Após as costumeiras polémicas que passam por negociações de bastidores, complicações de agenda e, claro, mútuas acusações de que o candidato x ou y quer mas é fugir com o rabinho à seringa, lá se iniciaram os debates televisivos entre os candidatos presidenciais. Bem à medida da política que temos. Começa logo pela própria designação. Debate? Dois candidatos em postura rígida, artificial, em mesas individuais e bem afastadas fisicamente, com o tempo de intervenção cronometrado ao segundo, que não falam directamente um para o outro, nem discutem aquilo que um e outro vão declarando, antes se limitam a ir respondendo às questões colocadas pela jornalista e aqui também moderadora. Eu diria mais que são entrevistas em duo, com perguntas milimetricamente calculadas (e negociadas?) para encaixarem na perfeição nas respostas previamente preparadas pelo staff de cada candidato. De debate só mesmo o nome. Cada um procura justificar por que razões deve ser o candidato escolhido para desempenhar funções em Belém, muitas vezes repetindo, por outras palavras, os argumentos que o candidato concorrente acabou de debitar. Eu diria até que se entrevistam em duo porque estamos em tempo de crise e é preciso poupar também nos tempos de antena roubados à publicidade que dá bem mais lucro às televisões.
Os argumentos apresentados são de uma pobreza quase confrangedora: Manuel Alegre repete a ideia peregrina de que o Presidente da República tem o «poder da palavra» e deve usá-lo como se fosse uma varinha de condão para pôr o Governo na ordem. Francisco Lopes só fala da taxação dos «lucros do grande capital», ou melhor, da sua falta, como se ainda não tivesse percebido que, agora, está a jogar para um outro patamar da hierarquia política. Fernando Nobre, manifestamente longe do seu território natural, apresenta um mix de argumentos que são, sobretudo, aquilo que o povo repete na rua e nos cafés, sem saber às vezes muito bem do que está a falar. E depois lá vem Cavaco Silva, com o seu ar de douto «Professor» de economia e finanças dar umas lições aos pretendentes e concorrentes explicando, com vagares de quem sente a continuidade garantida, qual é afinal a função de um presidente da república. A sorte do «senhor Professor» é que já não tem que dar aulas a sério porque se fosse para uma escola secundária leccionar aos meninos naquele tom enfastiado e monocórdico e com aquele ritmo de dicção, estava feito. Não durava uma semana. Pelo meio, uns piropos encapotados ao adversário não vá o diabo tecê-las e a gente ainda tenha que se unir numa putativa segundavolta. Chego até a sentir saudades do «candidato Vieira» e das suas surrealistas intervenções de campanha que tinham pelo menos a vantagem de ser genuínas. Aliás, qualquer coisa é preferível a este artificialismo que soa a plástico e a que se convencionou chamar «debate».
Poderíamos pensar que se salvavam as campanhas de rua, mas nem isso. Falta convicção, falta sobretudo carisma aos candidatos. Não há uma ideia consistente ou um rasgo de luz nos seus discursos feitos de argumentos que soam a oco. Aliás, os candidatos não discursam, mandam recados: para dentro ou para fora do próprio partido, para os candidatos concorrentes, para o governo, até para os possíveis eleitores. Em último caso, recorrem mesmo à ameaça: atenção, ou eu, ou o dilúvio, vejam lá bem o que fazem! As próprias campanhas na rua já não se fazem de participação espontânea e entusiasta, a favor ou contra os candidatos, fazem-se com gente contratada, bem ensaiada e bem comportada. As acções de campanha, sobretudo almoços e jantares, marcados para a hora de abertura dos telejornais, são orquestradas pelas máquinas partidárias e lembram tounées nacionais em que só mudam a cara do artista, perdão, do candidato, e as bandeiras que se agitam nas suas costas. Tudo o resto é igual.
Na verdade, não estamos em campanha eleitoral. Estamos a cumprir calendário para as eleições legislativas, as únicas que, à luz da actual situação de crise, contam e interessam, de facto. Na verdade, não estamos a assistir a debates políticos (e supostamente ideológicos também), e sim a entrevistas de emprego. Só que, até agora, ainda nenhum candidato me convenceu de que merece o «emprego» para o qual se está a candidatar.
1 comentário:
campanha divertida
Fernando Nobre diz a Cavaco que viu crianças a lutar com galinhas por um pedaço de pão
não estranho que Cavaco tenha pensado, como neoliberal
:
pois, pois
quando conseguem o pão
começam a lutar pelas galinhas
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