Ivan Kulikov: Família à mesa; 1938 |
Fomos sempre três àquela mesa onde
era servido um costumeiro silêncio carregado
de recriminações, de culpas e de
ressentimentos.
Fomos sempre três àquela mesa
onde, ao longo dos anos,
cada um dos convivas foi encontrando
o seu próprio ponto de fuga
para disfarçar o incómodo:
o prato, a televisão ou a janela
por onde o bulício citadino entra na
casa.
Fomos sempre três àquela mesa
onde era preciso evitar a todo o custo
que os olhares se cruzassem
para que a discussão não fizesse
esquecer a comida quase fria nos pratos.
Fomos sempre três àquela mesa
onde todos comíamos à pressa
(mesmo nos dias em que havia tempo),
porque naquele silêncio tenso
a proximidade física era quase
insuportável.
Na verdade, no centro da velha casa
familiar com paredes de pedra e taipa,
o que sempre houve foi três mesas
separadas
onde cada um de nós, por hábito ou
conformismo,
se sentava para comer a sós consigo
mesmo,
mas ao mesmo tempo que os outros dois.
Às vezes ainda somos três sentados àquela mesa
feita de três mesas diferentes e
incomunicantes.
A dor disso é que, com o tempo, se foi tornando diferente.
Ou talvez estejamos agora tão habituados
a ela
que quase já não a sentimos.
2 comentários:
boa réplica do "éramos cinco à mesa"
do José Luís Peixoto
beijinho
Obrigada.
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