É nas madrugadas mais frias, quando a claridade crepuscular ainda mal deixa adivinhar o dia, que o ar rarefeito transporta certos sons de uma forma única e paradoxal, eliminando-lhes a estridência e a distância: a passagem dos carros lá em baixo na estrada, o breve tinir dos chocalhos do rebanho que começa a despertar algures, o latido solitário de um cão que parece perdido nos montes ou a ligeira agitação das folhas que ainda não sucumbiram ao outono.
Mais do que sons, são sinestesias. Lembram vozes distantes que venceram a barreira do tempo para acordar memórias e (re)descobrir velhas imagens amarelecidas e há muito esquecidas no fundo das gavetas. São como vozes do passado que só agora tivessem conseguido completar a sua viagem. Tão familiares e, ao mesmo tempo, tão estranhas.
Gosto de ficar atenta, no quente aconchego da cama, a ouvir estes pedaços desencontrados de histórias e a folhear mentalmente um velho e imaginário álbum de fotografias, enquanto a realidade vai acordando pouco a pouco.
1 comentário:
MUITO BOM
como texto literário
- não quero saber que sejam "só palavras, mais nada"
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