segunda-feira, 19 de novembro de 2012

L'affaire Jonet

Sobre as muito comentadas declarações da diretora do Banco Alimentar (ver aqui) não tenho muito a acrescentar: entendi algumas coisas e até concordo com elas; outras são, de facto, muito estranhas. Sobre o excesso de consumismo e de bens fúteis, concordância absoluta. Sobre a necessidade de "reaprender" a viver de forma sustentável, igualmente.

Já sobre a questão do "comer bifes todos os dias" tenho muitas reticências. Isso acontecia (e acontece) também porque a carne e muitos outros alimentos são agora produzidos à escala industrial, na maior das indiferenças pela sustentabilidade do planeta de que a senhora falava e, sobretudo, no maior desrespeito pelos próprios animais de que nos alimentamos. Só isso explica que a classe média (que em Portugal nunca passou de uma faixa social de pelintras com saláriozinho garantido ao final do mês) pudesse ter dinheiro para comprar e comer bifes todos os dias. É que os bifes, hoje em dia, pouco mais custam que uma lata de atum. Mas, e na sua própria casa, como é? Pois, se calhar, não come bifes todos os dias. Mas não será porque tem as possibilidades financeiras que lhe permitem variar mais o cardápio familiar?

Outra conclusão que se retira do palavreado da senhora é que, de uma certa forma, por termos andado a comer bifes todos os dias, é que estamos em crise, pois isso significa viver bem acima das nossas possibilidades. Em última análise, a culpa da crise é, portanto, da tal classe média que andava um bocado mal habituada e que, agora, felizmente, já empobreceu o bastante para se ver forçada a mudar de proteína. Não deixa de ser essa também uma das teses defendida aqui.

Mais curioso ainda tem sido ler as reações dos "fazedores de opinião" de serviço. Todas elas têm uma coisa em comum: procuram separar as águas. Ou seja, separar a pessoa da instituição que dirige. O que é positivo, diga-se. Assim, segundo Marcelo Rebelo de Sousa (ver aqui), ela “não tem de ser tão boa a falar como a fazer”. Argumento estranho se pensarmos que uma instituição como o Banco Alimentar vive mesmo é de "passar a palavra certa" para conseguir que as pessoas vençam a indiferença e a inércia habituais e 'façam, isto é, contribuam com o seu próprio dinheiro para esta causa. 



É, aliás, graças a esta generosidade popular, que o Banco Alimentar (BA) tem conseguido alargar a sua intervenção social, prestigiando assim a sua diretora. Ou, para usar uma expressão mais "popular", a senhora faz omeletes porque, justamente, tem ovos para as fazer. 

Talvez por isso, aqui se defenda que "o Banco Alimentar é maior do que alguns minutos de televisão". Também concordo. Agora, do que não tenho quaisquer dúvidas é que a própria Isabel Jonet, afinal, não é maior do que estes mesmos minutos. E a sua desajeitada tentativa de, aqui, dar algumas coisas ditas por não ditas e trocar outras em muitos miúdos confirma isso mesmo.

O problema é que todos acreditávamos que a diretora do BA, por ter, justamente, vinte anos de percurso nas causas sociais não iria cair neste tipo de palavreado. Aliás, é por causa do prestígio alcançado com esse percurso que é chamada com regularidade à televisão para falar e para opinar sobre a atualidade. Mais uma razão para pesar bem o que diz. Estranho também é que uma pessoa como ela não tivesse ainda percebido isso.

No fim de contas, o que vale aos velhos e aos pobres deste país é que o Banco Alimentar é bem maior do que Isabel Jonet. E é maior porque é 'alimentado' por todos nós que, durante as campanhas de recolha, contribuímos generosamente pois sabemos que anda por aí muita gente a passar fome. Estávamos bem arranjados se assim não fosse! E é também isso que vale à Dra. Jonet.

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