Esta questão do almoço de negócios entre o super-espião e o político ambicioso acabou por me reavivar a memória de um texto com que me deliciei nos idos de 90 e que, ainda hoje, mantém uma estranha atualidade. Be, talvez não tão estranha assim. Afinal, estamos em Portugal... Nele, o holandês Gerrit Komrij retrata, com um apuradíssimo sentido de humor, os tiques lusos. O livro abre com o texto que lhe dá o título, justamente, “Um almoço de negócios em Sintra” (Lx: Ed. Asa, 1999, 2ª ed).
É esta autêntica instituição nacional – o almoço de negócios - que está por detrás de todas as decisões das mais relevantes, às mais insignificantes:
“Com docilidade, dirigimo-nos ao ritual que, do meio-dia às quatro, se apodera de Portugal inteiro. O almoço de negócios.
Um almoço de negócios em Portugal é uma comezaina de cinco pratos diariamente repetida, que precede outra quase idêntica – essa, das sete ás onze da noite -, em que o último prato apresenta o atractivo de com ele se nos varrer totalmente da ideia o género de negócios que nos levara a reunir-nos. E, tendo, por hipótese, sido nossa intenção juntar, no desfecho da sobremesa, persistência suficiente para vender três cabras, está mais que escrito que, após o golpe de misericórdia do café e aguardente, verificaremos ter acabado de comprar sete burros.” (p. 7-8)
Assim se percebe melhor por que razão o ministro meteu os pés pelas mãos nas declarações que prestou ao Parlamento, vendo-se agora forçado a reconhecer que omitiu, por lapso, o “almoço de negócios” com o tal ex-espião. É que, para além da memória um tanto ou quanto toldada de ambos (algo compreensível nestas circunstâncias), também já percebemos que Relvas pretendia vender “três cabras” ao outro e acabou por comprar, não sete, mas pelo menos setenta burros e, desconfio bem, uma quantidade ainda incerta de dromedários.
Toda esta história, ainda muito mal contada, seria sobretudo ridícula se não fosse tão grotesca. Assim, dá-nos sobretudo um fiel retrato da “gente” que nos (des)governa.
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