Hoje, obrigados a cumprir a obrigatoriedade de não se referirem a candidatos e respectivas canditaturas presidenciais, quase todos os jornais dedicam espaço à análise da questão da abstenção. Para o efeito convocaram reputados analistas e politólogos que apresentam as diversas e prováveis causas para o fenómeno. As mais frequentes são a manutenção nos cadernos eleitorais das pessoas que já morreram, por ausência de cruzamento de dados; e a existência de dados desactualizados, nomeadamente por parte dos eleitores que emigram e não alteram/actualizam a morada. Mas convém acrescentar que o próprio sistema político viciou os dados à partida quando decidiu que o financiamento das autarquias, o número de mandatos e o valor dos salários dos eleitos dependem do número de eleitores registados nos cadernos, independemente de votarem/existirem ou não. O que, na prática, é um mais do que óbvio convite à não actualização dos referidos cadernos eleitorais.
Para além destas, acresentam-se ainda outras razões mais associadas às atitudes e opções dos próprios eleitores:
- a hierarquização do tipo de acto eleitoral com clara desvalorização dos que não têm um impacto directo no quotidiano das pessoas;
- a descredibilização da política e, sobretudo, dos politicos;
- a pouca competitividade entre os próprios candidatos que se manifesta claramente num discurso feito de argumentos muito semelhantes, e que é também consequência da diluição ideológica dos próprios partidos políticos que tentam ser o mais abrangentes possível para agradarem e captarem um maior leque de eleitores, por sua vez cada vez menos definidos em termos político-ideológicos, sendo que muitos votam de acordo apenas com os seus interesses pessoais e/ou profissionais do momento;
- sobretudo a passividade, indiferença e alheamento dos próprios cidadãos em relação à res publica.
António Costa Pinto traça assim o retrato-robô do abstencionista: “alguém com menor nível de ducação, com sentimento de distância em relação ao Estado (pensa que a sua participação não conta), desconfia do funcionamento das instituições e tem menos identificação partidária (não se situa à direita nem à esquerda)” (in Público, 23/1/2011). Se assim for, então somos já praticamente todos abstencionistas, a começar por mim que também vejo as coisas desta forma. Contudo, até hoje, ainda só uma vez deixei de votar e, mesmo assim, por motivos de força maior. Embora consciente de que o meu voto não faz a diferença, faço questão de manifestar a minha opinião nas urnas. E julgo que não sou caso único, pois deve haver por aí muitos outros a pensar como eu. No entanto são muitas as vozes que, nestes últimos dias, têm afirmado que a elevada abstenção é um claro sinal de que a democracia está doente. Assim sendo, parece-me que, à semelhança do que deve ser feito em relação a qualquer doença, é urgente que se tomem medidas preventivas.
Foi assim que associei toda esta conversa sobre a abstenção à reportagem que ontem vi num telejornal sobre a logística associada aos actos eleitorais. Há uns anos atrás os elementos das mesas de voto eram todos voluntários e, por isso, não era fácil arranjar o número de pessoas necessárias ao seu funcionamento. Hoje, porém, a situação é diferente uma vez que todos são remunerados, para além de terem ainda direito a um dia de descanso. Além de justo, parece-me ser uma forma eficaz de combater a tal passividade dos cidadãos, pois de algum modo, a remuneração, ainda que pequena, funciona como a cenoura que faz mover a asinina criatura, também conhecida como eleitor. Ora numa sociedade movida pela ganância do dinheiro - ou pela sua falta -, em que os especuladores financeiros tudo controlam e em que o valor das pessoas é medido sobretudo pela fortuna que conseguem acumular, nada motiva mais para a acção do que... dinheiro. Até porque o tom em que os candidatos apelam ao voto em nome da “democracia” é tão pouco convincente que, o mais provável, é obter o efeito contrário: a desmobilização de muitos.
Assim, proponho à CNE e a quem de direito, o novo (e inovador) conceito de “voto remunerado”: por introduzir o seu voto nas urnas cada eleitor receberá, por exemplo, dois euros (para além de pobrezinhos estamos em crise e, por isso, não pode ser mais). É uma quantia razoável - por enquanto, ainda dá para beber um café e comer um pastel de nata, por exemplo -, que facilmente poderia ser retirada aos muitos milhões de euros que os candidatos e os partidos gastam nas campanhas com materiais inúteis – folhetos, cartazes, outdoors, faixas, pendões, mupis, etc, etc – e que mais não são do que lixo poluidor e supérfluo. Não acredito que, hoje em dia, alguém ainda vote num determinado candidato só por causa das fotografias (retocadas e muito melhoradas!) dos cartazes. Muito menos por causa dos sonoros e postiços slogans com que tentam persuadir-nos. Na verdade, podem até conseguir persuadir muitos ao voto, mas fazer-nos acreditar é algo bem distinto! Com uma tal motivação financeira - ainda que simbólica – julgo que o problema da abstenção ficaria praticamente resolvido.
Ora experimentem lá nas próximas eleições legislativas, se querem ver as taxas de abstenção a descer!
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