quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Delírios

Fernando Pessoa escreveu um dia que "Há poesia em tudo - na terra e no mar, nos lagos e nas margens dos rios. Há-a também na cidade - não o neguemos - facto evidente para mim enquanto estou sentado; há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia na trepidação dos carros nas ruas; em cada movimento ínfimo, vulgar, ridículo, de um operário que, do outro lado da rua, pinta a tabuleta de um talho. (...) É que a poesia é espanto, admiração, como um ser tombado dos céus em plena consciência da sua queda, atónito com as coisas.". Se substituirmos a palavra "poesia" pela palavra "arte", o texto é igualmente válido e verdadeiro: tudo depende dos olhos com que se vê o mundo à volta e da forma como ele é (re)criado, depois, nas telas ou no papel.

O graffiti, sempre presente nas paredes das nossas cidades, feito por artistas que não são anónimos, mas apenas desconhecidos do grande público, é talvez a manifestação artística que mais vive da aproximação entre os universos da palavra e da imagem. Alguns deles são de tal modo bons, como é o caso de Basquiat ou de Banksy, que acabam mesmo por sair das ruas para o espólio dos museus, galerias e coleccionadores por esse mundo fora.

Ao ver esta imagem que encontrei por acaso na net e misturando tudo isto, pensei, ou melhor, delirei. Este graffiti bem poderia ter sido obra colectiva dos heterónimos de Fernando Pessoa: as palavras de Caeiro, a pintura (auto-retrato?) de Campos, feito durante uma visita ao Ricardo Reis, já então a viver no Brasil, e fotografado pelo próprio Pessoa que, por acaso, estava sentado na esplanada do café em frente, a escrever o supracitado texto.

(imagem retirada de http://blog.uncovering.org/)

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