domingo, 20 de janeiro de 2013

Estrada de Elvas



Janeiro 2013

Nunca o saberás, pai, mas todos os km que já fiz nesta estrada para te ir visitar me doem como pancadas: por não conseguir reconciliar-me contigo, nem sequer agora que já és só farrapo e sombra de ti mesmo. Algo de fundamental se estilhaçou entre nós há muito tempo – se é que alguma vez existiu  – e nunca demos um único passo para mudar a situação. Foste sempre e apenas o homem autoritário que impunha em casa um silêncio hostil e nos mantinha a nós – tuas convenientes e eficientes ‘servas’ -  à distância e em seu devido lugar: na cozinha. Nem mesmo no fim, quando as circunstâncias me forçaram a decidir como seria o resto dos teus dias, conseguimos conversar olhando nos olhos um do outro.

Quando agora chego e te vejo sentado num canto do pátio, de rosto inexpressivo e olhar perdido no vazio, percebo como estás velho, só e doente. E percebo o quanto isso, no fundo, me entristece. Apesar de tudo. Nos escassos instantes que demoro a chegar perto de ti quase acrescento ‘frágil’. Mas logo tu, decidido, me estendes a mão - exactamente como farias para cumprimentar um qualquer conhecido encontrado por acaso na rua - e eu percebo que não é o impulso da tua ligeira demência a comandar-te o gesto e sim o instinto certeiro de que a nossa relação filial não é - nem nunca foi - mais do que uma absoluta formalidade. Igual a ti próprio até ao fim, pai. No fundo, admiro (às vezes, até invejo) essa tua dureza quase feudal, que nunca se compadeceu e que nunca vi fraquejar.

Também não deixa de haver uma certa ironia nesta distância quilométrica que nos separa, e que é exactamente proporcional àquela a que sempre vivemos quando ainda partilhávamos o mesmo tecto familiar. A única diferença é que, agora, é já tarde demais. De uma forma estranha e paradoxal, esta estrada que percorro todas as semanas para te ver é também a única coisa que ainda nos liga. A estrada, e esta tristeza amarga que nos consome vivos. 

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