Évora; 24/12/2012 |
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Frases de cabeceira - 14
Estou em Sines e sinto-me bem. E estou lá, também, porque não tenho outro sítio nenhum para ir. Cheguei a um ponto da minha vida que não há sítio no mundo para onde se possa ir viver e ser feliz. Sines é um lugar onde tenho conforto, onde me protejo, onde ninguém me aborrece, onde posso ter uma vida diferente, sem ser autor... Sou pelo profissionalismo do escritor e da edição... mas preciso de recarregar baterias, de me proteger do mundo, também. E, lá, nada me interrompe a vida.
Al Berto, in Diários,
Assírio e Alvim, 2012
domingo, 30 de dezembro de 2012
sábado, 29 de dezembro de 2012
Desejos de Novo Ano
Tão impossíveis quanto possível. Como convém nestas ocasiões.
Este (Satisfied Mind) nem com 12 mil passas lá iria...
Este (Satisfied Mind) nem com 12 mil passas lá iria...
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Dois pesos e duas medidas
Num país governado(?) por este, quem é que pode levar a mal este?
(Eu cá não. Pois se nem os especialistas duvidaram dele...)
Mas afinal o que é que falta a esse tal de Artur Baptista da Silva para ser "especialista"? Um diploma da Lusófona?...
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
Frases de cabeceira - 13
Só há dois tempos na vida: o imediatamente ou o malogradamente. Ou é agora ou é tarde demais.
Pedro Chagas Freitas, in Livro de Aforismos e Mentiras Universais,
Fábrica de Escrita
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
A mensagem de Natal
Sobre a habitual mensagem de Natal do primeiro-ministro à qual, aliás, fiz muita questão de não assistir pois tenho mais e melhor em que ocupar o tempo, só tenho uma coisa a dizer: não tenho dúvida de que perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado. De discursos e de políticos (bac)ocos e suas promessas vãs estamos todos fartinhos. E, no meu caso pessoal, estou-me a borrifar para a esperançazinha desse tal "futuro próspero" que o 'Pedro', pelos vistos, me vai "oferecer".
E o pior de tudo é que, daqui a uma semana, ainda vou ter que gramar com as costumeiras tretas do Sr. Silva... (deve ser carma, ou algo assim do género.)
E o pior de tudo é que, daqui a uma semana, ainda vou ter que gramar com as costumeiras tretas do Sr. Silva... (deve ser carma, ou algo assim do género.)
Mas agora me lembro deste anúncio publicado aqui há uns tempos no Jornal do Fundão e interrogo-me: será que obteve resposta? Era capaz de comprar um também, talvez ainda fosse a tempo de salvar o ano novo.
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Às vezes somos um país mesmo “porreiro, pá!”
Nesta fase do ano os telejornais
regurgitam reportagens sobre os almoços natalícios
oferecidos aos sem-abrigo dos grandes centros urbanos de norte a sul
do país. Mostram-se os pratos bem cheios como se eles pudessem
fazer esquecer, neste único dia, os restantes 364 de provação e
privação, ou talvez a intenção seja mesmo anestesiar (nos
sem-abrigo e nos espectadores) a consciência de que, mais do que
comida no prato, o que falta mesmo é a esperança de, no próximo
ano, já não precisarem destas iniciativas para poderem comer uma
refeição melhorada. E parece-me bem que, sem essa esperança, toda a comida
que enche os pratos nestas almoçaradas solidárias deve ter um
travo bem amargo. Aliás, basta ver a expressão no rosto dos
comensais e a forma como a maior parte deles tenta evitar a todo o
custo as câmaras de televisão que insistem em mostrar-lhes a cara. Afinal, para os que pouco ou nada têm, nem no Natal há almoços grátis.
Depois, claro, há essa grande obra de
caridade da Sra. Jonet que periodicamente nos vem pedir alimentos
para depois redistribuir pelos que mais precisam. E, apesar das
ideias um pouco confusas da senhora sobre o nível de vida da grande
maioria dos portugueses, a verdade é que temos sorte em ter por cá
uma instituição como o Banco Alimentar que vai matando por aí a
fome a muita gente neste país.
Só é pena que todo este espírito
caritativo não chegue para dar o almoço às crianças cujos pais
deixaram de poder pagar o valor das refeições escolares (ver aqui). Pena maior
por isso estar a acontecer justamente nas escolas públicas que, por serem
(pelo menos no papel) o lugar da “inclusão” e da “formação
integral dos futuros cidadãos” deviam ser, justamente, as
primeiras a identificar e responder a estas situações. Pena,
sobretudo, por isso estar a acontecer com as poucas crianças de um
país tão velho que a pirâmide demográfica até já está
invertida. E tanto se me dá que essas crianças sejam portuguesas ou
filhas de imigrantes. Elas são é seres humanos a quem foi
intencionalmente recusado um prato de comida num refeitório escolar.
Pode parecer coisa pequena no panorama mais vasto do drama social que
estamos a viver, mas na verdade não é bem assim. Se calhar são
gestos destes que fazem os maiores estragos, pois são os que revelam
o verdadeiro carácter de uma sociedade. E não há dúvida: às
vezes somos um país mesmo “porreiro, pá!”.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
domingo, 23 de dezembro de 2012
sábado, 22 de dezembro de 2012
Retrato de família
Ivan Kulikov: Família à mesa; 1938 |
Fomos sempre três àquela mesa onde
era servido um costumeiro silêncio carregado
de recriminações, de culpas e de
ressentimentos.
Fomos sempre três àquela mesa
onde, ao longo dos anos,
cada um dos convivas foi encontrando
o seu próprio ponto de fuga
para disfarçar o incómodo:
o prato, a televisão ou a janela
por onde o bulício citadino entra na
casa.
Fomos sempre três àquela mesa
onde era preciso evitar a todo o custo
que os olhares se cruzassem
para que a discussão não fizesse
esquecer a comida quase fria nos pratos.
Fomos sempre três àquela mesa
onde todos comíamos à pressa
(mesmo nos dias em que havia tempo),
porque naquele silêncio tenso
a proximidade física era quase
insuportável.
Na verdade, no centro da velha casa
familiar com paredes de pedra e taipa,
o que sempre houve foi três mesas
separadas
onde cada um de nós, por hábito ou
conformismo,
se sentava para comer a sós consigo
mesmo,
mas ao mesmo tempo que os outros dois.
Às vezes ainda somos três sentados àquela mesa
feita de três mesas diferentes e
incomunicantes.
A dor disso é que, com o tempo, se foi tornando diferente.
Ou talvez estejamos agora tão habituados
a ela
que quase já não a sentimos.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
No fim de tudo
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
"The spice of life"?
Ainda assim, a realidade confronta-nos com situações, pessoas, momentos que conseguem, para o melhor ou para o pior, suplantar toda a imaginação.
Há quem lhe chame "the spice of life".
Talvez...
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Frases de cabeceira - 12
A decisão é, frequentemente, a arte de ser cruel a tempo.
Dulce Maria Cardoso, in O Chão dos Pardais.
Lx: Asa/Leya, 2009, 1º ed.
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Pedra-de-toque
Moises Gonzáles e Kattaca: O beijo |
Vejo-te à minha espera do outro lado da praça
e mesmo a esta distância já te percebo nos olhos
o brilho incisivo da urgência.
Mas eu atravesso o largo
observando como a chuva e o vento
realçam o verde dos arbustos,
sem pressa de chegar.
E quando na tua mão recolhes a minha
logo te sinto nos dedos um tremor,
não de hesitação, mas de expectativa..
Contudo, algo em mim continua suspenso
- talvez até na defensiva -, à espera de
alguma coisa em ti que parece
ainda não ser perceptível a olho nu.
Quase sem aviso, a tua boca começa então a falar
a secreta linguagem dos beijos e nela identifico
ainda um leve aroma de café e medronhos destilados.
Agradável, é certo, mas não inebriante.
Ouço-te as palavras sedutoras, sorridentes e
de ocasião. Sorrio-te também, é verdade. Mas é por dentro
que ainda não respondo ao teu apelo.
Impassível, é do lado de fora que observo
a até agora quase banal cena de sedução.
Então, num gesto descuidado - talvez mesmo distraído -,
o teu indicador varre-me da comissura do lábio
uma inexistente partícula.
E é mesmo aí, no epicentro desse quase involuntário toque,
que uma invisível vibração toma forma para depois
se estender a todo o corpo.
Exactamente do mesmo modo que uma pedra atirada
com displicência à superfície lisa das águas consegue,
às vezes, fazer os mais exuberantes ricochetes e
despertar a subterrânea corrente do seu torpor.
E o meu corpo, até aqui em mudez obstinada,
começa de repente a falar...
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
sábado, 15 de dezembro de 2012
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Os (des)caminhos da Europa
"Esta crise, apesar de tudo, não tem a mesma dramaticidade, a da capacidade mortal da bomba atómica. Vivemos ainda sob hipoteca desse tempo e fingimos que a bomba atómica não existe e ainda bem. A ameaça agora é de outro género. Esta Europa, que era uma espécie de exceção no sentido de uma certa exemplaridade e bem-estar a vários níveis, tem o seu futuro nebuloso porque está envolvida num projeto de inventar um outro tipo de futuro, uma Europa nação, e isso está em estado de esboço e meio paralisado.
(...)
Está no horizonte uma Europa cujo modelo seria o modelo federalista ou confederalista. Há tradições na Europa desse modelo mas são minoritárias. A mais famosa é a Suíça; a Europa seria uma grande Suíça. O outro paradigma é a criação dos Estados Unidos da Europa, uma coisa que não tem conteúdo. Os Estados Unidos da América (EUA) nunca foram uma multiplicidade interna porque têm uma língua e tradições culturais que constituem a sua própria identidade. O que caracteriza a Europa é a pluralidade de nações, cada uma com uma identidade forte, uma memória cultural muito densa, ilhas junto de outras ilhas, um paradoxal arquipélago. Os EUA não são isso."
Eduardo Lourenço, entrevista a Isabel Lucas
In Montepio, nº 7, Série II, Out. 2012
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Volta à amada em uma semana
Jack Vettriano: The Parlour of Temptation; s/d; óleo s/ tela |
No primeiro dia eu disse para mim mesmo
que o amor era a casa da minha vida.
No segundo dia as maravilhas
do amor quase me cegavam.
Guardei o terceiro dia para meditação.
Precisava reentrar em mim.
No quarto dia senti-me sábio,
cheio de janelas e fragrâncias.
Ó quinto dia, gritei, nunca tu viesses,
dominador, devorador!
Mas no sexto dia eu era um oceano
banhando esse país rumorejante
aonde, com a guitarra ao ombro,
aportei no sétimo dia.
Fernando Assis Pacheco, In A Musa Irregular,
Porto: Ed. Asa, 1996, 2ª ed.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Frase feita
Uma frase lida no texto de um dos meus alunos tem andado às voltas na minha cabeça desde hoje de manhã. Dizia isto: se a vida fosse fácil, não nascíamos a chorar.
O texto - de uma maturidade invulgar e até surpreendente no panorama geral dos meus adolescentes - era a propósito das escolhas que o aluno já tinha sido forçado a fazer na sua ainda tão curta vida (16 anos apenas) e que já lhe haviam causado bastante sofrimento. No fundo, sobre a necessidade de assumir e aguentar as consequências de todas as escolhas que fazemos.
Mal sabia ele que, mesmo usando uma frase feita para o concluir, conseguiria obter tal efeito na cabeça da professora...
E então?
Depois de receber n mails e ver n mensagens partilhadas no Facebook, continuo sem perceber a razão de tão esfuziante entusiamo e a achar que o poder dos números sobre as nossas vidas anda muito sobrevalorizado. Demasiado até.
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Évora blues
Évora: 8/12/2012 |
Esta é a estranha cidade dos vivos onde, desde sempre,
também se enterraram os mortos e se usaram depois os escombros
para reconstruir tudo. Uma e outra vez.
Com o tempo, os túmulos tornaram-se caboucos das casas
(talvez por isso, muitas delas se assemelhem estranhamente
a jazigos onde,
um dia, alguém decidiu habitar).
Mas não há notícia de os que assim repousam alguma vez
terem importunado os que aqui moram.
Apenas as formas sombrias que a luz projeta
se movem devagar, ao longo do dia, pela tela clara das paredes,
como se quisessem acompanhar o passo dos que transitam pelas ruas.
E é tudo.
Nas travessas estreitas, saturadas de humidade,
respira-se um ar bolorento.
Os raros transeuntes apressam a marcha como se
adivinhassem a perturbadora proximidade
desta lenta decomposição a acontecer há séculos
e que se insinua agora já pelas paredes, muros e telhados…
Em certas zonas da cidade, as casas
começam mesmo a esboroar-se e a derrocar.
Noutras, formas e cores tornaram-se indistintas
de tão gastas pelo tempo e pelo uso.
E há sobretudo um silêncio espesso que se apodera de tudo,
até dos próprios rostos.
Andam pelas praças vagas figuras esfarrapadas,
Andam pelas praças vagas figuras esfarrapadas,
de cabelo desalinhado, gesticulando,
num permanente e vivo diálogo com alguém
que insiste em manter-se invisível e em silêncio.
Também neste lugar foi sempre muito ténue
a linha que separa os alienados dos sãos.
E contudo, nas ruas mais sinuosas,
Por vezes, a luminosa serenidade de certos recantos
a linha que separa os alienados dos sãos.
E contudo, nas ruas mais sinuosas,
algumas paredes irregulares parecem ainda estremecer
muito ao de leve quando alguém passa,
como se despertassem por instantes do seu torpor.Por vezes, a luminosa serenidade de certos recantos
conta mesmo que, um dia, talvez quando
sob estes escombros que se amontoam nas ruas
estiverem sepultados todos os que agora vivem
e já novas casas se começarem a erguer,
a luz projecte menos sombras nas paredes,
o ar tenha o aroma resinoso das estevas,
os rostos andem menos circunspectos
e o silêncio esteja repleto de aves.
Talvez então eu possa voltar de alguma forma
a caminhar pelas ruas de Évora.
Talvez então eu aí encontre de novo as duas ou três pessoas
que lamento ter perdido de vista nestas esquinas aguçadas
e descubra até que ponto é possível
reerguer dos escombros os sentimentos
reerguer dos escombros os sentimentos
– e as pessoas que eles ligam –,
como se erguem as casas.
Talvez então eu me consiga
sentir, finalmente, em casa.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
domingo, 9 de dezembro de 2012
Da des-informação
Cada vez mais se verifica que, por um qualquer fenómeno meteorológico inexplicável, a informação sobre o que se anda verdadeiramente a passar cá, chega muito mais cedo ao lado de lá do Atlântico.
In Jornal do Comércio, Recife, Brasil, de 28 de Outubro (via RiseUp) |
Do lado de cá há sobretudo des-informação. Mas, muito de vez em quando, lá se publicam umas notícias que dão que pensar.
Como esta.
Ler notícia aqui |
Ou ainda esta.
Ler notícia aqui |
Com mais ou menos informação disponível, o certo é que, na TAP, o estado anda a fazer mais um belo negócio.
Alento
E essa imensa vastidão, esse princípio absoluto, fecundo em qualidades e desprovido de limites, esse magma, esse fermento é, e sempre foi, assim:
O que está em cima é como o que está em baixo.
O que está em baixo é como o que está em cima.
E entre eles tudo pode ser admirável e leve. Tudo pode ser deslocação.
Danças Ocultas, Verba Volunt, in Alento
sábado, 8 de dezembro de 2012
(re)conto de Natal
As iluminações natalícias do passado,
não tão longínquo quanto isso...
... e as do presente:
Mas atenção, há por aí quem ache que "ainda temos que empobrecer muito mais"...
(Certo é que, ao pé desta gente, até o Ebenezer Scrooge é um tipo bonzinho)
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Bilhete-postal
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr pela rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
Al Berto, in O Medo (excerto)
Lx: Assírio e Alvim, 2009, 4ª ed.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
A homeopatia governativa
Ler notícia aqui |
Isto só pode ser a tentativa de introduzir um dos princípios básicos da medicina homeopática na governação do país: o da diluição. Sobretudo, porque a homeopatia considera que quanto maior a diluição, tanto maior será a potência do preparado. A ideia deve ser a de criar a ilusão de que, embora em doses muito pequenas, o governo paga os subsídios. Ao mesmo tempo aproveita para sacar bem mais do que isso em impostos, tentando ainda obter um terceiro objetivo que é dar o tudo por tudo para minimizar as reclamações dos contribuintes, tentando atirar areia para os olho dos mais distraídos e/ou crédulos.
Pena é que o governo não tenha também importado da homeopatia uma certa visão holística da situação do país. Essa é que, sem dúvida, dava imenso jeito. Já a "diluição de metade dos subsídios"...
dimorfismo
todo o rosto tem a sua assimetria,
toda a voz algumas dissonâncias e
todo o coração certos recantos sombrios
assim também toda a palavra tem o seu gume
toda a voz algumas dissonâncias e
todo o coração certos recantos sombrios
assim também toda a palavra tem o seu gume
(que só não fere mais
porque às vezes é rombo),
tal como o verso tem sempre
o seu quê de estilhaço perdido
porque às vezes é rombo),
tal como o verso tem sempre
o seu quê de estilhaço perdido
talvez por isso, todo o poema
tenha o seu tanto de opaco e
a verdade tantas discrepâncias
tenha o seu tanto de opaco e
a verdade tantas discrepâncias
e no entanto...
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Book of Longing
"Agora um homem aparece sozinho, deve estar a cantar apesar de mal se lhe moverem os lábios, o dístico dizia Leonard Cohen (...). Raimundo Silva inclinou-se para a frente, abriu o som, o gesto de Leonard Cohen foi como se agradecesse, agora podia cantar, e cantou, disse as coisas que diz quem viveu e se pergunta quanto e para quê, quem amou e se pergunta a quem e porquê, e, tendo feito as perguntas todas se acha sem resposta, uma só que fosse, é o contrário daquele que afirmou um dia que as respostas estão todas por aí e que nós não temos mais que aprender a fazer as perguntas."
José Saramago, in História do Cerco de Lisboa,
Lx: Ed. Caminho, 2007
atrás do tempo, outro e sempre o mesmo tempo
Max Ernst: Mer et soleil, 1925; óleo s/ tela |
antes,
era o tempo de ouvir o teu nome em todos os nomes iguais ao teu
(e pareciam ser quase todos)
o tempo de entrever reflexos do teu em todos os rostos
(e pareciam ser inúmeros) nos lugares que também foram os nossos
o tempo de, instintivamente, localizar à beira das estradas as placas
(e pareciam ser tantas) com o nome do lugar onde vivias,
sem sequer as procurar com o olhar, e elas ali,
como se me esperassem, só para confirmar
que todos os meus caminhos iam dar a ti
agora,
é chegado o tempo de continuar a conduzir
sem olhar para os lados e, sobretudo, sem nunca parar,
para fazer de conta que nada disso teve qualquer importância
o tempo de fingir que o tempo antes não existiu
para evitar a certeza de um equívoco
demasiado grande para ser suportável
a seguir,
virá ainda um tempo lento (inevitável, dizem
necessário, acrescentam) em que tudo
começará a ficar entorpecido na memória
e será o tempo em que aprenderei o granítico estoicismo das pedras
só depois
virá esse tempo já sem tempo que é o do esquecimento
em que não saberei o teu nome, não reconhecerei o teu rosto e
não distinguirei na estrada as placas com o nome do lugar onde vivias
e, de todos os tempos, será este o mais doloroso
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
só hoje
John William Waterhouse: Ariadne, 1898, óleo s/ tela |
se a vida, zelosa,
estranhando a demora,
vier bater à porta
a chamar por mim,
vai abrir e diz-lhe que,
hoje, eu não vou
diz-lhe que fico aqui
na cálida indolência
desta ternura transbordada,
na cálida indolência
desta ternura transbordada,
rente ao teu corpo,
um braço atravessado
em repouso sobre o teu peito,
embalada no ritmo lento
embalada no ritmo lento
da tua respiração
diz-lhe que se vá embora
diz-lhe que se vá embora
porque, hoje, eu não quero ir
fico aqui, contigo,
e fico bem
só hoje
só hoje
Subscrever:
Mensagens (Atom)