Aziza Mustafa Zadeh nasceu no Azerbeijão e, para além de ser uma brilhante pianista de formação clássica, é dona e senhora de uma poderosa e belíssima voz que nos transporta para bem longe, como se participássemos num ritual xamã.
quinta-feira, 31 de março de 2011
Proverbiais e aforísticas
Águas passadas não movem moinhos, dizem, mas movem certamente moinhas. E tantas que, às vezes, mais parece que as águas estão paradas.
quarta-feira, 30 de março de 2011
Lua cheia de música...
...ou a voz crioula de Mayra Andrade a cantar: "Luâ fika ku mi más um kusinha Dexâ-m lambuxa na bo, Limia nha korpu ku káima! Luâ dés ki témpu na aitura Bu limia nórti, bu limia sul Bu limia préta, bu limia bránka, Luâ! Luâ riba riba mutu riba, Pa riba simbrom ku tambarinha, Riba trópa ku nhu pádri, Luâ! Lua nóba sima Rikardina Más rodónda ki Putchutcha Xeia sima petu-Sheila, Lua ! Lua, limia riba, xeia! Xeia, lua, limia, riba!"
Verborreia
Por estes dias que vivemos os dois principais candidatos à (des)governação do país (e respectivos serviçais) desmultiplicam-se em declarações e contra declarações, reuniões, entrevistas, discursos, tiradas, slogans e promessas. Falam, falam, falam sem parar. Uma verborreia imparável que já não se aguenta. Mas o que dizem, afinal?
Há um brevíssimo poema que sintetiza bem o conteúdo destes quase solilóquios delirantes de vaidade e de presunção, ou não fosse ele de Alexandre O'Neill:
Discurso
no dize-tu-direi-eu
havia um que dizia
quer dizer é como quem diz
que o mesmo é não dizer nada
tenho dito
In Poesias Completas
Assírio & Alvim, Lisboa, 2000
terça-feira, 29 de março de 2011
Tempo paradoxal
Também eu, olhando no espelho o curso apressado do "rio sem margens", pergunto muitas vezes ao tempo «quanto tempo o meu tempo tem?». Mas ele, impassível, responde sempre da mesma forma: «não sei». E logo busco a fraca consolação da lapalissiana verdade - «o melhor é aproveitar enquanto há» - para tentar abafar a voz esganiçada que, lá bem no fundo, remata em tom sarcástico: «certo é que já perdeste demasiado tempo».
Contudo, a única certeza que o tempo me deu até agora é a de que o meu tempo não me dará sequer tempo para ter tempo. Nem o tempo breve de um único poema.
Aurai-je le temps de voir la nuit
Aurai-je le temps de voir le jour
Aurai-je le temps de voir la fin du monde
Aurai-je le temps de tout voir
Et d'avoir le temps
Pierre Albert-Birot, Invitation aux voyages,
B.T.,n 84,1976
Nem sequer o tempo enfeitiçado de uma canção insolente.
E ainda assim, de forma paradoxal, canto baixinho em frente ao espelho: "je l'aime tant ce temps qui reste..."
segunda-feira, 28 de março de 2011
As árvores crescem sós
As árvores crescem sós.
E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.
As árvores não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.
António Gedeão, in "Obra Poética", Lisboa, Edições JSC, 2001
E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.
As árvores não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.
António Gedeão, in "Obra Poética", Lisboa, Edições JSC, 2001
As leis teóricas e a sua contradição natural
1. Lei de Lavoisier: na natureza algumas coisas perdem-se, de facto, e ainda assim conseguem transformar-se. A grande árvore que a tempestade derrubou é agora suporte para um belo ninho de cegonha, continuando os ramos a crescer no tronco que ficou enraizado.
2. Lei de Murphy: por vezes o que está mal não fica pior. Só mesmo a natureza para fazer acontecer as coisas desta forma, exactamente ao contrário do que ocorre quase sempre com a nossa própria vida: o que está mal, pode sempre ficar pior ainda.
Vila Boim, 28/3/2011 |
Vila Boim, 28/3/2011 |
P.S. - Espiolhar em directo o quotidiano das cegonhas que nidificam numa plataforma colocada pela REN no cimo de um poste de alta tensão na zona do Porto Alto é possível no webcegonhas. Espreitei há pouco: as cegonhas enfrentam corajosamente a chuva miudinha deste fim de tarde e um vento áspero e frio enquanto chocam dois ovos (só um dos ninhos é que tem postura, no outro ainda não chegaram a essa fase). Bem mais adiantados estão os Grifos que nidificam nas falésias rochosas das Portas de Ródão e que já são pais de pelo menos um "grifinho" que se abriga do frio sob as asas da mãe. A vida íntima desta família fantástica também pode ser espreitada em grifos na web. Nada tenho contra este "big brother" natural, que até é bem pedagógico.
domingo, 27 de março de 2011
Com Fúria e Raiva
Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas", 1977, Moraes Ed.
E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas", 1977, Moraes Ed.
sábado, 26 de março de 2011
Dar um pontapé na crise
Não deixa de ser curioso observar as longas filas de gente que espera, à chuva, para votar nas eleições do sporting. Ao que parece ninguém quer perder a oportunidade de votar no «seu» candidato à presidência do clube, ou seja, o oposto daquilo que acontece normalmente quando se trata de eleições legislativas ou outras em que o pessoal nem se dá ao trabalho de sair de casa.
Tão grande "civismo", que obriga até ao sacrifício de uma longa espera, chega a comover-me, e deixa-me cada vez mais convencida de que isto só lá vai é com futebol. Empenhamento, motivação e espírito de sacrifício estavam assim garantidos por mais duras e difíceis que fossem as decisões a tomar. Exactamente aquilo que tem faltado aos nossos distintos governantes para poderem levar a bom termo as reformas urgentes que o país precisa. Começo até a pensar que isto só leva caminho quando o CR7 se tornar primeiro ministro. Aí sim, é que o pessoal ia ficar todo contente. Coisa aliás em que o nosso (ainda) actual primeiro ministro também já pensou. Chegou até a tomar um mediático pequeno almoço na companhia do Figo para ver se sacava algumas dicas sobre como havia de convencer o povo de que tinha na sua excelsa pessoa um autêntico craque. Mas como se tornou já bem evidente para todos a estratégia não deu grande resultado.
É que, ao (ainda) primeiro ministro falta perceber que, de futebol, entende mais o povinho do que ele e, por isso, apenas se contentam com “the real thing”, que é como quem diz “the special one” e o “puto maravilha”. Há só um pequeno detalhe a estragar isto tudo: não há dinheiro que chegue para lhes pagar os honorários, ao mister e ao seu estrelático jogador. É por isso que, de vez em quando, lá vamos então dando umas chicotadas psicológicas nisto tudo, para podermos contratar uns craques novos e uns treinadores mais baratinhos...
Vai funcionando mas, de facto, não é a mesma coisa. E é certamente por isso que nos estamos a afundar nas areias movediças da crise económica. Só estou espantada que ainda ninguém tenha vindo prometer ao povinho mais uns dez estádios de futebol, espalhados pelo interior do país para contrariar a desertificação, ou mesmo a transformação disto tudo num gigantesco clube de futebol, gerido por uma competentíssima SAD. Quando tal suceder, estou certa de que a crise acaba logo e a revitalização da economia será uma realidade. Até porque, ao que tudo indica, na economia propriamente dita, ninguém quer investir, mas nos clubes de futebol os milhões caem em catadupa vindos de investidores angolanos e outros ainda mais misteriosos que, pelos vistos, têm é dinheiro a mais. Há por isso que aproveitar antes que (também) esta torneira se feche.
sexta-feira, 25 de março de 2011
E há vozes puras que cantam poemas torturados...
Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
– E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento! ...
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento ...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!
Florbela Espanca, "Tortura", in Livro de Mágoas, 1919
quinta-feira, 24 de março de 2011
Interrogações sobre a teoria da conspiração do governo
Por estes dias em que parece andar tudo um tanto enlouquecido a explanar opiniões, palpites, ideias, críticas, teorias, hipóteses e ameaças em todo o lado, a todas as horas e sob todas as formas parece-me legítimo que também eu, simples e anónima contribuinte, possa atirar os meus palpites para o espaço virtual da blogosfera.
Começo desde logo por declarar que a teoria da conspiração do governo me parece bem mais plausível do que a teoria da conspiração contra o governo que o PS anda por aí a apregoar incansavelmente. Passo a explicar.
A ideia que corre por aí de que a sofreguidão do PSD em chegar ao governo é que deu origem à crise política que estalou ontem à noite com o pedido de demissão do primeiro ministro é só uma parte da verdade. As outras partes da dita distribuem-se - certamente em partes desiguais - por idêntico número de capelinhas. Alguém duvida de que Sócrates andava mais frustrado e zangado a cada dia que passava, pelo facto de ter perdido a maioria absoluta nas últimas eleições e se ver forçado a negociar e a alcançar compromissos com a oposição para poder aprovar certas medidas? A que acresce a mais que evidente saturação da permanente chuva de metralha, ou seja, de críticas e de acusações vindas de todo o lado e de toda a gente, desde os partidos aos parceiros sociais, comentadores, jornalistas, cidadãos anónimos, etc., que o homem tinha que engolir todos os dias?
A ideia que corre por aí de que a sofreguidão do PSD em chegar ao governo é que deu origem à crise política que estalou ontem à noite com o pedido de demissão do primeiro ministro é só uma parte da verdade. As outras partes da dita distribuem-se - certamente em partes desiguais - por idêntico número de capelinhas. Alguém duvida de que Sócrates andava mais frustrado e zangado a cada dia que passava, pelo facto de ter perdido a maioria absoluta nas últimas eleições e se ver forçado a negociar e a alcançar compromissos com a oposição para poder aprovar certas medidas? A que acresce a mais que evidente saturação da permanente chuva de metralha, ou seja, de críticas e de acusações vindas de todo o lado e de toda a gente, desde os partidos aos parceiros sociais, comentadores, jornalistas, cidadãos anónimos, etc., que o homem tinha que engolir todos os dias?
Alguém ainda duvida de que, neste clima de acesa guerra verbal, de vagas sucessivas de manifestações na rua, de descontentamento generalizado e a agravar-se a cada dia, ele não estivesse já a antecipar que o seu futuro político ficaria seriamente comprometido se levasse este mandato até ao fim, e respectivas medidas de austeridade impostas pela Europa?
Mas alguém ainda tem dúvidas de que Sócrates, ao negociar o PEC IV com os patrões da Europa, sem dar cavaco a ninguém e muito antes do prazo normal (Abril), não sabia já o que estava a fazer e, sobretudo, não ignorava as consequências que viriam depois?
Haverá alguém que não tenha compreendido o significado da sua decisão de abandonar o debate na Assembleia da República, deixando o ministro das Finanças a enfrentar sozinho as feras? Não terá sido apenas mais um que, bem na linha de anteriores primeiros ministros (Guterres e Durão Barroso), abandona o barco quando as coisas começam mesmo a complicar-se?
Não terá afinal Passos Coelho feito um grande favor a Sócrates e ao PS, livrando-os da responsabilidade odiosa de implementar as draconianas medidas de austeridade que nos vão deixar a todos de tanga, literalmente? Pois não será a ele que, caso venha a vencer as eleições antecipadas, caberá agora esse papel, tornando-se assim no alvo preferencial da fúria e da insatisfação de todos nós por causa dos sacrifícios que, queiramo-lo ou não, nos vão ser pedidos? Tudo isto com diversas vantagens para Sócrates e para o PS: como a de poder, a partir de agora culpar o PSD por tudo o que vier a acontecer, ou seja, por ter que implementar os severos cortes na despesa do estado e, claro, por não ter permitido que o PS implementasse as suas. Como é óbvio irá sempre acrescentar que estas seriam menos gravosas, que com o PS isto, aquilo e o outro nunca aconteceriam, blá, blá, blá... À mais que óbvia expressão "presente envenenado", acrescento que quase sinto pena de Passos Coelho ao ver o ar contentinho com que se pavoneia por aí a pensar que tem agora a cadeira do poder ao seu alcance.
Não estará Sócrates, lá bem no fundo, a rir de satisfação por ter conseguido tão facilmente matar dois coelhos de uma só cajadada? Ora vejamos: livra-se de trabalhos e aflições e, ainda por cima, se arma em paladino da pátria junto da União Europeia - um homem só a lutar contra os traidores e contra os monstros que querem fazer mal ao "seu país". Logo depois das eleições (muito provavelmente perdidas) a Europa, sempre magnânime, recompensará este seu cavaleiro andante da lusa pátria convidando-o para um alto, bem remunerado e honorífico cargo. Lá do alto, Sócrates acompanhará então o lento afundamento da "jangada" e, sempre que tiver oportunidade, dará, com uma voz séria e grave, sábios conselhos ao governo que então estiver em funções por cá e que este, claro está, tratará de ignorar com desprezo.
Mesmo que, ingenuamente, pensemos que o país não pode ficar pior do que já está, o melhor é prepararmo-nos, pois a verdade é que isto ainda não bateu no fundo.
Mesmo que, ingenuamente, pensemos que o país não pode ficar pior do que já está, o melhor é prepararmo-nos, pois a verdade é que isto ainda não bateu no fundo.
Circula pela rede esta frase aparentemente anónima que diz: "O governo do PS compõe-se de dois grupos: um, formado por gente totalmente incapaz, e outro, por gente capaz de tudo." Atendendo ao mais que provável cenário de eleições antecipadas, não posso deixar de me interrogar: e um eventual governo PSD, como será? Que terá de diferente em relação a este do PS, agora caído em desgraça? Por mais que observe e ouça os dois líderes, e respectivos partidários, não consigo descobrir as diferenças neste centrão político-pantanoso. Mas talvez issa se deva apenas à minha miopia crónica...
quarta-feira, 23 de março de 2011
Dis-farsar a crise
No final de 2009, a Nicola decidiu publicar nos seus pacotes de açúcar frases de gente conhecida cujo lema era “Hoje é o Dia”. Depois lançou uma nova série com frases inspiradas e sugeridas pelos próprias consumidores. A ousada campanha publicitária subiu entretanto de tom, acompanhando o agravamento da crise e o crescente descontentamento dos cidadãos em relação à política e aos políticos.
Eis um exemplo, que aliás sintetiza na perfeição o que se está a passar neste momento na Assembleia da República e no próprio (des)governo:
Outras imagens em http://www.nicola.pt/pacotes-de-acucar.aspx |
E é justamente por isso que, aos discursos e altissonantes declarações dos senhores deputados e governantes e, sobretudo, ao PEC e respectivos apaniguados, só apetece dizer:
terça-feira, 22 de março de 2011
Frases com pensamentos dentro
Sobre a proliferação de zonas de conflito criadas por intervenção das "forças aliadas", a pretexto da "guerra santa" contra o "terror árabe" - Iraque, Afeganistão, Líbia, etc, etc, etc. - muita coisa se tem dito e vai dizer ainda. Aqui ficam mais três propostas para o debate/comentário:
1. Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta.
Albert Einstein
2. Não é a fome, mas, pelo contrário, a abundância, o excesso de energias, [dos países ricos] que provocam a guerra.
José Ortega y Gasset
3. Não sei com que armas se travará a III Guerra Mundial. Mas a IV Guerra Mundial será travada com paus e pedras.
Albert Einstein
segunda-feira, 21 de março de 2011
Jardim imprevisto
mas natural, espécie de cantaria ajardinada a gritar que a Natureza não é inimiga do betão(embora o contrário seja verdadeiro...). Primavera urbana que se ergue das fendas do cimento como se gritasse «Já estou aqui!».
P de Promessa
És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,Em que é pleno e perfeito cada instante.
Sophia de Mello Breyner, in “Poemas Escolhidos”,
Companhia das Letras, S. Paulo, 2004
P de Poesia
Glória
Depois do Inverno, morte figurada,
A primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.
Miguel Torga
Depois do Inverno, morte figurada,
A primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.
Miguel Torga
domingo, 20 de março de 2011
Homens "de palavras"
Se dúvidas houvesse, as várias declarações que os nossos excelsos governantes, e restantes líderes políticos à espera de uma oportunidade para se tornarem governo, fizeram durante a semana passada dissipá-las-iam. Num dia o nº 2 do PS afirmou que “A comunicação do ministro das Finanças da passada sexta-feira ficará certamente para a história como a mais desastrada e desastrosa que alguma vez foi feita em Portugal, se não mesmo no hemisfério Norte, de todos os pontos de vista" (In Quadratura do Círculo). Poucos dias depois fez questão de declarar que, afinal, não era bem assim, pois tudo não tinha passado de um equívoco entretanto esclarecido. Da mesma forma que o próprio primeiro-ministro, nas barbas do ministro das finanças, sentado impavidamente ao seu lado na bancada, anunciou no Parlamento que as medidas a tormar eram outras e não as que ele havia previamente anunciado para o PEC IV e declarou depois à saída que "O senhor ministro das Finanças não só tem toda a minha confiança, como tem o meu apoio e solidariedade". Pois, pudera!
Agora, Sócrates veio declarar que não governará o país em coligação com o FMI. Mas isso é hoje. Amanhã, dependendo dos mercados, da senhora Merkel, das sondagens, da opinião dos comentadores televisivos, do vento ou da chuva, já dirá outra coisa qualquer. Sobretudo, dirá o que for necessário para não perder o poder (de dizer hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, entenda-se).
Nós é que já só temos uma certeza: somos governados por "homens de palavras", coisa bem diversa de "homens de palavra". Estes, os "de palavra", parece que se extinguiram da política nacional. Os outros, pelo contrário, pululam em todos os degraus da hierarquia: é que falar é fácil e prometer também, sobretudo quando não está em causa ter que cumprir o que se diz e o que se promete.
sexta-feira, 18 de março de 2011
A arte tridimensional também se pode fazer na rua...
... como Edgar Müller demonstrou em 2008 no "Festival of World Culture" de Dun Laoghaire, na Irlanda.
Curso acelerado de formação de políticos
A pressão mediática à volta da possibilidade de haver eleições legislativas já deixou por aí a salivar muita da gente que está há anos arredada do poder. É que este, mesmo pobrezinho como é o nosso (quando comparado com o de outros países), continua a ser muito atractivo, sobretudo para medíocres que se querem armar em bons, como aliás este pequeno registo vídeo demonstra na perfeição. É que, em Portugal, para ser político de sucesso - que é como quem diz, com possibilidades reais de chegar ao poder - basta ter calma, descontracção e muita estupidez natural (que alguns mascaram de arrogância a ver se o povinho não percebe).
Eis então dez importantes lições para quem está já a pensar que as eleições estão para breve(?):
Eis então dez importantes lições para quem está já a pensar que as eleições estão para breve(?):
quinta-feira, 17 de março de 2011
Analogias
Natureza
Japão - Março de 2011: Sismo violentíssimo, seguido de tsunami que arrasou tudo o que encontrou pela frente.
Economia e Finança
USA - 2008: a crise do subprime foi o sismo que abriu brechas profundas no equlíbrio financeiro mundial; seguiu-se o tsunami da derrapagem orçamental dos Estados membros da UE, entre os quais Portugal. E tudo indica que, em 2011, as vagas mais fortes de austeridade ainda estão para chegar (o PEC IV é só mais uma delas).
Consequências: como não podemos dar-nos ao luxo de uma 3ª guerra mundial (como a que aconteceu na década de 30 do século passado) e o "estado social" tem os dias contados, o melhor que temos a fazer é aceitar que vamos ficar todos bem mais pobres.
Conclusão: os desastres naturais, tal como as crises económicas e financeiras, são animais de hábitos, ou seja, têm tendência para se repetir*. Estranho é verificar como o nosso (des)governo continua a pedir crédito no estrangeiro como se não houvesse amanhã. Com as taxas de rating cada vez mais baixas e os os juros cada vez mais elevados, é quase certo que dificilmente conseguiremos pagar tudo o que devemos lá fora. Ou seja, estamos a viver o "canto do cisne" da vida fácil, barata e que deu certamente milhões, mas não a nós.
* Nouriel Roubini e Stephen Mihm, Economia de Crise, D. Quixote, 2010.
quarta-feira, 16 de março de 2011
A rosa de Fukushima
Não demorará muito até que os destroços da impressionante devastação causada tanto pelo sismo do passado dia 11, como pelo tsunami que se lhe seguiu, comecem a ser removidos e que a reconstrução traga de novo a esperança aos japoneses. Já o mesmo não se poderá dizer da radioactividade de Fukushima. Essa, embora invisível, continuará a laborar durante muito tempo e causará a devastação mais dolorosa de todas: a rosa hereditária.
Não restam dúvidas de que, naquilo que é mais relevante, continuamos a ter todos um enorme e perigoso défice de aprendizagem, pois o lucro tudo justifica. Até ver....
terça-feira, 15 de março de 2011
Este é o tempo
Este é o tempo
Este é o tempo
Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam.
Sophia de Mello Breyner; in Mar Novo (1958)
Este é o tempo
Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam.
Sophia de Mello Breyner; in Mar Novo (1958)
segunda-feira, 14 de março de 2011
A crise, a geração "à rasca" e a força da música
É curioso verificar como, para quase tudo, somos periféricos (o que é sempre uma boa desculpa para... quase tudo, desde ver passar os navios a ver passar a caravana e já nem sequer ladrar...). Por vezes, ouvindo os discursos e declarações dos donos da Europa - e do próprio país - , parece até que é uma espécie de fatalidade contra a qual nem vale a pena pensar em lutar e por apenas nos limitamos a esperar que os outros não nos declarem insolventes. E no entanto, há coisas em que, paradoxalmente, até estamos bem no centro dos acontecimentos. A começar pela "crise": tão periféricos, tão à margem de tudo, com uma economia tão ligeira que nem sombra faz, quanto mais concorrência, mas logo aqui, vá-se lá perceber isto, estamos bem no centro, se não mesmo na vanguarda.
E os protestos das "vítimas" da crise têm-se feito ouvir por toda a Europa, mesmo nos países que actuam como donos do velho continente. Por cá, a coisa tem demorado a arrancar mas, a julgar pelo que vi e ouvi no passado sábado, parece-me que começámos a recuperar o tempo perdido e a ganhar terreno. Tudo isto graças ao despertar do dragão adormecido, essa tal geração "à rasca" que é afinal a mais qualificada de sempre num país que mantém elevadas taxas de analfabetismo, a mais urbana também, graças à desertificação galopante do interior do país e, sem dúvida, a mais tecnológica. Tudo na vida destes jovens passa pela internet, sobretudo pelas redes sociais. E nestas, tudo se baseia na partilha: as imagens que documentam o quotidiano, os vídeos, as músicas, os textos que vão das anedotas às crónicas e artigos de opinião e que, num único clique, de forma quase imediata e viral, chegam a todos os utilizadores da rede. A teoria de que o "mundo é pequeno" é, afinal, o grande lema das redes sociais. Por isso é cada vez mais provável que tudo o que acontece, aconteça antes no facebook. E foi exactamente isso que se verificou com as grandes manifestações do fim-de-semana. Foi dado um passo decisivo. Havia muita prudência na verbalização de expectativas por parte dos organizadores porque, como é óbvio e dadas as características apartidárias do movimento, não havia a priori quaisquer garantias. Mas o número de manifestantes superou até mesmo as previsões mais optimistas, e isso só pode funcionar como um reforço positivo que vai incentivar novas iniciativas em que fique bem clara a "força" desta tal geração à rasca. E não demorarão muito a fazer-se ouvir novamente na rua já que, para eles, tudo tem que acontecer muito depressa. Esta é afinal a geração que não consegue esperar mais do que os breves segundos que demora a fazer o download da nova música do momento.
E de certa forma, é ela - a música - a força mobilizadora destes jovens. Basta ver a forma como acorrem em massa aos grandes concertos e festivais de música no país. Estes jovens pertencem a uma geração em que a música se tornou a mediadora da sua relação com o mundo e com os outros, uma vez que dispõem da tecnologia - mp3/4, ipod's e afins - que lhes permite levá-la para todo o lado, e partilhá-la também.
A omnipresença e a omnipotência da música na cabeça dos jovens desta geração (Deolinda, Homens da Luta, GNR, etc.) não é um fenómeno exclusivamente nosso, bem pelo contrário. O aparecimento de determinadas músicas que se assumem como de protesto tem antecedido ou acompanhado os protestos dos jovens noutros países europeus, e não só. É o caso, por exemplo, dos ingleses "The Agitator" que têm como vocalista um verdadeiro incendiário e activista da palavra: Derek Meins.
Ou ainda de "Les Enfoirés" em França:
Mas voltando a "The Agitator": na canção "Get Ready", editada em Maio último, pode ler-se que "We can't afford to hesitate / Now's the time to agitate". E, numa entrevista recente, Meins declara que faz "Música como expressão artística e inspiração para uma mudança social." Acrescenta ainda que "As pessoas estão hoje conscientes que a ideologia de fazer o máximo de dinheiro possível, a toda a hora, no período de tempo mais curto, não funcionou, não é a melhor forma de organizar o mundo. As pessoas genuinamente zangadas, furiosas por verem a injustiça como padrão numa sociedade que assegura pelo voto quem toma as decisões no topo." (Ípsilon, 31/12/2010)
Se calhar, é mesmo por aqui que as coisas podem começar a acontecer. É que, nesta tal geração "à rasca", mais do que a sintonia entre a música e a rua existe a "música na rua" que é algo de verdadeiramente novo nos movimentos de protesto:
E o tipo de força interior, ou de vontade obstinada, que leva esta geração para a rua é muito semelhante à que os leva a esperar vários dias ao relento para garantir lugar na primeira fila do concerto e cantar a plenos pulmões com as bandas. Foi por isso também que quase todos desfilavam pela avenida com os fones e a ouvir as 'suas' músicas. Há, sem qualquer dúvida, uma banda sonora pessoal nestas manifestações, a qual toca, se calhar bem mais do que as palavras de ordem e os discursos inflamados, no ouvido e no espírito destes jovens. Quem quiser começar a perceber melhor aquilo que pode vir a acontecer a seguir o melhor que tem a fazer é começar a ouvir estas músicas (e outras). Ou, como diria The Agitator, "Get Ready":
E o tipo de força interior, ou de vontade obstinada, que leva esta geração para a rua é muito semelhante à que os leva a esperar vários dias ao relento para garantir lugar na primeira fila do concerto e cantar a plenos pulmões com as bandas. Foi por isso também que quase todos desfilavam pela avenida com os fones e a ouvir as 'suas' músicas. Há, sem qualquer dúvida, uma banda sonora pessoal nestas manifestações, a qual toca, se calhar bem mais do que as palavras de ordem e os discursos inflamados, no ouvido e no espírito destes jovens. Quem quiser começar a perceber melhor aquilo que pode vir a acontecer a seguir o melhor que tem a fazer é começar a ouvir estas músicas (e outras). Ou, como diria The Agitator, "Get Ready":
Neste campo, e ao contrário do que é habitual, não somos periféricos. Bem pelo contrário. Estamos a acompanhar de bem perto o que se está a fazer também lá por fora. Utopicamente falando, quem sabe se não vem aí a "revolução musical"?...
PS: Mas, a julgar pelo que aconteceu com a dos "cravos", o mais provável é que tudo se acabe em "vira o disco e toca o mesmo".
Neste campo, e ao contrário do que é habitual, não somos periféricos. Bem pelo contrário. Estamos a acompanhar de bem perto o que se está a fazer também lá por fora. Utopicamente falando, quem sabe se não vem aí a "revolução musical"?...
PS: Mas, a julgar pelo que aconteceu com a dos "cravos", o mais provável é que tudo se acabe em "vira o disco e toca o mesmo".
domingo, 13 de março de 2011
sábado, 12 de março de 2011
Três F's mais um, ou as contradições da luta
Desde há algum tempo que manifestamos o nosso descontentamento nas ruas com alguma regularidade (hoje é um deses dias) e de várias formas - a recente vitória dos Homens da Luta no anacrónico e anquilosado Festival da Canção é só uma delas - MAS, no essencial, continuamos a ser o país dos três F's:
1. Futebol
2) Fátima
3) Fado
A verdade é que, nos momentos em que as nossas acções e decisões verdadeiramente contam, isto é, no momento de votarmos e de expressarmos a nossa maturidade cívica nas urnas, no momento em que as coisas poderiam de facto ser mudadas por vontade e decisão nossa, no momento em que o nosso NÃO conta e serve, de facto, para alguma coisa, o que é que fazemos? Aqui vai o eloquente exemplo:
4) Fogo!...
(mais cinco anos a ouvir a naftalínica oratória deste senhor!)
E esta é, para mim, a melhor prova de que continuamos a ser um povo submisso (leia-se aborregado): Então já ninguém se lembra do que aconteceu quando este senhor era primeiro ministro? Mas há ainda pior (se tal for possível): olho para ele e antevejo o futuro político de Sócrates daqui a uns anitos, quando as consequências desastrosas dos seus actuais e patrióticos feitos tiverem sido branqueadas pela fraquinha memória do zé povinho.
E é justamente na denúncia destas contradições e heresias da nossa 'luta' que está toda a genialidade da dupla Jel e Falâncio. Mesmo a sua indumentária resgatada à década de 70 é bem reveladora desta nossa peculiar forma de estar e de encarar o mundo: sempre a olhar para trás. Os da direita, saudosos do "tempo da outra senhora" em que o povo levava porrada para não sair dos eixos da obediência amedrontada, e os da esquerda, saudosistas do PREC, tempo em que o povo, embora desorientado e sem rumo, era, justamente por isso, quem mais (des)ordenava o país. E no entanto a verdade lapalissiana é que o tempo só avança numa direcção: para a frente. Olhar para trás e suspirar é puro desperdício de tempo e de energia.
Já agora convinha não perdermos de vista que Jel e Falâncio não "fazem a luta", são personagens satíricas que fazem humor. Os "Homens da luta" gravam intervenções para programas de humor que passam na televisão. E isto, tanto quanto eu saiba, não é fazer a luta. Essa, nós é que temos que a fazer todos os dias e, de preferência, de uma forma coerente e consequente. Mas enfim, receio bem que ainda não seja desta que alguma coisa vá mudar, de facto, neste país... Vai uma aposta para as próximas legislativas?
Já agora convinha não perdermos de vista que Jel e Falâncio não "fazem a luta", são personagens satíricas que fazem humor. Os "Homens da luta" gravam intervenções para programas de humor que passam na televisão. E isto, tanto quanto eu saiba, não é fazer a luta. Essa, nós é que temos que a fazer todos os dias e, de preferência, de uma forma coerente e consequente. Mas enfim, receio bem que ainda não seja desta que alguma coisa vá mudar, de facto, neste país... Vai uma aposta para as próximas legislativas?
E sabem que mais? É por tudo isso que eu digo 'Quiriquiriquiriquiriqui' para isto tudo...
Síntese pictórica
da Cimeira Europeia e da Eurolândia; Bruxelas, 11 de Março (ver notícia aqui):
A perfídia do mundo
Pieter Brueghel, o Velho - O Misantropo, 1568, (óleo sobre madeira, 87 Øcm. Museu Capodimonte, Nápoles – Itália) |
sexta-feira, 11 de março de 2011
Dançar também pode ser uma forma de orar...
...com uma hipnotizante e vertiginosa beleza: Ziya Azazi, bailarino e coreógrafo turco, apresenta neste solo - "Mevlana Orhan Salliel" - a sua visão pessoal e artística sobre a dança Sufi.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Do como e do quando
E quando não se calam os protestos
Do sangue comprimido nas artérias?
E quando sobre a mesa ficam restos,
Dentaduras postiças e misérias?
E quando os animais tremem de frio,
Olhando a sombra nova de castrados?
E quando num deserto de arrepio
Jogamos contra nós cartas e dados?
E quando nos cansamos de perguntas,
E respostas não temos, nem gritando?
E quando às esperanças aqui juntas
Não sabemos dizer como nem quando?
José Saramago, in Os Poemas Possíveis,
Ed. Caminho, 1981, 2ª ed.
Do sangue comprimido nas artérias?
E quando sobre a mesa ficam restos,
Dentaduras postiças e misérias?
E quando os animais tremem de frio,
Olhando a sombra nova de castrados?
E quando num deserto de arrepio
Jogamos contra nós cartas e dados?
E quando nos cansamos de perguntas,
E respostas não temos, nem gritando?
E quando às esperanças aqui juntas
Não sabemos dizer como nem quando?
José Saramago, in Os Poemas Possíveis,
Ed. Caminho, 1981, 2ª ed.
quarta-feira, 9 de março de 2011
Contrastes
De repente, no alto da colina, aparece à nossa frente um corredor delimitado por graníticos marcos miliários que assinalam um tempo distante. É como uma nesga de eternidade que se abre na paisagem e por onde é possível caminhar em direcção ao vale à nossa frente como se nos dirigíssemos ao centro de um pequeno universo há muito extinto.
Cromeleque dos Almendres, 9/3/2011 |
E subitamente, junto a um velho tronco, há qualquer coisa que me força a olhar para o chão de uma forma quase instintiva. A um triz de ser pisado, quase confundido com a vegetação rasteira, está um pequeno ouriço que procura disfarçar a sua vulnerabilidade debaixo do manto espinhoso e passar despercebido às minhas botas descuidadas. Ninguém melhor do que ele sabe que a eternidade de tudo quanto vive - tal como a das pedras e dos homens que as transformam em símbolos - não passa de uma poética ilusão.
Valverde, 9/3/2011 |
terça-feira, 8 de março de 2011
A idade dos porquês no Carnaval
Porque é que há um Dia Internacional da Mulher?
Para podermos explicar aos homens, sem que eles pensem logo que estamos a questionar ou a menosprezar a sua masculinidade, que, quer eles aceitem quer não, somos de facto diferentes e funcionamos de forma distinta, lol.
As mulheres afegãs
Vítimas esquecidas e brutalizadas de uma guerra que se eterniza, poderão elas alguma vez celebrar este Dia Internacional da Mulher na posse de pelo menos alguns dos direitos que nós, mulheres ocidentais, há já muitos tomamos como certos? A começar pelo direito a serem tratadas como seres humanos e não como carne para canhão na mão de fanáticos misóginos que não respeitam nada nem ninguém.
segunda-feira, 7 de março de 2011
Ainda assim
Ainda que seja improvável
Ainda que seja inviável,
Talvez até impensável
Ainda que não sejas (con)fiável
Ainda que nunca sejas amável,
Nem sequer permeável
Ainda assim,
é sempre inevitável
Ainda que seja inviável,
Talvez até impensável
Ainda que não sejas (con)fiável
Ainda que nunca sejas amável,
Nem sequer permeável
Ainda assim,
é sempre inevitável
As pequenas, quotidianas rejeições
Os telefonemas não recebidos, o convite não formulado, a proposta nunca avançada, a data esquecida, o distanciamento revelado, as pequenas rejeições quotidianas que ferem às vezes bem mais do que os grandes discursos inflamados. E disso bem sabe Alanis Morrissette:
Oh these little rejections how they add up quickly
One small sideways look and I feel so ungood
Somewhere along the way I think I gave you the power to make
Me feel the way I thought only my father could
Oh these little rejections how they seem so real to me
One forgotten birthday I'm all but cooked
How these little abandonments seem to sting so easily
I'm 13 again am I 13 for good?
I can feel so unsexy for someone so beautiful
So unloved for someone so fine
I can feel so boring for someone so interesting
So ignorant for someone of sound mind
Oh these little protections how they fail to serve me
One forgotten phone call and I'm deflated
Oh these little defenses how they fail to comfort me
Your hand pulling away and I'm devastated
When will you stop leaving baby?
When will I stop deserting baby?
When will I start staying with myself?
Oh these little projections how they keep springing from me
I jump my ship as I take it personally
Oh these little rejections how they disappear quickly
The moment I decide not to abandon me
Oh these little rejections how they add up quickly
One small sideways look and I feel so ungood
Somewhere along the way I think I gave you the power to make
Me feel the way I thought only my father could
Oh these little rejections how they seem so real to me
One forgotten birthday I'm all but cooked
How these little abandonments seem to sting so easily
I'm 13 again am I 13 for good?
I can feel so unsexy for someone so beautiful
So unloved for someone so fine
I can feel so boring for someone so interesting
So ignorant for someone of sound mind
Oh these little protections how they fail to serve me
One forgotten phone call and I'm deflated
Oh these little defenses how they fail to comfort me
Your hand pulling away and I'm devastated
When will you stop leaving baby?
When will I stop deserting baby?
When will I start staying with myself?
Oh these little projections how they keep springing from me
I jump my ship as I take it personally
Oh these little rejections how they disappear quickly
The moment I decide not to abandon me
domingo, 6 de março de 2011
O luso carnaval
De todas as importações culturais que temos feito ao longo dos tempos, algumas tão fundamentais que ainda hoje ajudam a explicar quem somos, o que fizémos e porquê, há uma que se assemelha muito à introdução das espécies alienígenas nos ecossistemas, quase sempre por uma boa razão e com a melhor das intenções, mas que acabam por se tornar uma autêntica praga e obrigam depois a grande dispêndio de recursos humanos e financeiros para conter os estragos: é o carnaval brasileiro, com o seu cortejo de samba e de sambistas. Qual lagostim de água doce, invadiu as terras lusas de norte a sul para, cobertura televisiva oblige, nos entrar pelos olhos e ouvidos dentro e nos arranhar e torturar o espírito com as suas pinças esganiçadas.
E é ver os tractores agrícolas conduzidos por motoristas barrigudos de camisa aos quadrados e boina na cabeça a rebocar em marcha lenta carros alegóricos onde as meninas de formas mais avantajadas e sinuosas agitam o corpo e os penachos de várias cores do toucado fazendo de conta que estão no sambódromo. No chão desfilam grupos mais ou menos (des)organizados de mulheres que, em biquíni, agitam a celulite ao ritmo das ancas, o que até ajuda a disfarçar o tremor causado pelo vento gélido. O frio e a chuva característicos desta época do ano fazem sobressair o branco leitoso da pele, enquanto o bamboleio sacudido das coxas vai semeando pelo chão as peças mal cosidas do fato: aqui uma pena, além uma fita, ali uma fivela... A coreografia segue de perto o que se faz nos desfiles do Rio de Janeiro, mas sem a convicção. A música, claro, é brasileira e, muitas vezes, é cantada por brasileiros. Como não podia deixar de ser, para tornar a coisa ainda mais autêntica (se tal for possível!) importam-se também o rei e a rainha de uma qualquer novela que esteja a passar na televisão portuguesa. Os raros homens que se atrevem a participar neste tipo de desfiles são, no carnaval como na vida real, assim um tanto para o fraquinho e lá vão abanando o corpo rígido a fazer de conta que dançam.
Tudo isto dá um espectáculo verdadeiramente triste, para não dizer miserável e miserabilista. Não é sequer uma imitação, porque é demasiado ridículo. Não é sequer uma aproximação possível porque é demasiado lamentável. É sobretudo uma bacoquice espúria.
E é ver os tractores agrícolas conduzidos por motoristas barrigudos de camisa aos quadrados e boina na cabeça a rebocar em marcha lenta carros alegóricos onde as meninas de formas mais avantajadas e sinuosas agitam o corpo e os penachos de várias cores do toucado fazendo de conta que estão no sambódromo. No chão desfilam grupos mais ou menos (des)organizados de mulheres que, em biquíni, agitam a celulite ao ritmo das ancas, o que até ajuda a disfarçar o tremor causado pelo vento gélido. O frio e a chuva característicos desta época do ano fazem sobressair o branco leitoso da pele, enquanto o bamboleio sacudido das coxas vai semeando pelo chão as peças mal cosidas do fato: aqui uma pena, além uma fita, ali uma fivela... A coreografia segue de perto o que se faz nos desfiles do Rio de Janeiro, mas sem a convicção. A música, claro, é brasileira e, muitas vezes, é cantada por brasileiros. Como não podia deixar de ser, para tornar a coisa ainda mais autêntica (se tal for possível!) importam-se também o rei e a rainha de uma qualquer novela que esteja a passar na televisão portuguesa. Os raros homens que se atrevem a participar neste tipo de desfiles são, no carnaval como na vida real, assim um tanto para o fraquinho e lá vão abanando o corpo rígido a fazer de conta que dançam.
Tudo isto dá um espectáculo verdadeiramente triste, para não dizer miserável e miserabilista. Não é sequer uma imitação, porque é demasiado ridículo. Não é sequer uma aproximação possível porque é demasiado lamentável. É sobretudo uma bacoquice espúria.
As pouquíssimas localidades que resistiram a esta aculturação sem sentido – como Torres Vedras ou Podence por exemplo – demonstram à saciedade que temos formas próprias de comemorar o Carnaval, através da sátira e da transgressão, que se conseguem impor sem necessitar destas importações duvidosas.
No entanto, a forma acrítica como o zé povinho corre aí por essas estradas, ano após ano, para assistir e aplaudir estas barbaridades inventadas em nome do turismo de massas na sua pior forma - a da dinamização comercial das localidades - e para as quais as autarquias contribuem com chorudas verbas do seu orçamento, em detrimento de outras manifestações culturais, não cessa de me espantar e estarrecer.
Não admira, pois, que os brasileiros gozem com a nossa insistência nesta lusa e aberrante contrafacção do seu famoso carnaval: a mais hilariante anedota do carnaval brasileiro é, afinal, bem portuguesa...
sábado, 5 de março de 2011
A oliveira que 'já não sabia a idade'
Ver notícia aqui |
Daquela grande oliveira, a maior do jardim, apenas se sabe que é velha, mesmo muito velha. O tronco carcomido mais parece uma carcaça abandonada por algum predador há muito saciado. Que a seiva ainda consiga trepar pela casca áspera e acinzentada até alcançar as folhas miúdas da copa é quase inexplicável. Esta copa que parece jorrar do tronco vazio como um spray verde e viçoso é, aliás, o único sinal de que continua bem viva. Afirmam agora que é milenar mas a velha árvore, disso, nada sabe. Impassível, perdeu a conta às gerações que, em tempos idos, lhe anelaram o tronco e às vezes que o mundo já desabou e se reergueu à sua volta.
Talvez o segredo da sua longevidade esteja justamente nesse esquecimento de si mesma, pois sem memória não há passado, apenas o presente possível em cada dia que passa, como se cada um desses dias que se vão sucedendo fosse o primeiro de todos os que hão-de vir depois. Só o vento que lhe atravessa às vezes o tronco esfarrapado e lhe faz cócegas por dentro perturba a invejável quietude silenciosa com que desafia a própria eternidade. E assim continuará, majestosa e messiânica ao mesmo tempo, bem no meio do jardim, muitas gerações depois de eu ter partido.
quinta-feira, 3 de março de 2011
quarta-feira, 2 de março de 2011
O Sobrevivente
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos
um nível razoável de cultura.
Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)
Carlos Drummond de Andrade
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos
um nível razoável de cultura.
Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)
Carlos Drummond de Andrade
terça-feira, 1 de março de 2011
Março: mês de Simentera musical, morna, coleante, dançável
Dor di Amor
Oiá c' ma dor di amor ca tem vocação
Oiá c' ma sê força ê moda tchuva
Ele ta da na tchom um planta novo ta nascé
Má si vida pergunt'ób pa mi
Engana' l dá' l volta
Negá' l resposta
Un' tem vergonha d' vivê
D' prop dor d' amá
Ta amá ta sofre ta amá
Ta amá pa vivê d' amor
Mário Lucio
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