Janeiro 2013 |
Nunca o saberás, pai, mas todos os km que já fiz nesta estrada para te
ir visitar me doem como pancadas: por não conseguir reconciliar-me contigo, nem
sequer agora que já és só farrapo e sombra de ti mesmo. Algo de fundamental se estilhaçou entre nós há muito tempo – se é que
alguma vez existiu – e nunca demos um
único passo para mudar a situação. Foste sempre e apenas o homem autoritário que
impunha em casa um silêncio hostil e nos mantinha a nós – tuas convenientes e
eficientes ‘servas’ - à distância e em
seu devido lugar: na cozinha. Nem mesmo no fim, quando as circunstâncias me
forçaram a decidir como seria o resto dos teus dias, conseguimos conversar
olhando nos olhos um do outro.
Quando agora chego e te vejo sentado num canto do pátio, de
rosto inexpressivo e olhar perdido no vazio, percebo como estás velho, só e
doente. E percebo o quanto isso, no fundo, me entristece. Apesar de tudo. Nos
escassos instantes que demoro a chegar perto de ti quase acrescento ‘frágil’.
Mas logo tu, decidido, me estendes a mão - exactamente como farias para cumprimentar um
qualquer conhecido encontrado por acaso na rua - e eu percebo que não é o impulso da tua ligeira demência a comandar-te o gesto e sim
o instinto certeiro de que a nossa relação filial não é - nem nunca foi - mais
do que uma absoluta formalidade. Igual a ti próprio até ao fim, pai. No fundo,
admiro (às vezes, até invejo) essa tua dureza quase feudal, que nunca se
compadeceu e que nunca vi fraquejar.
Também não deixa de haver uma certa ironia nesta distância
quilométrica que nos separa, e que é exactamente proporcional àquela a que sempre
vivemos quando ainda partilhávamos o mesmo tecto familiar. A única diferença é
que, agora, é já tarde demais. De uma forma estranha e paradoxal, esta estrada que percorro todas as semanas para te ver é também a única coisa que
ainda nos liga. A estrada, e esta tristeza amarga que nos consome vivos.
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