sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

... comme toi, j'ai essayé de lutter de toutes mes forces contre l'oubli, comme toi j'ai oublié nevers, ma nevers à moi...

Serra d'Ossa: 1/1/2015

Regressar hoje aos lugares da minha infância seria caminhar sobre terra queimada, pois tal como as águas de um rio não passam duas vezes sob a mesma ponte, também não é possível vivenciar duas vezes a mesma experiência, a mesma sensação ou a mesma emoção de um tempo em que tudo era novo e palpitante de possibilidades. Para mim, nesses lugares do passado, não há agora mais do que vestígios dispersos da silenciosa implosão que o tempo operou sobre todas as coisas que foram.
... sim, também eu já esqueci nevers, a minha nevers pessoal... 
Também porque já não existem ou estão mudadas as pessoas que povoaram esses tempos da infância. Seguiram caminhos diversos, distintos dos meus. Se me confrontasse com elas, hoje, nem saberia o que dizer-lhes. E quantas dessas pessoas com quem me cruzei diariamente ao longo de anos me reconheceriam? Muito poucas, decerto. Nem poderia ser de outro modo porque, da criança que então fui, muito pouco resta em mim. Se calhar, nada até. A estranheza seria, portanto, mútua: para elas, também eu não passaria agora de uma desconhecida, talvez mesmo uma intrusa nas suas próprias memórias sobre esses tempos longínquos. 
...sim, também eu já esqueci nevers, a minha nevers pessoal...
Mas não somente as pessoas, os próprios sítios, antes tão familiares que seria capaz de os percorrer de olhos fechados, me parecem irreconhecíveis: telhados caídos, casas derrubadas ou erguidas, muros acrescentados, caminhos alterados… Ou talvez sejam as imagens guardadas na minha memória que ficaram deformadas pelo curso inexorável dos anos.... Seja como for, não passam de peças soltas que deixaram de encaixar no lego das minhas recordações de infância porque, na verdade, é a minha própria infância que já não existe. Evoluiu para dar lugar ao que se convencionou chamar adolescência e depois idade adulta. Ou seja, outra coisa, que decorre noutro tempo, com outras pessoas e noutros lugares. Irremediavelmente. 
... sim, também eu já esqueci nevers, a minha nevers pessoal...
Hoje, os lugares que me movem não são os que me ligam a um tempo particular, mas aqueles que, de certa forma, fui tornando meus porque os quis, os precisei, ou, talvez mais acertadamente, porque os aceitei. E os únicos lugares que ainda me comovem são aqueles onde estão os meus, palavra interessante por duas razões que se implicam mutuamente: meus por, lá dentro, também estar eu, e, meus, por serem os que estão à volta de eu. Lugares pequenos, portanto. Lugares áridos, às vezes. Lugares de estranheza, quase sempre. Lugares de desconforto, também. Coordenadas seguras para explicar quem não sou e, sobretudo, aquilo que, demasiadas vezes, não digo ou não faço 
por isso, sim, também eu já esqueci nevers, a minha nevers pessoal...

Serra d'Ossa: 1/1/2015

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