quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Curar a melancolia

Em 1820, o clérigo Sydney Smith escreveu a Lady Georgiana Morpeth esta curiosa carta cheia de bons, práticos e praticáveis conselhos - vinte ao todo -  para lutar contra a melancolia e, supostamente, vencer.

Dear Lady Georgiana,

Nobody has suffered more from low spirits than I have done – so I feel for you.
1st. Live as well as you dare.
2nd. Go into the shower-bath with a small quantity of water at a temperature low enough to give you a slight sensation of cold, 75º or 80º. 
3rd. Amusing books.
4th. Short view of human life – not further than dinner or tea.
5th. Be as busy as you can.
6th. See as much as you can of those friends who respect and like you.
7th. And of those acquaintances who amuse you.
8th. Make no secret of low spirits to your friends, but talk of them freely – they are always worse for dignified concealment.
9th. Attend to the effects tea and coffee have upon you.
10th. Compare your lot with that of other people.
11th Don’t expect too much from human life – a sorry business at the best.
12th. Avoid poetry, dramatic representations (except comedy), music, serious novels, melancholy, sentimental people, and everything likely to excite feeling or emotion, not ending in active benevolence.
13th. Do good, and endeavour to please everybody of every degree.
14th. Be as much as you can in the open air without fatigue.
15th. Make the room where you commonly sit gay and pleasant.
16th. Struggle by little and little against idleness.
17th. Don’t be too severe upon yourself, or underrate yourself, but do yourself justice.
18th. Keep good blazing fires.
19th. Be firm and constant in the exercise of rational religion.
20th. Believe me, dear Lady Georgiana,

Very truly yours, 

SYDNEY SMITH, In Hesketh Pearson, The Smith of Smiths, Hogarth Press, London, 1984. p.164.

Estão entre um hedonismo comedido e o mais óbvio bom senso, embora alguns possam hoje estar um tanto marcados pelo espírito do tempo, como é o caso do 2º, do 9º ou do 19º.

A meu ver esta listagem só peca por algum excesso de frugalidade, compreensível tendo em conta a época em questão e a condição social das personagens envolvidas. E faltou um que, a meu ver é fundamental: o poder curativo de partilhar um prato de boa comida (apetitosa, saborosa e reconfortante) e um  copo de bom vinho com uma companhia agradável, no qual incluo também o prazer da sua preparação, essa alquimia dos cheiros, sabores e texturas que, aliada à capacidade inventiva e à gratificante antecipação do resultado final, é capaz de produzir curas quase miraculosas. Aliás, a própria Miss Dahl, a certa altura, faz esse mesmo reparo. Mais do que poder curativo da comida, poderá até falar-se em verdadeiro antídoto para a melancolia e não só.

E é disso que fala a luminosa Sophie Dahl num programa em que algumas receitas são, no mínimo, um pouco estranhas (neste domínio a Nigella é imbatível), mas em que o brilho sorridente do olhar (embora por alguma estranha razão poucas vezes olhe na direcção da câmara e na nossa também), a beleza acolhedora do cenário, a excelente mistura da comida com os livros (ou não fosse ela neta de Roald Dahl) constituem uma surpresa agradável, no sentido literal da palavra.  É uma espécie de itinerário de fantasia através da nostalgia das coisas boas que nos iluminam o pensamento, quando mais necessitamos de o fazer para "curar" a tal melancolia ou, pelo menos, amaciar-lhe as ásperas arestas: a infância, a família, os amigos, as viagens, os momentos marcantes.

E de  repente, num programa de televisão visto por acaso numa tarde de Agosto, "curar" a melancolia parece não apenas ser possível, como até fácil, ou seja, a silly season ganhou novos e mais alegres contornos. Ao menos isso.


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