terça-feira, 29 de março de 2011

Tempo paradoxal

Marc Chagall, Le temps n'a point de rives, 1930-1939
Também eu, olhando no espelho o curso apressado do "rio sem margens", pergunto muitas vezes ao tempo «quanto tempo o meu tempo tem?». Mas ele, impassível, responde sempre da mesma forma: «não sei». E logo busco a fraca consolação da lapalissiana verdade - «o melhor é aproveitar enquanto há» - para tentar abafar a voz esganiçada que, lá bem no fundo, remata em tom sarcástico: «certo é que já perdeste demasiado tempo». 

Contudo, a única certeza que o tempo me deu até agora é a de que o meu tempo não me dará sequer tempo para ter tempo. Nem o tempo breve de um único poema.

Aurai-je le temps de voir la nuit
Aurai-je le temps de voir le jour
Aurai-je le temps de voir la fin du monde
Aurai-je le temps de tout voir
Et d'avoir le temps

Pierre Albert-Birot, Invitation aux voyages,
B.T.,n 84,1976


Nem sequer o tempo enfeitiçado de uma canção insolente.



E ainda assim, de forma paradoxal, canto baixinho em frente ao espelho: "je l'aime tant ce temps qui reste..."

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