Há já muito tempo tinha escrito aqui a propósito dos grafittis que, pela mão de artistas como Banksy ou Jean-Michel Basquiat, começaram a ocupar um lugar de relevo na arte contemporânea. Manifestação sobretudo urbana, muitas vezes associada à música e à dança, e que actualiza de forma muito insistente a questão da função social da arte. É também uma arte de palavras, no sentido em que muitas vezes o grafitti é um conjunto de palavras escritas/pintadas num muro: nomes, interjeições, palavras de ordem... Citava então um texto de Fernando Pessoa no qual, a certa altura, ele referia que, mesmo nas grandes cidades, há poesia em quase tudo: num sinal de trânsito, na tabuleta que anuncia uma loja ou na mesa à qual nos sentamos para beber um café. Pessoa acrescentava depois que "a poesia é espanto, admiração, como um ser tombado dos céus em plena consciência da sua queda, atónito com as coisas". Isto é, no fundo, a poesia está onde está o poeta que a vê nas coisas e nos seres à sua volta.
Foi por isso uma alegria para mim ter descoberto, escritos na parede de uma escusa rua de Évora, estes versos retirados de uma das "Odes" de Ricardo Reis:
Évora, Rua de Burgos, 7/8/2011 |
Assim mesmo, quatro versos sem erros ortográficos, com a pontuação certa no sítio certo, só peca por não indicar a quem passa o nome do poeta que os criou. É sem dúvida uma muitíssimo refrescante variação sobre o obsessivo e estafado tema das "pilas" e do "amo-te não sei quantas" que enchem as paredes da cidade e poluem os olhos dos passantes.
E para provar que há mesmo dias em que os olhos estão acordados para estas coisas, no regresso pela rua paralela, a Alcárcova de Cima, dei com este rosto pichado ao "estilo Banksy" que nos olha a partir do rodapé com uma expressão serena e uma sugestão de sorriso, e que complementa na perfeição o grafitti anterior e os próprios versos de Ricardo Reis.
Évora, Alcárcova de Cima, 7/8/2011 |
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