Feira Nacional da Agricultura de Santarém;
9 de junho;
cerca das 20.30.
O primeiro jogo da seleção nacional de futebol vai a meio. Estamos num pavilhão gigantesco com dezenas de expositores de artesanato e com diversas "tasquinhas" de produtos regionais. Estão muitas centenas de pessoas lá dentro em visita aos stands e outras tantas sentadas a tentar comer qualquer coisa. Veem-se algumas pessoas com cachecóis de apoio à seleção ou com as t-shirts vermelhas da equipa.
De repente, há um frémito qualquer no ar e, no segundo imediato, um grito de alegria coletiva sobrepõe-se sem dificuldade ao barulho quase ensurdecedor do pavilhão: gooolo! foi goolo!. Logo se percebe que havia nas pessoas que por ali passeavam ou petiscavam uma ansiedade mal contida que extravasou à primeira oportunidade, mesmo sem ninguém perceber muito bem o porquê. Muita gente ergue o braço no ar enquanto grita "gooolo!", assumindo orgulhosamente o seu fervor futebolístico. Há então olhares cúmplices que se cruzam entre os comensais das muitas mesas, sorrisos abertos numa alegria exultante e genuína que adoçam os rostos até aí indiferentes. De repente, sente-se como que uma proximidade entre pessoas que nunca antes se tinham cruzado e nunca se voltarão a cruzar: foi golo!
9 de junho;
cerca das 20.30.
O primeiro jogo da seleção nacional de futebol vai a meio. Estamos num pavilhão gigantesco com dezenas de expositores de artesanato e com diversas "tasquinhas" de produtos regionais. Estão muitas centenas de pessoas lá dentro em visita aos stands e outras tantas sentadas a tentar comer qualquer coisa. Veem-se algumas pessoas com cachecóis de apoio à seleção ou com as t-shirts vermelhas da equipa.
De repente, há um frémito qualquer no ar e, no segundo imediato, um grito de alegria coletiva sobrepõe-se sem dificuldade ao barulho quase ensurdecedor do pavilhão: gooolo! foi goolo!. Logo se percebe que havia nas pessoas que por ali passeavam ou petiscavam uma ansiedade mal contida que extravasou à primeira oportunidade, mesmo sem ninguém perceber muito bem o porquê. Muita gente ergue o braço no ar enquanto grita "gooolo!", assumindo orgulhosamente o seu fervor futebolístico. Há então olhares cúmplices que se cruzam entre os comensais das muitas mesas, sorrisos abertos numa alegria exultante e genuína que adoçam os rostos até aí indiferentes. De repente, sente-se como que uma proximidade entre pessoas que nunca antes se tinham cruzado e nunca se voltarão a cruzar: foi golo!
Contudo, não há no pavilhão um único aparelho de televisão à vista e muitos querem agora saber mais detalhes: quem marcou? quantos golos há? quanto tempo falta para o fim do jogo? Logo os telemóveis iniciam um frenesim de sms e chamadas.
Vem depois a notícia de que o golo, afinal, tinha sido alemão e, pior, que Portugal está a perder o jogo. Apesar do barulho ambiente, ouvem-se ainda pedaços de frases: ainda falta a segunda parte! Vamos ganhar, então?!
Mais tarde alguns dos que, presentes naquele pavilhão e mantendo firme a sua crença na seleção nacional - mesmo depois de terem engolido em seco por causa do tal golo festejado ao engano -, conhecedores já do humilhante desfecho do jogo, começam realmente a ficar furiosos. Sentem-se agora ludibriados: tanta coisa para, afinal, não haver nem um único golo marcado. Logo chovem críticas ao CR & Cª Lda., ao treinador e ao festival de imbecilidades que tem decorrido nos últimos tempos à volta e a (des)propósito da seleção nacional. Por fim, ouve-se falar da má-sorte, essa maldita que não nos larga o espinhaço. Claro, na vida é tudo uma questão de sorte!
E é aí que eu já não aguento mais e me preparo para lançar uma carrada de violentos impropérios a propósito de uma gente que, por dar uns pontapés na bola e ganhar milhões, logo é encarada como uma espécie de salvação da pátria, mas que não passa de um grupo de golden boys mimados que é, em tudo, igual ao país que temos: muita parra e pouca uva. Alienação pura. Delírio e demência coletiva!
Mas de repente percebo que o argumento da sorte, ou melhor, da falta dela, mais não é do que a deixa para voltar a acreditar como se não houvesse amanhã que vamos ganhar o campeonato da bola lá na Polónia. No fundo, a deixa para voltar a ter esperança. Ora, é justamente isso que mais nos falta por estes dias que vivemos: esperança e capacidade de acreditar que é possível sair do buraco em que nos encontramos com os políticos e governantes que temos.Talvez o futebol e a seleção nacional sejam mesmo isso: a capacidade de acreditar no inacreditável.
Calo-me: quem sou eu para desfazer a única esperança possível para tanta gente? O tempo, isto é, os resultados dos jogos, se encarregará de o fazer.
Mais tarde alguns dos que, presentes naquele pavilhão e mantendo firme a sua crença na seleção nacional - mesmo depois de terem engolido em seco por causa do tal golo festejado ao engano -, conhecedores já do humilhante desfecho do jogo, começam realmente a ficar furiosos. Sentem-se agora ludibriados: tanta coisa para, afinal, não haver nem um único golo marcado. Logo chovem críticas ao CR & Cª Lda., ao treinador e ao festival de imbecilidades que tem decorrido nos últimos tempos à volta e a (des)propósito da seleção nacional. Por fim, ouve-se falar da má-sorte, essa maldita que não nos larga o espinhaço. Claro, na vida é tudo uma questão de sorte!
E é aí que eu já não aguento mais e me preparo para lançar uma carrada de violentos impropérios a propósito de uma gente que, por dar uns pontapés na bola e ganhar milhões, logo é encarada como uma espécie de salvação da pátria, mas que não passa de um grupo de golden boys mimados que é, em tudo, igual ao país que temos: muita parra e pouca uva. Alienação pura. Delírio e demência coletiva!
Mas de repente percebo que o argumento da sorte, ou melhor, da falta dela, mais não é do que a deixa para voltar a acreditar como se não houvesse amanhã que vamos ganhar o campeonato da bola lá na Polónia. No fundo, a deixa para voltar a ter esperança. Ora, é justamente isso que mais nos falta por estes dias que vivemos: esperança e capacidade de acreditar que é possível sair do buraco em que nos encontramos com os políticos e governantes que temos.Talvez o futebol e a seleção nacional sejam mesmo isso: a capacidade de acreditar no inacreditável.
Calo-me: quem sou eu para desfazer a única esperança possível para tanta gente? O tempo, isto é, os resultados dos jogos, se encarregará de o fazer.
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