos nossos hábitos normais de escrever, se acaso essa aproximação, pouco mais do que simbólica, não for acompanhada de todos os outros empreendimentos anunciados, em termos de política da língua. Serão as medidas práticas tendentes a promovê-la na globalidade aquilo que justifica a alteração da grafia de umas quantas palavras, e não o contrário. Mas o assunto deve ser manipulado com a ponta dos dedos. Resta saber se toda esta arquitectura recentemente assumida irá efectivar-se ou não. Sobre semelhante incógnita, nem mesmo a brincar se deve arriscar um simples vaticínio de sala."

Lídia Jorge, Contrato Sentimental, Col. "Portugal Futuro", 2, Lx: Sextante Edª, 2009, pp. 112-113.

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