Nesta fase do ano os telejornais
regurgitam reportagens sobre os almoços natalícios
oferecidos aos sem-abrigo dos grandes centros urbanos de norte a sul
do país. Mostram-se os pratos bem cheios como se eles pudessem
fazer esquecer, neste único dia, os restantes 364 de provação e
privação, ou talvez a intenção seja mesmo anestesiar (nos
sem-abrigo e nos espectadores) a consciência de que, mais do que
comida no prato, o que falta mesmo é a esperança de, no próximo
ano, já não precisarem destas iniciativas para poderem comer uma
refeição melhorada. E parece-me bem que, sem essa esperança, toda a comida
que enche os pratos nestas almoçaradas solidárias deve ter um
travo bem amargo. Aliás, basta ver a expressão no rosto dos
comensais e a forma como a maior parte deles tenta evitar a todo o
custo as câmaras de televisão que insistem em mostrar-lhes a cara. Afinal, para os que pouco ou nada têm, nem no Natal há almoços grátis.
Depois, claro, há essa grande obra de
caridade da Sra. Jonet que periodicamente nos vem pedir alimentos
para depois redistribuir pelos que mais precisam. E, apesar das
ideias um pouco confusas da senhora sobre o nível de vida da grande
maioria dos portugueses, a verdade é que temos sorte em ter por cá
uma instituição como o Banco Alimentar que vai matando por aí a
fome a muita gente neste país.
Só é pena que todo este espírito
caritativo não chegue para dar o almoço às crianças cujos pais
deixaram de poder pagar o valor das refeições escolares (ver aqui). Pena maior
por isso estar a acontecer justamente nas escolas públicas que, por serem
(pelo menos no papel) o lugar da “inclusão” e da “formação
integral dos futuros cidadãos” deviam ser, justamente, as
primeiras a identificar e responder a estas situações. Pena,
sobretudo, por isso estar a acontecer com as poucas crianças de um
país tão velho que a pirâmide demográfica até já está
invertida. E tanto se me dá que essas crianças sejam portuguesas ou
filhas de imigrantes. Elas são é seres humanos a quem foi
intencionalmente recusado um prato de comida num refeitório escolar.
Pode parecer coisa pequena no panorama mais vasto do drama social que
estamos a viver, mas na verdade não é bem assim. Se calhar são
gestos destes que fazem os maiores estragos, pois são os que revelam
o verdadeiro carácter de uma sociedade. E não há dúvida: às
vezes somos um país mesmo “porreiro, pá!”.
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