sábado, 25 de dezembro de 2010

E no entanto até parece Carnaval

Este ano é notório que estamos a viver uma espécie de Natal dos pequeninos (eufemismo natalício para “mais pobrezinho”, claro está). Ainda é talvez um pouco cedo para saber se este é o Natal da crise, se a crise do Natal. Sei é que as iluminações de rua foram reduzidas a uma expressão minimalista e arrastaram consigo as próprias decorações natalícias das montras e das lojas, também elas bem menos exuberantes que em anos anteriores. Só teve uma vantagem: os nossos ouvidos foram poupados à enjoativa banda sonora habitual, capaz de pôr em franja até os nervos do próprio Menino Jesus. No fundo, tudo a condizer com a verdadeira cara de enterro dos clientes que entram nas lojas à procura de prendas ou circulam apressados pelas ruas a caminho de algum sítio.

É nítido ainda que este ano muitos pouparam nas prendas, seja porque têm pouco dinheiro nos bolsos (o número de portugueses desempregados é impressionante), seja porque começam já a pensar nas dificuldades acrescidas que vão chegar a partir de janeiro (corte nos ordenados), seja porque estão endividados até ao limite das suas possibilidades (ou mesmo para além dele).

E no entanto, o Estado que tanto nos incita a poupar e, sobretudo, nos garante que vai poupar consigo mesmo e também connosco no próximo ano, afinal, dá exemplos intrigantes de esbanjamento nos presentes de natal que oferece aos amigos: 400 milhões de euros para o BPN, já inseridos (e aprovados) no Orçamento de 2011. O ministro das Finanças chama-lhe “aumento de capital”. E só para perceber melhor a alcance desta “prenda” é bom lembrar que o BPN teve em 2006 um lucro de 86 milhões que, no ano seguinte, subiu para os 77 milhões. Mas, menos de um ano depois, em finais de outubro de 2008, apresentava já um prejuízo de 700 milhões de euros. E, com o ano de 2010 quase no seu termo, são já de 4,8 mil milhões de euros os prejuízos acumulados pelo banco. Dá que pensar como é que se volatilizou tanto dinheiro no espaço de tão poucos meses. Deve ter, de facto, algo a ver com a intervenção de especialistas como Oliveira e Costa. A todos estes milhões há ainda que acrescentar mais de 2 mil milhões de activos, agora ditos “tóxicos” que, na opinião de vários economistas, ainda estão (convenientemente) por contabilizar. Quando isso acontecer – e é apenas uma questão de tempo -, o prejuízo subirá para cima de 7,7 mil milhões de euros. Qualquer coisa como 5% do PIB nacional para um banco que está à venda por uns escassos 180 milhões de euros!!!

Cereja no topo deste enormíssimo bolo é a declaração do nosso ministro das Finanças afirmando a pés juntos que ainda não gastou dinheiro dos contribuintes com o BPN!! Dito assim, com todas as letras, exactamente pelo mesmo ministro que afirma com ar compungido que em 2011 vai ser preciso baixar salários aos que nunca, mas mesmo nunca, deixaram de pagar ao Estado um único cêntimo dos seus impostos, acabar ou reduzir drasticamente com o pagamento de diversas prestações sociais e com alguns benefícios fiscais, aumentar todos os impostos sobre o consumo e reduzir a actividade económica e o nível de vida ao patamar da recessão + depressão para garantir não se sabe bem o quê, mas certamente que não a redução do défice do estado. Ou melhor, não se sabia. Agora já sabemos o que se pretende garantir com todas estas medidas de redução da despesa do estado: o BPN e seus apaniguados que, pelos vistos, têm amigos em lugares influentes (governo incluído).

Acho que o tal Oliveira e Costa devia mas era enviar um postal a cada contribuinte português para agradecer a belíssima prenda de natal que recebeu do ministro das Finanças, que é como quem diz, de todos nós. Mas até consigo compreender que ainda não o tenha feito porque, embora o calendário indique que é Natal, isto tudo se parece bem mais com um Carnaval antecipado.

imagem do sítio http://miguel-lima.com/?m=200811


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