Um pouco por toda a aldeia global, as redes sociais têm potenciado curiosos e, mais ou menos sérios fenómenos e movimentos de cidadãos que percorrem o largo espectro que vai do protesto à reivindicação, passando pela divulgação ou pela defesa dos mais variados e singulares direitos. Não é um caminho novo mas é, sem dúvida, um caminho diferente este que as novas tecnologias vieram proporcionar. Durante o ano de 2010 vários desses movimentos usaram as potencialidades e as acessibilidades do Facebook para se expandirem. Um deles, liderado por João Nogueira dos Santos, é o “Adere, Vota e Intervém dentro de um Partido: Cidadania para a Mudança”. Tem como pressuposto a ideia de que os partidos políticos portugueses precisam de mais cidadãos-militantes que injectem novas ideias e reivindiquem as necessárias mudanças numa estrutura partidária feita sobretudo de clientelismos, como forma de potenciar a mudança na própria hierarquia política. O movimento pretende, sobretudo, ser uma forma de abrir espaço para aqueles que, sendo competentes e portadores de novas ideias para a causa pública, não conseguem, contudo, quebrar as paredes de vidro do ciclo vicioso do clientelismo político-partidário.
Nascido do descontentamento e da óbvia desconfiança dos cidadãos que, um pouco por toda a Europa e também por cá, reclamam a reconfiguração urgente dos sistemas políticos, o Movimento sabe que essa mesma mudança dificilmente será concretizada fora do sistema partidário tal como o conhecemos. Por isso o seu mentor propõe que os cidadãos se inscrevam no partido político com que mais se identificam em termos ideológicos ou em que mais têm votado nestes últimos anos. Pede ainda que participem depois activamente nas reuniões partidárias manifestando aí de viva voz o profundo descontentamento que até agora se tem limitado muito à blogosfera, ao twitter e às próprias redes sociais, para exigir as mudanças que todos sabemos serem não apenas necessárias, mas também urgentes e ainda apoiar e votar em líderes partidários diferentes dos que até aqui se têm limitado a conquistar o poder para depois continuar a fazer a mesma coisa. No fundo, o referido Movimento quer que os cidadãos se tornem vozes críticas dentro dos partidos e não se limitem às queixinhas anónimas e ao voto em branco ou à abstenção como formas de protesto, aliás inúteis como todos sabemos.
Se movimentos como este virão ou não a implementar-se, se conseguirão ou não mudar, de facto, alguma coisa na relação dos cidadãos com os partidos e com a própria política só o tempo o dirá. Para já o mais relevante é que estes movimentos quase telúricos estejam a despontar, apesar da letargia e do alheamento cívico em que temos andado mergulhados nestes tempos de crise.
São, no fundo, ondas de optimismo que se atiram contra o paredão rochoso do pessimismo vigente e revelam que, afinal, ainda há quem acredite de forma sincera, mesmo que um tanto ingénua, na possibilidade de mudar o mundo para melhor. O optimismo do Movimento revela-se também claramente na forma como acredita que ainda é possível melhorar partidos políticos anquilosados por décadas de prática viciada e viciosa de conquista e exercício do poder político. No fundo, são gente boa, crédula e fiável. Por isso os partidos fazem deles e dos cidadãos que os integram, muitas vezes, os bobos da festa.
E embora considere o seu esforço meritório e as suas ideias interessantes, acho difícil que este tipo de propostas venha, de facto, a fazer a diferença. Mas isto talvez seja porque o meu pensamento e, sobretudo, o meu sentimento em relação a políticos, partidos e politica é de grande cepticismo. E, como sabemos, o céptico é, por definição, aquele que já não acredita ou que deixou de ser capaz de acreditar. O que é bem diferente de ser pessimista, pois aqui há sempre a possibilidade de uma reversão do pensamento e do sentimento, desde que as condições sejam favoráveis. É que um céptico dificilmente pode ser militante de um partido, pois essa condição é hoje, sobretudo, uma “questão de fé” e o verdadeiro céptico é aquele que não acredita nem no seu próprio futuro, quanto mais no futuro comum dos seus concidadãos ou até do seu país (embora se sinta mal por isso). Contudo, não é de todo mau saber que nestes dias difíceis que vivemos anda por aí gente optimista, capaz de acreditar nessas coisas todas e que gasta uma boa parte do seu tempo livre a pregar a sua “fé” nas redes sociais. Talvez – e agora num lampejo optimista muito pouco vulgar em mim – ela se possa transmitir pela rede como uma espécie de vírus que nos contaminará o espírito (para além dos computadores) e nos levará, nem que seja por breves instantes, a acreditar que a mudança é possível e está ao nosso alcance. Eu até nem me importava nada de ser contaminada e de ir fazer um autêntico escarcéu nas reuniões partidárias, mas depois logo me vem ao espírito aquela passagem em que D. Quixote luta contra os moinhos de vento...
O que me preocupa a sério é que os próprios líderes partidários de sempre, os que nos conduziram até aqui, estejam agora também eles a adoptar uma postura de cepticismo, traduzida por exemplo na tal ideia da intervenção do FMI. A forma como o dizem lembra-me um pouco aquelas crianças caprichosas que, já fartas do brinquedo, o vão entregar a um adulto para que tome bem conta dele até que lhes apeteça novamente voltar a brincar. Outro exemplo desta espécie de infantilização que parece ter atacado os nossos políticos/governantes é a forma como a culpa é sempre dos outros: da oposição, dos sindicatos, dos mercados internacionais, etc, etc.
Agora a sério, temos é que, por todos os meios ao nosso alcance, estar muito atentos a gente que é capaz de tudo só para salvar a pele – a sua e a dos amigos, que da nossa não querem eles saber. E, sobretudo, não nos deixarmos levar nem por optimismos patetas, nem por pessimismos paralisantes, e muito menos por cepticismos estéreis, e sim pela análise realista, ponderada e serena das coisas, das situações e das pessoas. E agir em conformidade, seja seja dentro ou fora dos partidos, seja nas redes sociais ou apenas na rede, seja em movimentos organizados de cidadãos ou através da mera iniciativa individual, como o voto, por exemplo. Afinal, é o nosso futuro que está em causa.
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