inspirar, expirar, continuar a andar seguindo a linha melódica de uma voz que conduza até ao exacto momento em que, dentro e fora de mim, o dia começa a chegar ao fim...
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
domingo, 30 de janeiro de 2011
A poesia da rua
Nos tempos gloriosos do cinema português a preto e branco ficou famosa a "cantiga da rua" que fechava alegremente uma comédia ligeira, romântica e divertida que em nada ficava a dever às que, produzidas em série na américa, estreiam por cá numa base semanal. A "cantiga da rua" era então sobretudo a que andava de "boca em boca". Mas com o tempo, veio a tornar-se também na cantiga "de intervenção", ou de crítica social e política, que teve o seu auge na década de 70 e entrou em declínio a partir dos anos 90. Outras e novas formas assumiu entretanto a "cantiga da rua" para expressar a revolta dos que se sentem acossados no lado mais podre e/ou pobre de uma sociedade cada vez mais desigual: entre elas, o rap e o hip-hop. Em comum, para além de uma matriz cultural claramente urbana e americana, têm a poesia oral e a música. É muitas vezes um misto de poesia de improviso e uma espécie de "cantiga ao desafio", áspera e urbana.
Surgida na década de 80, também na América, mais propriamente nas classes operárias e pobres de Chicago, a "poetry slam" está agora a ser descoberta entre nós. Sinal dessa notoriedade foi a divulgação das noites mensais de "slam" no lisboeta Music Box no programa cultural de referência da televisão pública, o "Câmara Clara":
Surgida na década de 80, também na América, mais propriamente nas classes operárias e pobres de Chicago, a "poetry slam" está agora a ser descoberta entre nós. Sinal dessa notoriedade foi a divulgação das noites mensais de "slam" no lisboeta Music Box no programa cultural de referência da televisão pública, o "Câmara Clara":
O "poetry slam" é na verdade uma mistura de quase tudo o que faz a cultura urbana contemporânea - hip-hop, rap, movimento e música - mas em que a palavra dita comanda o ritmo, numa espécie de "spoken word" remasterizado para os dias que vivemos. É uma poesia para ser dita e ouvida e não lida. A "slam" é poesia em contexto, que explora as emoções colectivas do momento em que é dita. Cada um sobe ao palco e usa a palavra poética para afirmar, contestar, expressar ou discutir em público, e é depois julgado e avaliado por esse mesmo público.
Foi destas noites de "slam" que nasceram os Social Smokers: juntaram-se e acrescentaram música às palavras, e também imagens. Gravaram Magnetic Poetry que vai ser lançado por estes dias. A poesia também é uma arma e, com o "slam", está cada vez mais na rua para denunciar o que está errado:
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Protestar sim, mas com originalidade
Protestar é um dos verbos que mais faz sentido nos dias agridoces que vivemos. Contudo as clássicas manifestações de rua também já conheceram melhores dias. Torna-se, pois, imperativo quebrar rotinas instaladas e encontrar novas e mais originais formas de fazer passar a «mensagem».
Foi o que bem pensaram e melhor fizeram Billy e Anais Yeager, realizadores de cinema, numa praia de Miami. Durante a madrugada, colocaram um piano de cauda numa língua de areia e deixaram que a divulgação imediata e global das insólitas imagens fermentasse na imaginação de muita gente. E apareceu toda a espécie de teorias mais ou menos delirantes: desde a história de um casal desavindo cujas partilhas desaguaram na praia, à instalação artística.
O casal veio agora explicar que, afinal, levou o instrumento para o local para filmar a última parte de uma trilogia chamada Jesus of Malibu, que segue a viagem de um homem pela América. Ao “Miami New Times” Billy Yeager declarou mesmo que, “O filme é sobre (...) o poder da música, do cinema, da vibração [sic] e de como isso afecta (...) o controlo da mente. Depois de filmarmos, deixamos os instrumentos, porque é uma afirmação política. É uma revolução artística contra os media, a corrupção das artes e o controlo e a escravatura das pessoas”. a verdade, pode ser o que se quiser: e é essa a verdadeira originalidade deste "protesto". Disse ainda o realizador que já deixou outros pianos "de protesto" em Death Valley (Califórnia), na Costa Rica e na Guatemala.
O casal veio agora explicar que, afinal, levou o instrumento para o local para filmar a última parte de uma trilogia chamada Jesus of Malibu, que segue a viagem de um homem pela América. Ao “Miami New Times” Billy Yeager declarou mesmo que, “O filme é sobre (...) o poder da música, do cinema, da vibração [sic] e de como isso afecta (...) o controlo da mente. Depois de filmarmos, deixamos os instrumentos, porque é uma afirmação política. É uma revolução artística contra os media, a corrupção das artes e o controlo e a escravatura das pessoas”. a verdade, pode ser o que se quiser: e é essa a verdadeira originalidade deste "protesto". Disse ainda o realizador que já deixou outros pianos "de protesto" em Death Valley (Califórnia), na Costa Rica e na Guatemala.
Por cá, bem que podíamos pôr a imaginação a funcionar e começar a manifestar o nosso descontentamento recorrendo a objectos originais ou mesmo insólitos... Tenho a impressão de que seria um sucesso e, quanto mais não fosse, sempre nos divertíamos um pouco. Ainda que não mudasse nada, só pela boa disposição já valeria a pena.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Ecos dispersos no tempo
Da esparsa “Ao desconcerto do Mundo” de Luís de Camões:
Os bons vi sempre passar
no Mundo grandes tormentos;
e pera mais me espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
assim que, só pera mim,
anda o Mundo concertado.
à canção de Tegan e Sara "Where does the good go", a mesma interrogação sem resposta.
Os bons vi sempre passar
no Mundo grandes tormentos;
e pera mais me espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
assim que, só pera mim,
anda o Mundo concertado.
à canção de Tegan e Sara "Where does the good go", a mesma interrogação sem resposta.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
A pegada existencial
Revelações como as do Wikileaks, ou as diversas e mais ou menos embaraçosas situações pessoais e profissionais em redes sociais como o Facebook ou o Twitter têm questionado os limites da privacidade na voragem informativa em que vivemos. Discute-se aliás a questão como se ela fosse nova, mas o que há aqui de novo não é a situação em si e sim algumas das suas consequências e implicações: a informação em suporte de papel que antes ficava limitada a um grupo restrito de pessoas tornou-se agora virtual, sendo amplificada pela rede, em certos casos até ao limite do mundo global (veja-se o fenómeno wikileaks); e, porque essa mesma rede guarda toda a informação há sempre a possibilidade de, mais cedo ou mais tarde, nos virmos a confrontar de novo com ela (veja-se o caso de certos mails que já todos recebemos uma meia dúzia de vezes), assim numa espécie de revisitação ciclíca.
Vem isto a propósito da doação (assinada hoje mesmo) do espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen à Biblioteca Nacional. Após a morte da poetisa ficaram muitas caixas cheias de papéis a que era preciso dar um destino. Se fosse uma anónima pessoa, não há dúvida de que o ecoponto resolveria a situação. Porém, tratando-se de Sophia, o caso era bem distinto. Impunha-se guardar os papéis soltos, cadernos, manuscritos, fotografias e cartas que pudessem, de alguma forma, ajudar quem pretende fazer investigação sobre a sua obra e preservar também o seu trabalho inédito.
Foi à filha, Maria Andresen, que coube esta complexa tarefa de (re)descobrir a mãe e a poeta nos papéis que ficaram: a vida e a obra de Sophia desde os cadernos com os primeiros poemas, escondidos - ou (pre)reservados? – no fundo de uma arca, até aos poemas finais, de letra tremida, tão intensos e íntimos que ainda não têm destino definido. É também ela quem decidirá o que fica desde já disponível para consulta pública e o que só ficará acessível daqui a 20 ou 30 anos. Fala-se mesmo na futura publicação dos muitos inéditos que ficaram.
Tudo isto me levanta sempre as mesmas dúvidas: será que Sophia - ou qualquer outro autor em idênticas circunstâncias – quereria partilhar esta “eternidade” com o público? Preferiria ela ficar só pelo que publicou em vida? Teria ela, ainda em vida, dado algumas indicações ou manifestado algumas intenções sobre este assunto? Se pudesse ainda escolher ou decidir, teria feito assim? Até que ponto não estamos a entrar em domínio privado, pessoal e, por isso, reservado? Lembro-me sempre de ter lido, há já muitos anos, a correspondência amorosa entre Fernando Pessoa e Ofélia Queirós num misto de curiosidade e de embaraço por sentir que estava a ler algo que, pela sua natureza, só deveria ser tornado público por decisão dos próprios. Apesar das justificações de peso, tudo isto me deixa sempre muitas dúvidas. Se calhar há registos escritos que todos preferiríamos ver desaparecer connosco, e só não os fazemos desaparecer enquanto ainda estamos na posse de todas as nossas faculdades mentais porque há ligações afectivas muito fortes que nos impedem disso. Rasgar papéis é um acto simbólico, que também pode ser bastante doloroso.
Só que, agora, já nem é preciso ser-se Sophia ou Saramago para nos vermos, também nós, confrontados com uma situação idêntica: na sociedade da informação – mesmo os mais anónimos e anódinos de nós - temos um rasto existencial não de papéis, mas sobretudo de palavras, de informações, de opiniões e de imagens na rede. E somos nós próprios que o vamos criando através das postagens e comentários em blogues pessoais ou alheios, das contas que criamos nas redes sociais, das informações pessoais que registamos nos sítios online das mais diversas empresas, companhias e serviços online. O Google e as próprias redes sociais, no fundo, não são mais do que gigantescos e assustadores armazéns de informação. É como uma espécie de festim à espera dos comensais certos (hackers). Podemos sempre alimentar a ilusão de que, um dia, apagaremos tudo, mas não é assim tão fácil, nem tão óbvio. Até porque a “rede” faz aqui toda a diferença: apaga-se num sítio, mas há sempre qualquer coisa que fica noutro sítio qualquer e, para alguém vontade de ligar as pontas soltas, haverá sempre forma de reconstituir a informação original.
Só que, agora, já nem é preciso ser-se Sophia ou Saramago para nos vermos, também nós, confrontados com uma situação idêntica: na sociedade da informação – mesmo os mais anónimos e anódinos de nós - temos um rasto existencial não de papéis, mas sobretudo de palavras, de informações, de opiniões e de imagens na rede. E somos nós próprios que o vamos criando através das postagens e comentários em blogues pessoais ou alheios, das contas que criamos nas redes sociais, das informações pessoais que registamos nos sítios online das mais diversas empresas, companhias e serviços online. O Google e as próprias redes sociais, no fundo, não são mais do que gigantescos e assustadores armazéns de informação. É como uma espécie de festim à espera dos comensais certos (hackers). Podemos sempre alimentar a ilusão de que, um dia, apagaremos tudo, mas não é assim tão fácil, nem tão óbvio. Até porque a “rede” faz aqui toda a diferença: apaga-se num sítio, mas há sempre qualquer coisa que fica noutro sítio qualquer e, para alguém vontade de ligar as pontas soltas, haverá sempre forma de reconstituir a informação original.
Não tenho dúvidas de que um dia, alguém há-de decidir por nós o que fazer com toda esta informação acumulada. E, no meu caso particular, o mais provável é não vir a gostar nada de me (re)descobrir nesta “leitura” alheia. Ou, como escrevia Sophia de uma forma quase premonitória: na rede, "Um dia, mortos, gastos, voltaremos" (em caderno com textos datados entre 1933 e 1935. Publicado em "Dia do Mar").
Imagem do sítio http://www.bnportugal.pt/ |
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Poética e naturalista serenidade
pax rustica, uma ironia
atravesso o pinhal. o meu cão salta.
fulvo tigrado ele é da cor do mato.
por entre o tojo escapuliu-se um gato
e liga as copas uma nuvem alta.
evito a estrada e o seu traçado exacto
que a lentidão municipal asfalta.
antes o cimo em que o pulmão se exalta
e as pinhas vêm à ponta do sapato.
restolho e urze, giestas, estalidos
de folhas secas, água a correr, ruídos,
vozes distantes chamam dos quintais.
já o sol vai a pino. já no ermo,
como a manhã, todo o prazer tem termo:
chegado à vila, vou comprar jornais.
Vasco Graça Moura, in Sonetos Familiares,
Quetzal, 1999, 2ª ed.
atravesso o pinhal. o meu cão salta.
fulvo tigrado ele é da cor do mato.
por entre o tojo escapuliu-se um gato
e liga as copas uma nuvem alta.
evito a estrada e o seu traçado exacto
que a lentidão municipal asfalta.
antes o cimo em que o pulmão se exalta
e as pinhas vêm à ponta do sapato.
restolho e urze, giestas, estalidos
de folhas secas, água a correr, ruídos,
vozes distantes chamam dos quintais.
já o sol vai a pino. já no ermo,
como a manhã, todo o prazer tem termo:
chegado à vila, vou comprar jornais.
Vasco Graça Moura, in Sonetos Familiares,
Quetzal, 1999, 2ª ed.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Mudança de rumo
Antes achava que a morte, por ser irreversível, era a coisa mais dura e verdadeiramente triste que a vida nos reservava. Porém, agora, já não penso assim e acho que, mais triste ainda do que a própria morte e o seu cortejo de dores, é envelhecer longamente e mal. Esta é que a verdadeira maldade que a vida faz cada vez mais a todos nós: em vez de nos levar quando ainda nos reconhecemos frente ao espelho pela manhã, deixa-nos definhar pouco a pouco, até nos tornarmos irreconhecíveis para nós mesmos e para os outros. É esta a grande "maldição" das sociedades ditas desenvolvidas, dói-me bem mais do que a morte e, tal como ela, não tem remédio.
domingo, 23 de janeiro de 2011
Contra a abstenção, o voto remunerado
Hoje, obrigados a cumprir a obrigatoriedade de não se referirem a candidatos e respectivas canditaturas presidenciais, quase todos os jornais dedicam espaço à análise da questão da abstenção. Para o efeito convocaram reputados analistas e politólogos que apresentam as diversas e prováveis causas para o fenómeno. As mais frequentes são a manutenção nos cadernos eleitorais das pessoas que já morreram, por ausência de cruzamento de dados; e a existência de dados desactualizados, nomeadamente por parte dos eleitores que emigram e não alteram/actualizam a morada. Mas convém acrescentar que o próprio sistema político viciou os dados à partida quando decidiu que o financiamento das autarquias, o número de mandatos e o valor dos salários dos eleitos dependem do número de eleitores registados nos cadernos, independemente de votarem/existirem ou não. O que, na prática, é um mais do que óbvio convite à não actualização dos referidos cadernos eleitorais.
Para além destas, acresentam-se ainda outras razões mais associadas às atitudes e opções dos próprios eleitores:
- a hierarquização do tipo de acto eleitoral com clara desvalorização dos que não têm um impacto directo no quotidiano das pessoas;
- a descredibilização da política e, sobretudo, dos politicos;
- a pouca competitividade entre os próprios candidatos que se manifesta claramente num discurso feito de argumentos muito semelhantes, e que é também consequência da diluição ideológica dos próprios partidos políticos que tentam ser o mais abrangentes possível para agradarem e captarem um maior leque de eleitores, por sua vez cada vez menos definidos em termos político-ideológicos, sendo que muitos votam de acordo apenas com os seus interesses pessoais e/ou profissionais do momento;
- sobretudo a passividade, indiferença e alheamento dos próprios cidadãos em relação à res publica.
António Costa Pinto traça assim o retrato-robô do abstencionista: “alguém com menor nível de ducação, com sentimento de distância em relação ao Estado (pensa que a sua participação não conta), desconfia do funcionamento das instituições e tem menos identificação partidária (não se situa à direita nem à esquerda)” (in Público, 23/1/2011). Se assim for, então somos já praticamente todos abstencionistas, a começar por mim que também vejo as coisas desta forma. Contudo, até hoje, ainda só uma vez deixei de votar e, mesmo assim, por motivos de força maior. Embora consciente de que o meu voto não faz a diferença, faço questão de manifestar a minha opinião nas urnas. E julgo que não sou caso único, pois deve haver por aí muitos outros a pensar como eu. No entanto são muitas as vozes que, nestes últimos dias, têm afirmado que a elevada abstenção é um claro sinal de que a democracia está doente. Assim sendo, parece-me que, à semelhança do que deve ser feito em relação a qualquer doença, é urgente que se tomem medidas preventivas.
Foi assim que associei toda esta conversa sobre a abstenção à reportagem que ontem vi num telejornal sobre a logística associada aos actos eleitorais. Há uns anos atrás os elementos das mesas de voto eram todos voluntários e, por isso, não era fácil arranjar o número de pessoas necessárias ao seu funcionamento. Hoje, porém, a situação é diferente uma vez que todos são remunerados, para além de terem ainda direito a um dia de descanso. Além de justo, parece-me ser uma forma eficaz de combater a tal passividade dos cidadãos, pois de algum modo, a remuneração, ainda que pequena, funciona como a cenoura que faz mover a asinina criatura, também conhecida como eleitor. Ora numa sociedade movida pela ganância do dinheiro - ou pela sua falta -, em que os especuladores financeiros tudo controlam e em que o valor das pessoas é medido sobretudo pela fortuna que conseguem acumular, nada motiva mais para a acção do que... dinheiro. Até porque o tom em que os candidatos apelam ao voto em nome da “democracia” é tão pouco convincente que, o mais provável, é obter o efeito contrário: a desmobilização de muitos.
Assim, proponho à CNE e a quem de direito, o novo (e inovador) conceito de “voto remunerado”: por introduzir o seu voto nas urnas cada eleitor receberá, por exemplo, dois euros (para além de pobrezinhos estamos em crise e, por isso, não pode ser mais). É uma quantia razoável - por enquanto, ainda dá para beber um café e comer um pastel de nata, por exemplo -, que facilmente poderia ser retirada aos muitos milhões de euros que os candidatos e os partidos gastam nas campanhas com materiais inúteis – folhetos, cartazes, outdoors, faixas, pendões, mupis, etc, etc – e que mais não são do que lixo poluidor e supérfluo. Não acredito que, hoje em dia, alguém ainda vote num determinado candidato só por causa das fotografias (retocadas e muito melhoradas!) dos cartazes. Muito menos por causa dos sonoros e postiços slogans com que tentam persuadir-nos. Na verdade, podem até conseguir persuadir muitos ao voto, mas fazer-nos acreditar é algo bem distinto! Com uma tal motivação financeira - ainda que simbólica – julgo que o problema da abstenção ficaria praticamente resolvido.
Ora experimentem lá nas próximas eleições legislativas, se querem ver as taxas de abstenção a descer!
sábado, 22 de janeiro de 2011
A variável espessura da noite
O ar está impregnado do fumo aromático de uma lareira próxima. Contudo, caminhar pela rua é agora como carregar nas mãos nuas um grande bloco de gelo. A própria noite parece querer abrigar-se do frio nos recantos sombrios. O sopro álgido calou todos os pássaros e, depois, calou-se ele também para tornar mais nítidos os sons distantes. Ao fundo da rua os contínuos tiros disparados pela tampa da conduta que os carros pisam, e que fazem um ricochete metálico nas paredes, soam agora mais espaçadamente como se, apenas por uma noite, alguém tivesse declarado tréguas. E, à hora exacta, o plácido sino que ecoa chamando para a oração os monges cartuxos mais parece, neste silêncio opaco, um toque a rebate.
Decido-me então a procurar o sono como quem insiste em pesquisar debaixo dos móveis da casa a pequena e irritante conta extraviada de um colar que se partiu, ainda que saiba de antemão que não a encontrará.
Decido-me então a procurar o sono como quem insiste em pesquisar debaixo dos móveis da casa a pequena e irritante conta extraviada de um colar que se partiu, ainda que saiba de antemão que não a encontrará.
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Balanço da campanha eleitoral
Sobre a campanha eleitoral - incluindo debates, tempos de antena e entrevistas - pode dizer-se que os anúncios da Popota têm mais conteúdo e interesse.
Sobre as sondagens, apenas uma certeza: no dia 23, será eleito um presidente da república. Saber se é um novo presidente, ou não, também não apresenta grandes dificuldades, até porque, depois desta eleição, todos ficaremos exactamente como antes: mais pobres, mais desiludidos, mais enganados, menos esperançados.
Haver em Belém um novo presidente, ou não, é totalmente irrelevante para o caso. Relevante é saber como seremos (des)governados até às próximas legislativas, sejam elas antecipadas ou não. Da mesma forma que as legislativas, antecipadas ou não, serão totalmente irrelevantes se apenas servirem para permitir a tal alternância ps/psd e continuar tudo igual. Relevante mesmo é conseguir perceber se este país tem um Futuro depois de viver este presente. Isso é que eu ainda não percebi...
Sobre esta, ou qualquer outra campanha eleitoral, a vox populi é quase unânime:
Sobre esta, ou qualquer outra campanha eleitoral, a vox populi é quase unânime:
O livro de cabeceira
... ou o prazer de escrever sobre a pele as palavras que aceleram o coração. Desconcertante e belo este filme que já não via há muitos anos.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
Os discursos da campanha eleitoral em discurso directo: breve síntese
Portugueses, e portuguesas, ouçam o que eu digo que farei!
Caros concidadãos, ouçam só o que eu digo e esqueçam o que eu faço/fiz! E que fique bem claro: eu apenas digo, não faço! (e quando faço, não digo!)
E àqueles que me acusam de nada fazer eu respondo: Mentem! Eu disse, eu falei, logo fiz! E aos que dizem que eu fiz, respondo: Mentem, pois eu nunca disse que fiz e, em política, meus amigos,o que conta é o que se diz e não o que se faz. Até porque, em democracia, o povo é soberano e decide através do voto! E enquanto assim for esta nossa democracia (minada pela corrupção, má gestão, incompetência e favorecimento) nunca será posta em causa. Os portugueses podem confiar que, comigo na presidência da república e em matéria tão sensível como esta, eu digo e faço. Viva Portugal!
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
domingo, 16 de janeiro de 2011
A ingenuidade também mata
No caso da morte violenta de Carlos Castro parece-me óbvio que o rapaz, muito jovem e com a mente ofuscada por sonhos de fama e celebridade, ainda acreditava que havia almoços – e jantares românticos, festas cheias de glamour, roupas de marca, viagens de luxo & afins - totalmente grátis. Não aguentou depois o súbito cara-a-cara com a feia realidade e passou-se. Da pior forma possível para si mesmo e, sobretudo, para quem lhe tinha agarrado na mão para o iniciar neste perigoso e ilusório ritual da fama. Talvez seja por isso que, embora tendo confessado detalhadamente à polícia a forma como perpetrou o crime, não revelou os motivos que o levaram a cometê-lo. Se calhar porque ele próprio ainda não acredita como foi possível ter sido assim tão ingénuo. Ou se calhar porque acredita que o seu acto violento aplacou em definitivo os demónios que o atormentavam, assim um pouco como os antigos faziam sacríficios humanos para acalmar a ira dos deuses. O que, a ser verdade, revela uma ingenuidade ainda maior, pois parece-me bem que o jovem Renato, afinal, acabou foi de libertar demónios ainda mais perigosos.
sábado, 15 de janeiro de 2011
O harmonioso encontro dos (im)possíveis
ou o sereno e virtuoso diálogo entre a corá do Mali e o violoncelo europeu:
A desmesura das calamidades
«O homem é a medida de todas as coisas», diziam os Humanistas do séc. XVI, afirmando assim as potencialidades de ser humano e exaltando a sua acção transformadora. E de tal modo foram levados à letra que, com o passar do tempo e cada vez mais rodeado de parafernália industrial e tecnológica, o homem se veio a tornar, sobretudo, na desmedida de todas as coisas. E o pior de tudo é que a Mãe-Natureza parece estar a reagir em conformidade, numa espécie de demonstração prática da antiga e taliónica lei do «olho por olho, dente por dente».
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Campanha eleitoral
A política é hoje um lodaçal onde os candidatos chafurdam para encontrar, lá bem no fundo, as palavras mais lamacentas e os argumentos mais sujos que arremessam depois aos adversários. A política é hoje feita, não de palavras, mas de palavreado oco. As ideias foram substituídas pelo insulto, pela rasteira e pelo ataque pessoal. Por isso os discursos estão cheios de acusações, em vez de anunciarem intenções. Ainda não ouvi uma só palavra na linha do que "podem os candidatos fazer pelo país" , e estou farta de saber o que o país já fez até hoje por estes candidatos todos (com o nosso passivo consentimento, é claro).
Mas apesar da cacofonia penso que esta campanha eleitoral tem tido um grande mérito: o de revelar a verdadeira natureza política dos candidatos. A campanha eleitoral tem sido, na verdade, a "justa medida" dos candidatos que temos. E, gostemos ou não, os candidatos que temos são a "justa medida" da nossa cidadania irresponsável, passiva e mesquinha. No fundo, estes candidatos são, dizem e fazem exactamente aquilo que acham que nós queremos ouvir e ver. Na verdade, estes candidatos acham que nós não merecemos mais do que aquilo que eles são, dizem e fazem. E enquanto povo-conjunto de cidadãos, nós não merecemos, de facto, muito melhor do que os candidatos que andam por aí em campanha. Na verdade, estes candidatos e a sua campanha eleitoral são o espelho da nossa cidadania e, por isso, deviam fazer-nos pensar melhor sobre quem somos e aquilo que queremos.
E é por isso que eu voto no «candidato Vieira»: ao menos o seu discurso, por mais absurdo que seja, é coerente e consistente com os dias que vivemos. E coerência e consistência é o que mais falta aos nossos actuais e reais candidatos.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Uma lufada de fresco ar bretão
na música folk (e quase parece que estamos numa outra década, aqui há umas décadas atrás...)
Frontalidade
Ainda há por aí gente frontal, apesar de tudo. São exemplares raros. Naturalmente, não colhem unanimidade, muito menos simpatias. Maria Filomena Mónica sabe-o e está-se nas tintas. Faz ela muitíssimo bem.
Ver vídeo aqui.
Ver vídeo aqui.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Poems from the Portuguese
Numa ressonância sugestiva do título Sonnets from the Portuguese de Elizabeth Barrett Browning, o Centro Nacional de Cultura patrocina, desde o início deste ano, um sítio de internet chamado www.poemsfromtheportuguese.org , dedicado totalmente à divulgação da poesia portuguesa contemporânea
As traduções inglesas são da responsabilidade de Ana Hudson, e todos os textos se apresentam em versão bilingue. É já significativa a lista de poetas traduzidos de A a Z, de Ana Hatherly a Yvette K. Centeno, passando por Margarida Vale de Gato, Maria Andresen, Maria Teresa Horta, Nuno Júdice ou Vasco Graça Moura.
É deste último o poema
na raiz dos sonhos:
sei que aquela oliveira está ali
sei que aquela oliveira está ali
desde o princípio do mundo, habitando o tempo
e enredada no tempo à tua espera.sei que as nuvens são de lilás escurecendo e resolvem
passar em ronda lenta nas fronteiras já imperceptíveis
do pôr do sol. sei que pressentes que assim terá de ser.
sei que ouvimos o sopro irregular do que diz o noroeste
de sílabas salinas, prolongando os búzios e as ressonâncias
onde ecoa o mar, enquanto a cor das nuvens
for passando morosa do lilás às madrepérolas da noite
e nós dermos as mãos nesse silêncio atlântico. e ainda sei que o vento
se arrepia ao de leve convocando os deuses comovidos
para essa árvore sagrada em que estremece
uma folhagem verde-cinza de estrídulas cigarras
que a acompanham desde o quente começo do mundo,
deste mundo, teu e meu, agora descoberto, ou a reinventar
numa sageza ainda assim sobressaltada,
numa ternura à beira da incandescência,
num princípio de pura alegria a que iremos dando vários nomes,
coisas da alma empenhada na sua liberdade
e em fantásticas lunações e trepadeiras.
sei como sobem jasmins e madressilvas
e as essências do verão em seus caules delicados
emaranhando-se nos sonhos, na raiz crepuscular
e musical dos sonhos. sei que te encontro aí.
in O caderno da Casa nas Nuvens, 2010
Na tradução inglesa lê-se:
in the root of dreams
i know the olive tree has been there
since the beginning of the world, inhabiting time
and intertwined with time, waiting for you.
i know the clouds are darkening in lilac and decide
to go on their slow rounds along the almost imperceptible
borders of the sunset. i know you believe it must be so.
i know we can hear the irregular breath of the northwest
and what its saline syllables say, prolonging the shells and the resonance
that echoes the sea, while the colour of the clouds
will morosely turn from lilac into the mother-of-pearl of night
and we’ll hold hands in this atlantic silence. and i also know the wind
will slightly shiver as it summons the emotional gods
to that sacred tree whose greyish green foliage
will shudder from the stridency of the cicadas,
its companions since the warm beginning of the world,
of this world, yours and mine, now discovered, or yet to be reinvented
in a still disquiet wisdom
in a tenderness verging incandescence,
in a source of pure joy to which we’ll be giving various names,
things of the soul pledged to its freedom
and to fantastic lunations and climbers.
i know how jasmines and honeysuckles rise
and the summer essences are tangled in dreams
around their delicate stems, in the twilight
musical root of dreams. i know i can find you there.
Um belo poema, em qualquer língua.
domingo, 9 de janeiro de 2011
A "obesidade mental" na aldeia global
O prof. Andrew Oitke publicou um polémico livro «Mental Obesity», que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna: «Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e do conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses.»
Segundo o autor, «a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. Os cozinheiros desta magna "fast food" intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema. Os telejornais e telenovelas são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.»
O problema central está na família e na escola. «Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate. Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas. Com uma «alimentação intelectual» tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.»
Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado "Os Abutres", afirma: «O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.» O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polémico e chocante. «Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais.» Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura.
«O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem tecto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto».
As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras. «Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxal ou doentia. Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo. Não se trata de uma decadência, uma «idade das trevas» ou o fim da civilização, como tantos apregoam.
É só uma questão de obesidade. O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos. O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa sobretudo de dieta mental.»
João César das Neves, in Diário de Notícias, 22/3/2004
sábado, 8 de janeiro de 2011
«Coelho ao poleiro» e já!
Pelo menos este candidato presidencial não tem vergonha de assumir aquilo que é. Já o mesmo não se pode dizer de outros que por aí andam a armar-se em vítimas, ou mesmo em santinhos...
Metáforas (quase) naturais - X
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
O lixo em rede
A rede virtual que cerca os nossos dias tem claras semelhanças com as redes da pesca de arrasto: apanha tudo. De forma livre, circulam por todo o lado todo o tipo de e-mails, dos mais relevantes e interessantes, aos que não servem para mais nada a não ser para aumentar os lucros das empresas fornecedoras de serviços de internet e testar a nossa paciência. É o chamado "spam" o correio electrónico não desejado.
Claro que, neste capítulo, os próprios utilizadores dão uma preciosa ajuda ao fazer circular sistematicamente aquelas mensagens que não dizem coisa nenhuma que se aproveite, mas que têm de ser passadas tão depressa quanto possível a 10 pessoas, no espaço de 10 minutos, pois se não o fizermos o azar bate-nos à porta e instala-se nas nossas vidas durante, pelo menos, 10 anos. E as inúmeras mensagens para divulgar a informação sobre uma criança perdida, fugida ou extraviada, de que ninguém nunca ouviu falar, nem vai ouvir, porque não existe. Há também as variantes das crianças com cancro, supostamente a precisar de dadores compatíveis de medula, e outros quejandos. Quando os recebo associo sempre à história do Pedro e do Lobo: a estratégia seria muito boa, se fosse utilizada para fins honestos. Assim, nunca nenhuma criança realmente desaparecida será encontrada e devolvida à família devido à divulgação do caso por mail.
Há ainda uma variante muito portuguesa deste fenómeno que é a suposta denúncia dos avantajados vencimentos, benesses e mordomias dos gestores mais ou menos públicos, políticos e afins... ou até das trafulhices em que estão envolvidos. Também ainda nunca percebi por que razão circulam se, afinal, continuamos a votar neles e a permitir que o (des)governo do país continue nas suas mãos.
Claro que falta ainda referir a praga dos ppt/pps, com umas imagens idílicas e miríficas imagens, sempre com fundo musical estilo flauta de pan, que vão desde os Alpes suíços, aos campos de arroz do Vietname, e que ninguém sabe muito bem nem porquê, nem para quê andam a circular pelos mails...
E nem vale a pena perder muito tempo a falar dos montes de publicidade às coisas mais mirabolantes, sobre as quais não temos a mais pequena ideia, nem sequer da forma como os remetentes obtiveram o nosso endereço de e-mail. Muitos menos daquelas empresas a quem, de forma inocente ou por alguma razão prática e pontual, divulgámos o nosso mail e que, simpaticamente, todos os dias nos mandam pelo menos duas mensagens publicitárias.
E depois há uns casos estranhos. Há dias recebi "out of the blue" esta enigmática mensagem, enviada supostamente da Serra Leoa. Ora veja-se a minha incrível sorte:
"Greetings,
I am Madam Reakkah Bakko from Sierra-Loene married to Mr. Williams Bakko, he was dealing on Gold and Diamond, who died of cancer leaving me and my only son Ken who is 7 years now, and before his death he deposited US$10.5 Million dollars in a bank in Ouagadougou (Burkina-Faso).
Since the death of my husband, his brothers have been seriously chasing me around with constant threats, trying to suppress me so that they might have the documents of his landed properties and confiscate them. They have successfully collected all his properties, yet they never stopped there, they told me to surrender all bank accounts of my late husband, which I did, but I never disclose to them of this deposit. Because my husband made the deposit in a suspense fixed account with a clause attached to it for onward transfer into a foreign account.
Now that the situation is becoming uncontrollable because of pressure on me from the family members, which I will no longer like to take more risk staying here with my only son who is just Seven year old, I am now soliciting for your help to stand as my foreign business partner to receive the fund into your account. You will help me to invest the money into real estate once I come over there with my son.
So if you accept to be my partner to receive the fund in your account, get back to me for more details. Please call me after reading: +22675199414
Thanks,
Madam Reakkah Bakko"
Madam Reakkah Bakko"
É de fazer chorar as pedras... de tanto rir, claro está.
Só que, e aqui já não me dá assim tanta vontade de rir, se alguém continua a enviar este tipo de mensagens é porque muitos destinatários também continuam a achar que algo assim poder ser verdade no mundo cão em que vivemos e respondem-lhes caindo assim, como é óbvio, no conto do vigário. Os fins continuam a ser sempre os mesmos - sacar dinheiro e/ou informação que possa render depois mais dinheiro por vias desonestas (números de cartões, códigos, e sei lá que mais) - embora os meios utilizados para os alcançar acompanhem a evolução tecnológica.
Conclusão: tanta informação disponível em todo o lado e através de todos os meios, tanta facilidade no acesso a essa mesma informação, tanta gente, supostamente, tão mais informada e, afinal, independemente da idade, do sexo, da educação ou formação académica continuamos a cair no conto-do-vigário com uma facilidade impressionante. E que ninguém tenha a pretensão de se julgar imune a estas coisas...
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Vida severina
Em época natalícia desmultiplicam-se os bodos aos pobres com transmissão directa pelas televisões à hora dos telejornais, promovidos tanto por instituições e associações, como por privados, assim ao estilo alívio da consciência colectiva de um país que sabe serem cada vez mais profundas as desigualdades sociais entre ricos, cada vez mais ricos, e pobres, cada vez mais pobres, com uma espécie de terra de ninguém pelo meio: a da classe dita noutros tempos «média», que agora alimenta novas formas de pobreza, nascidas das dificuldades em respeitar compromissos financeiros e que, a seu tempo e com a perda de emprego, casa, família, etc. irão engrossar a fileira dos novos indigentes: os do colapso do sistema financeiro (inter)nacional. Mas há sempre umas bolsas de miséria que escapam a tanta generosidade. A SIC revelou uma delas na semana passada e, claro, aproveitou para explorar de forma indecente a situação, arvorando-se uns ares de superioridade informativa e humanitária, como se denunciar o que está errado na nossa sociedade não fosse um dos desígnios dos media.
...para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguirmelhor Vossas Senhorias
a história da minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra...
Continuam a chegar às centenas, todos os dias. Ninguém sabe ao certo quantos. A miséria em todos os graus, matizes e variantes (im)possíveis, a instabilidade social, política e económica, ou mesmo a guerra são a adrenalina que os move. Dão o dinheiro que têm, e sobretudo o que não têm, a angariadores sem escrúpulos, percorrem e aguentam milhares de quilómetros para tentar alcançar um único sonho: viver e trabalhar num país da 'rica e desenvolvida' União Europeia. Nem sequer pedem muito: apenas sobreviver.
Nunca esperei muita coisa, (...)
Sabia que no rosário
Sabia que no rosário
de cidades e de vilas, (...)
não seria diferente
a vida de cada dia:
que sempre pás e enxadas (...)
o meu braço esperariam...
Uma vez no nosso país, os que têm sorte aceitam tudo e de bom grado, até a hipócrita e condescendente xenofobia de muita da nossa boa gente. Aceitam trabalhar excessivamente por quantias irrisórias, em condições tão más que, muitas vezes, ficam invalidos ou doentes; viver em condições indignas e fazer os trabalhos que muitos portugueses - apesar das queixas de que isto está mau - já se podem dar ao luxo de recusar. No fundo, aceitam fazer o tipo de trabalhos que, não há muito tempo atrás e agora com a crise cada vez mais, muitos portugueses eram obrigados a aceitar aí por essa Europa fora, exactamente pelas mesmas razões. Aceitam trabalhar para patrões sem escrúpulos que desconhecem em absoluto o significado de palavras como respeito ou dignidade e, por isso, nunca tiveram a intenção de lhes pagar a vergonha a que chamam salário. São a galinha dos ovos de ouro desta escumalha humana gerada pelo lado pior das economias liberais.
Mas (...) esperei, devo dizer,
que ao menos aumentaria
na quartinha, a água pouca, (..)
ou meu aluguel com a vida...
No mundo dos ricos estes enteados da má-sorte nem sequer são números, quanto mais pessoas. Por isso, acabam, literalmente, na lixeira humana das grandes metrópoles. No fim desta eficiente linha de montagem da exploração e da humilhação humanas resta-lhes a mendicidade, a marginalidade, a prostituição, o álcool, a droga... e é nos contentores do lixo que fazem o seu bodo diário... Mesmo em época de apelos natalícios e eleitorais à solidariedade e afins, são tão descartáveis que a solução politicamente mais indolor que se encontra é dar-lhes um bom jantar e devolvê-los à procedência tão depressa quanto possível, parecendo ao mesmo tempo que se faz um grande bem (como convém). Só que os inúmeros e servis «obrigados» que enchem a reportagem da SIC acabam por ter um efeito inverso ao pretendido: amplificam toda esta nossa hipocrisia de uma forma quase impiedosa.
Encontrou-se, neste caso, uma forma de não resolver coisa alguma, já que todos voltaram para a miséria de que tinham tentado fugir, marcados negativamente para o resto da vida e ainda mais pobres do que antes. Mas enfim, varreu-se mais um problema para debaixo do tapete - e problemas, como é sabido, já nós cá temos até demais... Além disso, como de vergonha apenas se morre em sentido figurado, temos que guardar espaço para outros, muitos outros como eles que andam por aí dispostos a ocupar as vagas para beneficiários destes magnânimos gestos de solidariedade natalícia... Só falta é que a reportagem da sic (ou outra qualquer) os encontre....
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida (...)
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta, (...)
de fome um pouco por dia...
Nota: em itálico, excertos de Morte e Vida Severina - Auto de Natal Pernambucano (1966) de João Cabral de Melo Neto.
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Uma educativa antevisão do futuro que vem já aí
Se isto é assim na Grã-Bretanha... Por cá, como será? Ah, sim, temos o Plano Tecnológico!
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
E porque estamos ainda a iniciar viagem neste recém inaugurado ano
Oração para aviadores
Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
De feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.
Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
nossas asas.
A salvo de árvores, casas
E penedos, nossas asas
Governai.
Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.
Santa Clara, clareai.
Manuel Bandeira
Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
De feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.
Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
nossas asas.
A salvo de árvores, casas
E penedos, nossas asas
Governai.
Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.
Santa Clara, clareai.
Manuel Bandeira
PS (de post scriptum, claro!) - Nem de propósito, este poema-oração de Manuel Bandeira, foi utilizado na publicidade de um banco brasileiro e, tendo em conta a actual situação de crise económica que as instituições bancárias atravessam, bem podia ser adoptado também pelas nossas, assim tipo «oração a rezar todas as manhãs, antes de inciar as operações financeiras no mercado internacional». Podia ser que resultasse onde tudo o resto tem estado a falhar...
E ao nosso primeiro-ministro que anda aí mundo fora a tentar impingir títulos da dívida portuguesa a toda gente, mas sem grandes resultados, deixo aqui a sugestão de se inspirar no estilo de um daqueles animadores da TvShop que vendem cremes mágicos, colchões medicinais e electrodomésticos fantásticos, mas que ninguém sabe muito para que servem. Claro que, na TvShop, estas coisas costumam também ter uns bónus para os primeiros dez espectadores que ligam nos dez ou quinze minutos a seguir à passagem do anúncio e, se calhar, é mesmo isso que tem faltado nas apresentações que o primeiro-ministro anda a fazer por aí... Pois então, quem sabe se com um bónus o produto não vendia melhor? Talvez uns Magalhães, desses de última geração? Ou quem sabe também umas exclusivas excursões a Fátima com tudo pago e uma «sessão especial de apresentação do produto» lá pelo meio? Em última análise, sugiro mesmo a contratação de um dos apresentadores-vendedores brasileiros da própriaTvShop. E, já agora, porque não a venda dos títulos na dita TvShop?
De qualquer modo, e a julgar pelos últimos números do crescimento da economia brasileira, oxalá que o Brasil se decida finalmente a comprar-nos o raio dos títulos da dívida pública (e todos, de preferência!) a ver se ficamos transformados numa espécie de «delegação europeia» da grande potência mundial em que o país dito irmão se está a transformar. E até ficava tudo em «família» pô... Até lá, claro, faço minhas as palavras do poeta: «Santa Clara, clareai.»
domingo, 2 de janeiro de 2011
O puzzle inconjunto dos pensamentos e dos dias
Algumas – muito poucas - das pequenas peças do puzzle inconjunto dos pensamentos e dos dias ajustam-se quase sem esforço, como se estivessem magnetizadas. As outras, porém, dão voltas e voltas, mas não encontram encaixe possível e andam por ali a embaraçar a composição do próprio puzzle. Às tantas, com a frustração e o cansaço chegam as dúvidas e as interrogoções: serão peças extraviadas ou perdidas de outros puzzles, de outros pensamentos e de outros dias? E o que fazer com elas? Ignorá-las? Esquecê-las? Rejeitá-las? Mas como, se elas, de facto, estão ali e reclamam um lugar a que, por natureza, têm direito? Mas como, se teimosamente elas insistem em procurar o seu lugar, mesmo sabendo até que nunca houve, nem haverá, tal encaixe no puzzle inconjunto dos pensamentos e dos dias.
À medida que os anos passam e nos vemos confrontados com cada vez mais peças soltas, percebemos que, afinal, o tal puzzle dos pensamentos e dos dias é inconjunto justamente por ser feito de peças impossíveis de encaixar umas nas outras. Percebemos que, afinal, é feito sobretudo de tentativas infrutíferas. Percebemos que, afinal, não é apenas inconjunto, é essencialmente inútil e absurdo. Suponho que ser feliz poderá ser algo como conseguir mandar não apenas as peças soltas, mas todo o puzzle dos pensamentos às urtigas e ficar apenas com o dos dias, sem mais nada à volta. Assim algo próximo daquilo que os sábios clássicos designavam "carpe diem".
sábado, 1 de janeiro de 2011
Uma flûte meio cheia ou meio vazia?
Ainda o tchim-tchim das flûtes de espumante nos ecoa nos ouvidos à mistura com os votos e brindes de “bom ano novo” e já os noticiários nos bombardeiam o espírito com as palavras “crise” e “austeridade”, acompanhadas pela interminável, detalhada e generalizada lista de aumentos de preços que vamos ter que suportar a partir de janeiro.
Apesar desta chicotada financeira e das garantias do ministro das Finanças de que ela é, não apenas necessária mas também suficiente, para fazer descer o défice do estado para uns decentes 4,6 %, a verdade é que a notação atribuída pelas agências de rating à dívida portuguesa não pára de descer, como se viu há poucos dias com a Fitch. Este corte no “rating” da dívida externa acompanha não apenas a crescente dificuldade do estado em endividar-se no estrangeiro, mas também já a dos próprios bancos nacionais. Tudo parece assim indicar que as ditas agências de notação financeira olham para a flûte de espumante nacional e a vêem mas é cada vez mais vazia.
Claro que o senhor ministro das Finanças veio de imediato lamentar-se por mais esta agora incompreensível injustiça, salientando que há um orçamento de estado já aprovado para o próximo ano, contendo medidas reforçadas de consolidação e controlo orçamental e que, na sua douta opinião, tudo vai resolver. Ao ouvir tamanho optimismo e convicção seríamos tentados a dizer que a flûte, afinal, está meio cheia, ao contrário do que pensam e dizem todos esses especialistas e analistas financeiros. E a prová-lo deve estar o facto de o Estado se continuar a endividar alegremente lá fora como quem, em noite de réveillon, esvazia flûtes de espumante para esquecer o amanhã.
Ora até eu sei que sem dinheiro isto não funciona, de facto. Mas também sei, e as associações de defesa do consumidor alertam todos os dias para isso, que quando alguém começa a contrair novos empréstimos para pagar os anteriores e respectivos juros, a coisa se começa a tornar realmente grave. E sei ainda que o mais certo e comum nestas circunstâncias é alguma entidade exterior ao problema ter que intervir para negociar uma solução com os bancos e encontrar formas de evitar o descalabro financeiro da pessoa endividada e a perda total dos seus bens (casa, carro, bens diversos), comprados com a ajuda desses mesmos bancos e instituições de crédito. Todos os anos centenas de famílias recorrem aos serviços jurídicos da Deco, por exemplo, para renegociar as dívidas à banca e estabelecer verdadeiros planos de sobrevivência financeira, que possam efectivamente suportar.
Ora nós temos vindo a assistir passivamente às notícias que dão conta de que o nosso estimável primeiro-ministro anda aí pelo mundo, qual caixeiro viajante, a tentar vender a toda a gente títulos da nossa dívida: aos chineses, aos brasileiros, aos angolanos e até, pasme-se, aos timorenses. Até agora só tem havido lindas promessas de ajuda, claro. Se houvesse por cá petróleo e afins haveria certamente interessados, mas assim é mais difícil e as contrapartidas exigidas ao governo para que o façam devem ser da ordem do «é melhor nem sabermos», pelo menos para já. Na verdade, até agora, só o Banco Central Europeu tem estado realmente a comprar títulos da dívida, do nosso e de outros países europeus em dificuldade, para nos facilitar a continuação do endividamento, isto é, para que nos continuem a emprestar dinheiro a taxas de juro que, embora sempre a subir, se mantenham em níveis não demasiado escandalosos. Ora parece-me que vai sendo tempo de criar uma espécie de Deco mas para os países, assim uma entidade que o senhor ministro das Finanças pudesse consultar para ver como é que vai conseguir fazer a proeza de pagar todas as dívidas que tem andado a contrair em nosso nome – e que vão continuar a crescer este ano -, sem paralisar de vez um país que já está com dificuldade em respirar devido à frágil situação económica (acentuado decréscimo da produção de riqueza e do investimento económico) e ao sério agravamento das dificuldades e problemas sociais que daí derivam. Por outro lado, era bom que alguém explicasse ao senhor ministro das Finanças que contrair dívidas para pagar empréstimos já vencidos, a taxas de juro cada vez mais altas, é capaz de não ser uma ideia muito inteligente também para os países, sobretudo numa conjuntura internacional tão desfavorável. Ou talvez essa entidade até já exista e se chame FMI. Os nossos governantes têm-se mostrado desagradados com esta possibilidade, argumentando que os cortes seriam então a direito e que as medidas de austeridade seriam bem mais profundas. (Dizem também que conseguem sozinhos dar conta do recado, mas acho que, sobre isso, até eles próprios têm sérias dúvidas.) Só que, tendo em conta o total dos cortes que vão ser feitos este ano nos salários e nos diversos apoios do Estado, concatenados com os aumentos de preços e de impostos, eu diria que muito pior não deve poder ser. Experimentem perguntar aos que perderam o emprego, alguns até já o próprio subsídio de desemprego, aos que estão sem qualquer expectativa de novo emprego e que têm vindo a perder tudo, até a própria dignidade, se acham que é possível vir alguém e cortar ainda mais a direito que isto? E se vier uma entidade que corte realmente a direito em tudo, até na corrupção e no favorecimento mais desavergonhado, haverá alguém, de entre os que já estão a pagar as chorudas facturas de todos estes desv(ar)ios, que se oponha à sua presença por cá?
É claro que o senhor ministro das Finanças goza da reputação de ter “competência técnica” e por isso, só espero que consiga aguentar o malabarismo circense a que se propõe: manter todas estas peças em equilíbrio instável sobre o fio da navalha, assim tipo número de circo chinês de natal. Certo é que, por agora, a única flûte que está a ficar cada vez mais cheia – e de champanhe genuíno – é, sem dúvida, a dos nossos credores. E algum tilintar mais cristalino que se ouviu pelos céus aí na noite de passagem de ano foi certamente dos brindes que tais personagens fizeram ao sucesso dos seus negócios e aos bons auspícios para 2011. É que, já na próxima semana, o Estado português vai novamente a leilão internacional para contrair um novo empréstimo, com taxas de juro muito próximas dos 7%. E nós bem podemos começar desde já a poupar para pagarmos mais este e os que se lhe irão seguir ao longo do ano. Brindemos, pois, ao recém iniciado Ano Novo antes que se acabe até o dinheiro para o espumante: tchim-tchim.
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