No passado mês de Junho a Oxfam publicou um relatório inquietante sobre a forma como a utilização e exploração descontrolada dos recursos naturais do planeta, aliada ao agravamento das alterações climáticas, podem vir a determinar as possibilidades e condições de sobrevivência da população mundial. Mais uma vez a organização lançou diversos alertas para o perigo cada vez mais real de entrarmos numa fase regressiva do desenvolvimento humano (se é que não estamos já lá). Eis algumas das principais conclusões:
The CGIAR – world-leading group of agricultural research centres for developing countries – has an annual budget of $500m, less than half the $1.2bn spent on R&D by the multinational company Monsanto.
Worldwide support for biofuels costs $20bn a year.
40% of the US corn crop ends up in gas tanks instead of stomachs.
It is estimated that three agribusiness firms – Cargill, Bunge and ADM – control nearly 90% of grain trading between them.
Only 40 cents of every US taxpayer dollar spent on food aid actually goes to buying food. Procuring freighting of US food aid on the open market could help feed an additional 3.2 million people in emergencies.
Between 1983 and 2006, the share of agriculture in aid fell from 20.4% to 3.7%. During this time rich country governments’ support to their own agricultural sectors spiraled to over $250bn a year – 79 times their agricultural aid.
The amount of arable land per head has almost halved since 1960.
Agriculture accounts for up to 30% of worldwide greenhouse gas emissions.
Demand for water will increase by 30% by 2030.
Consumers in rich countries may waste as much as a quarter of the food they buy.
In more than half of industrialized countries, 50% or more of the population is overweight.
80% of recent land investments remain undeveloped.
Providing women farmers with the same access to resources as men could increase their yields by 20–30%.
4 people in every 5 lack access to social protection of any kind.
In 2010, only 63% of UN emergency appeals were funded.
É por tudo isto que a Oxfam prevê que os preços dos bens alimentares essenciais dupliquem nos próximos vinte anos:
Se associarmos a isto a recessão económica global (que tem vindo a agravar-se e está já a contaminar os próprios países-motores da economia global) e a subida brutal do preço dos combustíveis fósseis não é difícil adivinhar o que poderá vir a acontecer.
Perante a dimensão deste cenário, até as poucas boas notícias parecem insignificantes:
Viet Nam achieved the first Millennium Goal – to halve hunger – five years ahead of schedule.
In 2009 the USA and Europe added more power capacity from renewables like wind and solar than from conventional sources like coal, gas and nuclear.
In 2009 Apple and Nike publicly left the US Chamber of Commerce in protest against its refusal to back US climate legislation.
Hunger fell by one-third in Brazil between 2000 and 2007.
In ‘Growing a Better Future:Food justice in a resource constrained world’ (o relatório integral pode ler-se aqui).
As propostas da Oxfam para tentar prevenir e minorar as consequências passam por políticas e tomadas de decisão globais:
- Criação de um fundo financeiro global para ajudar os países em vias de desenvolvimento a adaptar-se às alterações climáticas;
- Regulamentação da especulação financeira;
- Acabar com a utilização de alimentos para a produção de biodiesel;
- Incentivar a produção agrícola de pequena dimensão, ecológica e financeiramente sustentáve;
Apostar na protecção social dos mais vulneráveis (não deixa de ser irónico pensar que, em Portugal, está a fazer-se exactamente o contrário em nome da crise global), na redução dos riscos devastadores dos grandes desastres naturais e dos efeitos da mudança climática, na criação de empregos, na criação de reservas alimentares; na eliminação dos subsídios agrícolas que distorcem e condicionam o comércio de bens e produtos essenciais.
Medidas globais que os países ricos, sempre ciosos do seu poderio político e até militar e da sua influência económica, rejeitam até ao limite ou então aplicam de forma displicente (veja-se a este propósito o que tem acontecido com os protocolos de combate às mudanças climáticas).
Outra coisa curiosa é o conveniente silêncio gerado à volta deste tipo de documentos: todos discutem a crise económica e financeira, opina-se continuamente nos media sobre as soluções para a ultrapassar, cria-se um ruído comunicacional ensurdecedor em que às tantas já ninguém percebe muito bem o que está realmente a acontecer (e, se calhar, é mesmo isso que interessa).
Da fome real sofrida por milhões de pessoas em todo o mundo é que continua a não se falar muito. De certa forma ela é ainda um tema-tabu nos países ditos "desenvolvidos", a tal ponto que, por vezes, até parece uma "conspiração consentida de silêncio", como claramente explicava Josué de Castro em Geopolítica da Fome (Brasília Editora,1974, 2ª ed.).
É por tudo isto que esta reportagem da SIC, exibida en maio passado, dá ainda mais que pensar:
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