Jovem colhendo flores, século I d.C. Detalhe da pintura mural de Stabiae Museu Arqueológico Nacional, Nápoles |
Da noite a aragem tépida refrescando vem
surpreender as luzes que, interiores, se apagam
lentamente, uma após outra, como em madrugada
ao longe as luzes de outra margem - rio
descido pelas águas tenuamente crespas,
sombras passando, e escorre matutina,
ainda sem brilho, a vibração das águas,
enquanto rósea apenas de uma aurora ausente
a crista das montanhas reverdece.
Por sobre a plácida e pensante aragem física
das violações diurnas, de amarguras,
vilezas vistas e traições sonhadas,
notícias de jornal e desafios,
guerra iminente ou, mais que dolorosa,
cravada nas imagens de uma paz sombria,
perpassa a noite véus de primavera,
glicínias que amanhã estarão floridas,
e folhas verdes, muito frágeis, tenras,
e o azular-se o mar, o distanciar-se o céu
na crua luz que juvenis sorrisos,
braços ligeiros de alegria funda,
devora lentamente, e as rugas ficam...
- ao longe as luzes de outra margem, rio
onde a noite se esconde até à morte.
15/3/1947
Jorge de Sena in Pedra Filosofal, 1950
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